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“Há indícios de bolha económica em Moçambique?”. Questiona Carlos Nuno Castel-Branco

“Há indícios de bolha económica em Moçambique?”. Questiona Carlos Nuno Castel-Branco

“Se tentarem encher devagar as bolhas (de sabão) ficam maiores e depois rebentam. Se fizerem com força como eu fiz agora saem muito mais pequenas e rebentam (…) além de estarem cheias de ar as bolhas são efémeras, têm uma curta duração”. Com esta brincadeira infantil o professor Carlos Nuno Castel-Branco argumentou, nesta terça-feira (31), para a plateia de uma conferência em Maputo, sobre a existência de indícios de bolha económica em Moçambique e alertou para o facto de que “quando a bolha implode ou explode, só ficam a dívida, o desemprego, a falência da pequena e média empresa, a deterioração da qualidade de vida dos trabalhadores, e a concentração e centralização ainda maiores do capital.”

Para o coordenador do grupo de investigação sobre economia e desenvolvimento do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), embora pareça existir um “milagre económico” em Moçambique, afinal a economia tem estado em crescimento, cerca de 7% a 8% ao ano, e seja umas das três economias da África Sub-sahariana mais atractivas para o mercado internacional, tanto em investimento directo estrangeiro como em créditos comerciais, a verdade é que “quando nós olhamos para os dados da pobreza vemos que a percentagem da população que vive abaixo da linha de pobreza reduziu de 69 porcento para 54 porcento entre 1996 e 2003. Mas esta percentagem não se alterou de forma significativa na última década, e o número absoluto de pobres aumentou em mais de dois milhões nessa década”.

“Eu como não sou religioso não acredito em milagres, então começo a perguntar o que exactamente está a acontecer: é/ou milagre/pesadelo para quem?”, questiona-se Castel-Branco que responde com alguns factos. “Se redução da pobreza é relacionada positivamente com crescimento económico e negativamente com a desigualdade na distribuição do rendimento, se a taxa de crescimento acelera e a distribuição do rendimento nominal não piora, a taxa de redução da pobreza deve acelerar. Porque estagnou? Erro estatístico ou problema do modelo? É um problema da economia?”. Para o professor há ainda uma outra questão que é “do endividamento, houve um crescimento meteórico da dívida pública, interna e externa, com implicações grandes na economia, quer ao nível dos juros de capital (juros comerciais, ratings internacionais), quer no que diz respeito à estruturação da economia e também no que diz respeito à sustentabilidade dessa economia”.

Indícios de bolha económica

Voltando à bolha, Carlos Nuno Castel-Branco não é taxativo quanto à sua existência na economia moçambicana e deixou aos participantes da Conferência – organizada pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos, Centro de Integridade Pública e Observatório do Meio Rural – o desafio de encontrarem similaridades entre a definição e a realidade: “quando devemos começar a pensar que talvez estejamos na presença de uma bolha económica?”

Segundo o académico, quando o crescimento económico acontece “sem gerar emprego nos sectores determinantes e dinâmicos desse crescimento; a expansão do financiamento com recurso crescente ao endividamento público acelerado, financiado com base especulativa, por exemplo, expectativas e especulação com recursos; a dinâmica de endividamento associada a políticas fiscais e de despesa pública favoráveis à rápida acumulação financeira de grandes corporações, à custa do desenvolvimento económico e social mais alargado; especulação com propriedade (90% das concessões mineiras dadas a moçambicanos são transaccionadas com corporações internacionais dentro dos primeiros seis meses de atribuição da concessão); o aumento significativo do peso das transacções financeiras na economia; a emergência de um sector bancário especulativo; actividades especulativas ilegais – branqueamento de capitais, negócios de droga, etc.”

Castel-Branco acrescentou que “por um lado existe o afunilamento da economia e tensões sobre emprego” e “reduziu o número e variedade de produtos, em particular os de substituição de importações, aumentado a concentração em torno de produtos primários, minerais, energéticos e florestais, e diminuído o potencial de articulação doméstica da produção. Esta é uma característica do nosso crescimento económico.”

