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Escassez de anti-retrovirais afecta tratamento do VIH em Moçambique

Escassez de anti-retrovirais afecta tratamento do VIH em Moçambique

A escassez crónica de medicamentos anti-retrovirais em Moçambique está a pôr em perigo a saúde e a vida de dezenas de milhares de pessoas seropositivas que beneficiam de cuidados. Cerca de 454.000 pessoas recebem o tratamento Anti-Retroviral (ARV), ou quase um terço dos 1.6 milhões de moçambicanos que viviam com o VIH em 2013, de acordo com as estatísticas governamentais.

“Os nossos pacientes queixam-se de que não estão a receber a dosagem completa de medicamentos,” conta Judite de Jesus Mutote, presidente da Hi Xikanwe (“Estamos Juntos,” na língua changane), grupo que ajuda as pessoas que recebem o tratamento anti-retroviral em Moçambique. Esta é a última de uma série de três partes sobre as mulheres e a Opção B+ em África. Para que os medicamentos anit-retrovirais sejam eficazes, os comprimidos devem ser tomados todos os dias à mesma hora.

A interrupção do tratamento tem graves consequências para a saúde. “Interromper o tratamento aumenta a carga viral, causa infecções oportunistas e cria resistência ao medicamento, pelo que o paciente passa a necessitar de medicamentos cada vez mais fortes e mais dispendiosos, que por vezes o país não tem,” disse à IPS José Enrique Zelaya, director do Programa Conjunto das Nações Unidas para o VIH/SIDA (ONUSIDA) em Moçambique. A falta de medicamentos essenciais acontece de vez em quando em Moçambique, mas os últimos seis meses foram particularmente críticos no tocante ao abastecimento de medicamentos anti-retrovirais.

As notícias na Imprensa em todo o país, especialmente nas províncias do centro e do norte, indicam que as pessoas vão várias vezes à clínica, despendendo tempo e dinheiro, mas acabam por regressar de mãos vazias ou com medicamentos apenas para duas semanas em vez de um mês, ou pagam subornos ao pessoal da clínica para receber os medicamentos. Os pacientes nas zonas rurais são os mais afectados.

“Nas zonas rurais, as distâncias entre as clínicas de Saúde e as casas dos pacientes são enormes, e as estradas problemáticas,” confirma Zelaya. Na província central de Sofala, os ataques efectuados por um grupo rebelde armado cortaram a estrada principal, obrigando as pessoas envolvidas no tráfego comercial a organizar comboios de camiões sob escolta militar, o que perturba ainda mais o fornecimento de bens essenciais como medicamentos.

Mas mesmo Maputo não tem sido poupada à falta de medicamentos anti-retrovirais, como confirmam os membros do Hi Xikanwe. Alguns pacientes acabam por comprar os medicamentos a preços elevados nos mercados informais, sem garantia de qualidade. Muitos suspeitam de que os medicamentos anti-retrovirais das clínicas governamentais acabam por ser vendidos em locais impróprios.

Salmira Ngoni*, mãe seropositiva de 26 anos, enfrentou um abastecimento irregular durante meses na clínica de Ndlavela, na cidade da Matola, 20 quilómetros a norte de Maputo. Em Dezembro, subornou um farmacêutico que lhe vendeu 15 comprimidos anti-retrovirais sem receita médica por 10 dólares. Em Janeiro, uma frustrada Ngoni tomou outra medida drástica: abandonou a clínica governamental e registou-se no programa DREAM para pessoas seropositivas, dirigido pela Comunidade Católica de Sant’Egídio.

A referida instituição não tem sentido qualquer escassez de medicamentos anti-retrovirais. O abastecimento irregular de medicamentos não é novo em Moçambique. “Basicamente, o problema reside no mau planeamento do Ministério da Saúde e no processo de distribuição segundo as necessidades,” explica Zelaya.

Mutote concorda: “Dizem-nos que os medicamentos estão guardados no armazém do Ministério da Saúde (MISAU), mas que o problema é a distribuição. Têm falta de meios para os transportarem para as clínicas de saúde.”

O MISAU apresenta os seguintes dados relativos a contaminações, à prevalência e às faixas etárias infectadas. Um relatório de 2010 da Organização Mundial da Saúde (OMS) refere os desafios logísticos de Moçambique “na aquisição, distribuição e armazenamento de medicamentos e produtos médicos. A má infra-estrutura pode causar atrasos e danificar a qualidade dos medicamentos, sobretudo por causa da exposição ao calor.”

De acordo com a OMS, o défice de pessoal de Saúde no país afecta “o uso racional de medicamentos devido à capacidade limitada na prescrição de medicamentos a nível clínico e na sua distribuição a nível farmacêutico.” Segundo o relatório, Moçambique tinha 5.6 profissionais farmacêuticos por cada 100.000 pessoas em 2010, um dos níveis mais baixos em países pobres.

Sinais de alarme

A escassez de medicamentos aumenta e diminui, mas a crescente frequência destas faltas causa alarme nos doadores estrangeiros, que contribuem com uma grande fatia para o orçamento da Saúde para a área da SIDA. Em Abril, numa conferência de imprensa, o embaixador holandês, Frederique de Man, o ponto focal dos Parceiros de Cooperação para a Saúde, apontou “a necessidade de o público comprar os medicamentos junto de vendedores informais devido ao facto de as unidades de Saúde frequentemente deixarem acabar os stocks de medicamentos ou receberem medicamentos cujos prazos de validade já foram ultrapassados.”

De Man instou o Ministério da Saúde para que ouvisse os protestos das pessoas e das organizações não-governamentais (ONG) e para que melhorasse a cadeia de abastecimento de medicamentos. Preocupantemente, a escassez de medicamentos anti-retrovirais coloca em causa o plano de Moçambique no sentido de aumentar a Opção B+, a de tratamento recomendada pela OMS para mães seropositivas.

A Opção B+ refere-se à prestação da terapia anti-retroviral ao longo da vida para as grávidas, independentemente da contagem das células CD4. Em 2013, cerca de 85.000 grávidas seropositivas receberam os medicamentos anti-retrovirais para impedir a transmissão do vírus aos seus bebés. Destas, metade ficou inscrita na Opção B+. Isto quer dizer que devem receber 30 comprimidos por mês para o resto da vida.

“É crucial manter estas mulheres em tratamento mas isso não é fácil devido às grandes distâncias entre as clínicas e as comunidades,” explicou Guillermo Marquez, especialista em VIH junto do Fundo das Nações Unidas para a Infância em Maputo. Com a ocorrência de 56.000 novas infecções nas mulheres em 2012, a necessidade do tratamento anti-retroviral vai continuar a aumentar.

Em relação às crianças, houve 12.600 novas infecções em 2013, de acordo com as estatísticas governamentais – uma melhoria em relação ao número de 14.000 novas infecções no ano anterior. Moçambique quer reduzir o número de infecções pelo VIH nas crianças para menos de cinco porcento em 2015. Mas Zelaya duvida que seja possível atingir este objectivo a tempo. “Para o conseguir, os medicamentos têm de ser disponibilizados, de outro modo será impossível.”

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