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Mortos profanados no cemitério de Lhanguene

Mortos profanados no cemitério de Lhanguene
Nunca será redundante abordar este tema – que pode parecer estereotipado aos olhos e mentes de muitos – por ser nesta casa que pelo menos se devia valorizar a vida, pois, como dizia o poeta, a vida é uma eterna comédia e a morte é que lhe vai emprestar seriedade. Mas as palavras sábias deste iluminado, por aquilo que nos é dado a assistir diariamente no cemitério de Lhanguene, na cidade de Maputo, são redondamente desvalorizadas. Aquilo que se passa naquela casa de veneração é, na verdade, uma profanação aos mortos.

Já se falou o bastante sobre a arena de passagem de modelos em que se transformou este espaço, chamando a atenção sobre o respeito que se deve dispensar à casa para onde todos nós iremos descansar de uma vez para sempre. Mas esse aviso, claramente, nunca foi acatado. Todos os dias – em particular aos fins-de-semana – muitas mulheres jovens (sobretudo estas) vão ao cemitério enterrar os seus mortos ou visitá-los, trajando roupas censuráveis. Naquele tempo, segundo Ernesto Matavele, sapateiro, “as mulheres moçambicanas usavam capulanas, em sinal de respeito, para irem às cerimónias fúnebres. Mas isso hoje não se verifica. O que assistimos é uma pura vergonha”.
 
Outro comportamento que nos põe com os ombros encolhidos é que, a par dessas jovens, agora já é moda vermos homens e mulheres de todas as idades, usando óculos escuros, para esconder os olhos que não saberemos se banhados de lágrimas, ou ensanguentados pelo álcool que se consome a potes nos dias anteriores às missas e a deposição de flores. Durante as rezas que se fazem nos enterros, ou na deposição de flores, é frequente reparar que nos semblantes dos participantes, não há nada que nos faça perceber que estamos numa cerimónia em que todo o respeito e vénia são convocados.
 
É fácil notar que os telemóveis estão em constante funcionamento, vezes sem conta com conversas que sugerem banalidades do tipo “epá, estou agora numa cena de funeral, daqui vou buscar a minha baby e vamos ao tchiling”. Quer dizer, parece não haver qualquer sentimento de respeito para com o morto e sobretudo para com os familiares que perderam um ente querido.
Energúmenos
O pior disto tudo é que aqueles que se concentram – e outros que vão lá para inglês ver – podem ser importunados por miúdos que chegam perto de nós e perguntam: tio não quer água? Tio tenho aqui flores! Estas coisas acontecem quando estamos a ouvir o padre, ou outro representante de Deus, consolando a família enlutada. E isso tudo irrita-nos. Revolta-nos.
 
Somos capazes de estar concentrados e, os coveiros, que esperam pelo seu trabalho de tapar a cova fatídica, estarem a conversar impacientemente, porque têm outro morto para enterrar. São mais de quarenta funerais que se realizam diariamente no cemitério de Lhanguene, o que obriga os coveiros a perderem alguma sensibilidade humana. Aliás, se os verdugos, que matam nas cadeias, já não sentem nada, porque é que um simples coveiro vai sentir a dor dos outros? Esta é a pergunta que se pode fazer, mas também se pode colocar a questão de outra forma: eles podem não sentir a dor dos outros, mas pelo menos devem respeitar a esses que sofrem pela morte de uma pessoa amada.
 
É isso: todo este desrespeito acontece num emaranhado de tumbas que já não nos dão espaço para circular dentro do cemitério. Os túmulos que não são conservados pelos familiares, desapareceram. Outros estão sumindo lentamente. As pessoas que encontram dificuldades para se movimentar dentro do cemitério, pisam as campas, passando por cima delas. Nos dias de maior afluxo, por vezes aparecem cruzes destruídas pelas pessoas que não encontram espaço suficiente para andarem. A tranquilidade é cada vez mais ameaçada.
Negócios
Também o cemitério já há muito se transformou num dumba-nengue. Primeiro era apenas cá fora, onde assistíamos (ainda assistimos) a procissão de colmans contendo, para além de refrigerantes e sumos, bebidas alcoólicas. Que alguns acompanhantes dos mortos vão consumir enquanto esperam pelo cortejo fúnebre que ainda não chegou. Outros ainda – que trazem a ressaca do dia anterior à missa e deposição de flores – vão visitar os colmans na primeira oportunidade. É um dumba-nengue antigo, muito bem conhecido por aqueles que acompanham a história do cemitério de Lhanguene. Mas está lá, fazendo parte do dia-a-dia do lugar que devia ser mantido sagrado. 
 
Mas este dumba-nengue agora passou para o interior do cemitério. Enquanto estamos a enterrar os mortos, há homens uniformizados com fardamento do cemitério, de todo descontraídos, sentados numa campa a contar notas de dinheiro. Um dinheiro que não pode ser da água que os miúdos vendem lá dentro, nem das flores, que também esses miúdos vendem. É dinheiro de verdade. Eles contam a vista de toda a gente. E isso vem reforçar a profanação dos mortos.
Drama
“No cemitério de Lhanguene, localizado na cidade de Maputo, município de Maputo, há falta de ordem, cada um faz e desfaz, não há chefe nem subordinado, se existe de facto algum chefe não se faz sentir, razão pela qual os ditos coveiros só fazem o seu trabalho quando subornados pelas famílias enlutadas.
 
No meu entender e segundo o dicionário da língua portuguesa, coveiro significa indivíduo que abre as covas no cemitério e dá sepultura aos cadáveres, mas o que tem vindo a acontecer naquele cemitério é que vemos indivíduos que vestem o uniforme de coveiros e quando solicitados para sepultar alguém dizem não serem coveiros, outros dizem que não foram eles que abriram a cova e alguns ainda negam e emprestam a pá a quem os solicita para sepultar o seu ente querido, esta é uma realidade que vivi aquando do funeral de um vizinho meu, no passado dia treze de Janeiro.
 
Na verdade eram cerca de três famílias que já haviam terminado de realizar as orações e ficaram tanto tempo à espera daqueles homens cuja função é sepultar cadáveres. De facto, os homens lá estavam presentes mas recusavam realizar os enterros porque estavam a fazer biscates, o que eles chamam de ´pedidos´.
Depois de tantas voltas com cada justificação de coveiros, juntei-me a outras pessoas que tinham o mesmo interesse e assim formámos um grupo e dirigimo-nos aos escritórios, onde nos indicaram um fiscal de nome Manuel que foi ver a situação no terreno. Indicou alguns coveiros para realizarem os trabalhos, embora se tenham mostrado resistentes à palavra do seu chefe. Já que chefe é chefe, prestaram o serviço, todavia, de tal forma mau, que aos coveiros foram arrancados as pás e os jovens que por lá estavam fizeram o trabalho.
 
Julgo que precisamos de reflectir sobre quem, de facto, quer exercer esta tarefa de coveiro. Porquê a existência de pedidos se eles são pagos pelo trabalho que fazem? Não se trata de nenhum favor, mas sim de um direito a este serviço. Chega de subornos e lutemos contra a corrupção em Moçambique.” 
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