As estatísticas oficiais, citadas por Carlos Nuno Castel-Branco, ajudam a encontrar mais alguns indícios: “entre 2005 e 2013, os sectores que cresceram a taxas mais altas que a do PIB foram a indústria extractiva (21%), transportes e comunicações (12%), serviços financeiros (10%), agricultura, dominantemente commodities de exportação (8%), e construção (8%), que contribuíram com mais de 70% da taxa de crescimento do PIB, sem provocar um significativo aumento do emprego” e ainda “cerca de três quartos da taxa de crescimento do PIB e das exportações são determinadas por uma dezena de grandes empresas intensivas em capital. Por outro lado, a pressão para a agricultura familiar absorver a força de trabalho e garantir a sua reprodução aumentou. Isto quer dizer que as actividades mais intensivas em trabalho não lideram o crescimento e transformação da economia, e as actividades líderes são intensivas em capital e não em trabalho”.

Melhor momento para sair da bolha… é nunca entrar

O professor deixou algumas sugestões para se sair da bolha enquanto é tempo, afirmando que “em termos de política pública não vale a pena tentar olhar para cada problema individualmente e dizer que vamos resolver este problema e depois vamos resolver outro problema, porque as questões estão relacionadas entre si de tal maneira que soluções para um problema podem agravar outros problemas; por exemplo, se quisermos acabar com o endividamento e na sequência disso fizermos cortes na despesa pública indiscriminadamente, isso pode ter implicações em termos de consolidar as condições extractivas e especulativas da economia, portanto, piorando o problema que estamos a tentar cortar”.

Outra sugestão é que “o nosso foco deixe de ser recursos e passe a ser problemas (…) para mim as economias são todas ricas na mesma coisa, em problemas. E porque são os problemas que nos levam a procurar essas soluções, os problemas que nos levam a decidir o que é recurso, os problemas que nos levam a criar capacidade, e esses problemas é que obrigam a escolher prioridades (…) um exemplo é como podemos produzir comida numa base sustentável, barata, para as pessoas poderem ter condições de vida decentes a baixo custo e, dessa maneira, promover emprego assalariado competitivo, mas com condições decentes de vida?”

Castel-Branco sugeriu ainda que “é preciso pensar em termos de transformação económica não apenas na produção de enclaves com algum tipo de sinergia que não é muito útil a não ser em termos de extracção de força de trabalho. Há a questão da diversificação e articulação da base produtiva e o enfoque particular na substituição de importações por via de ligações”.

O coordenador do grupo de investigação sobre economia e desenvolvimento do IESE sugeriu também que é preciso “travar a dívida e mobilizar recursos, o que quer dizer que é preciso deixar de subsidiar áreas da economia, nomeadamente as grandes corporações e por outro lado a despesa pública tem de melhorar de qualidade, mas também tem de melhorar de importância social e económica (…) a EMATUM, as pontes, compra de acções de grandes empresas consomem milhões de dólares e juntos representam 40% da dívida externa de Moçambique”.

Em jeito de remate final, Carlos Nuno Castel-Branco afirmou que “há coisas que podemos começar a fazer que requerem decisões políticas muito sérias e difíceis, mas porque as decisões políticas difíceis têm de ser sempre para os trabalhadores, e para os que nem emprego têm? Por exemplo vamos deixar de subsidiar as multinacionais. Aquelas multinacionais que neste momento estão a gerar lucros há anos, como é o caso da Mozal, da Kenmare, da Sasol, vamos renegociar contratos, vamos apanhar as receitas fiscais delas (…) vão aparecer pessoas a dizer que ‘ah mas a Sasol, a Kenmare e a Mozal sozinhas se nós tributarmos vamos apanhar o quê?’. Trezentos milhões de dólares por ano, o que é isso comparado com os dois biliões ou três biliões de dólares que vamos apanhar com o gás?”. O professor acrescenta: “Onde estão esses biliões do gás? Se nós todos os anos adicionarmos cerca de 300 milhões de dólares à dívida pública interna podemos ter a estabilidade da dívida pública em termos de qualidade sem fazer dívida interna”.

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