Os cidadãos cujas famílias morreram ou contraíram ferimentos, ou perderam os seus bens,em consequência do último conflito armado que opôs as forças governamentais e os guerrilheiros da Renamo, entre 2013 e 2014, podem, nos termos da lei,intentar uma acção judicial contra o Estado com vista a serem compensados pelos danos causados. A Constituição da República dá-lhes cobertura, bastando, para o efeito,manifestar interesse e pedir o auxílio de instituições tais como a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique para que intercedam por eles, através do Instituto de Acesso à Justiça (IAJ).
As Forças de Defesa e Segurança (FDS) e o antigo movimento rebelde em Moçambique envolveram- se numa guerrilha que causou mortos e feridos cujo número exacto até hoje é desconhecido publicamente, para além da destruição de infra-estruturas e bens tais como viaturas.
Leopoldo de Amaral, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados de Moçambique, disse ao @Verdade que o artigo 58 da Constituição da República de Moçambique, sobre “direito à indemnização e responsabilidade do Estado”, estabelece, no número 01, que “a todos é reconhecido o direito de exigir, nos termos da lei, indemnização pelos prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos fundamentais”.
Por outras palavras, por exemplo, os parentes dos dois indivíduos que morreram, a 20 de Junho de 2014, em consequência de um ataque a uma coluna escoltada pelas FDS, dos quais uma cidadã que deixou um recém- nascido, no posto administrativo de Muxúnguè, em Sofala, podem exigir do Estado uma compensação. Segundo o nosso interlocutor, os lesados podem recorrer ao Ministério Público, órgão ao qual se incumbe, entre outras tarefa, a garantia da defesa jurídica daqueles a quem o Estado deva protecção e assegure os interesses sociais e individuais.
Para além de dezenas de cidadãos perecidos, o docente de uma das escolas do distrito de Machanga, em Sofala, que ficou ferido em resultado de uma embosca cuja autoria foi imputada à Renamo num confronto com as FDS, pode, também, exigir ressarcimento ao Estado que, de acordo com o número 02 do artigo acima referido, “é responsável pelos danos causados por actos ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de regresso nos termos da lei”.
“Há responsabilidade civil do Estado”, afirma Leopoldo de Amaral, quando questionado pela nossa Reportagem sobre se há ou não espaço para indemnização das vítimas da guerra em alusão.
Ele acrescentou que a Ordem dos Advogados pode, através do Instituto de Acesso à Justiça (IAJ), que presta assistência jurídica gratuita a pessoas economicamente desfavorecidas, pode assumir a causa das pessoas que, provavelmente, manifestem o interesse de intentar uma acção judicial contra o Estado no contexto a que nos referimos. Mas há outras instituições indicadas para a promoção do acesso justiça, tais como a Liga dos Direitos Humanos (LDH).
Aliás, a LDH já moveu, a favor de cidadãos que se julgavam injustiçados, vários processos contra o Estado, dos quais um relativo à morte de Hélio Muianga, de 11 anos de idade, a 01 de Setembro de 2010, durante uma manifestação popular na cidade e província de Maputo, vítima de uma bala disparada pela Polícia da República de Moçambique (PRM).
O Tribunal Administrativo considerou o Estado culpado e este foi forçado a pagar uma indemnização de 500 mil meticais à mãe da criança. O menor foi atingido por uma bala na cabeça quando regressava da escola. Ademais, na manifestação de 01 e 02 de Setembro daquele ano, dezenas de pessoas foram feridas e pelos menos 14 mortas.
A culpa morreu solteira, excepto no caso de Hélio! “Tenho fé de que se as vítimas abraçarem a causa terão sucesso”, disse-nos Leopoldo de Amaral, tendo acrescentado que os cidadãos na situação em causa podem também, se acharem conveniente, “constituir um advogado”.
No que tange à Lei de Amnistia, criada para restabelecer a confiança entre o Governo e a Renamo e promover a estabilidade política e a reconciliação no país, Leopoldo de Amaral disse que tal dispositivo legal suprimiu apenas a responsabilização criminal das partes, mas não a obrigação civil do Estado relativamente às vítimas.
Refira-se ainda que esta lei, aprovada pelo Parlamento no meio de muita pressão e por encomenda, é, efectivamente, paliativa, porque a estabilidade política e reconciliação não se materializam, pese embora as pessoas que beneficiam do mesmo, depois do seu envolvimento em combates, não sejam chamadas à responsabilidade.
O Executivo e a “Perdiz” continuam em diálogo político improdutivo, há mais de um mês. A tensão entre as partes prevalece, sendo um dos pomos da discórdia a introdução de “regiões autónomas” nas províncias onde o partido de Afonso Dhlakama reclama vitória nas últimas eleições gerais.
Inclusivamente, a Renamo ainda não entregou ao Governo as armas a que recorreu para desencadear o último conflito militar, o que faz com que se mantenha um partido político militarizado, facto que contraria o artigo 77 da Lei-Mãe, segundo a qual “é vedado aos partidos políticos preconizar ou recorrer à violência armada para alterar a ordem política e social do país”.