Na multiplicação de novos talentos pelo nosso país, na sua maioria os que se dedicam às actividades artísticoculturais, perspectivam-se novas vivências que se distanciam das guerras, esse pavor que se vive no país. À semelhança de outros artistas cujo dom molda os seus sentimentos, o poeta moçambicano, Japone Arijuane, publicou, recentemente em Maputo, a sua primeira obra poética com o título “Dentro da pedra ou a metamorfose do silêncio”.
“Dentro da pedra ou a metamorfose do silêncio” é um objecto suficientemente estranho para provocar reacções desencontradas. Há um efeito metafórico mais radical do que se espera: O dentro, a pedra e o silêncio. “Se fosse minha/ a ousadia dos deuses / erguia um universo / nas palmas do vento”. De tal que seja “Um / universo de silêncio / metamorfoseado / em pedra”.
É, igualmente, nesses poemas cuja força parece residir num exasperado e despido confessionalismo que – “quando / escrevo um poema / tento compreender- me à vida” – o autor se compara à pedra pelo seu silêncio profundo, pela história que guarda, mas também por um efeito de estranheza que é paradoxalmente acompanhado pela sua característica. Trata-se de poemas perante os quais não se pode imaginar mais ninguém a escrever ao mesmo tempo que nunca estamos preparados para desvendar o seu segredo. O sigilo dessa pedra silenciosa.
De acordo a escritora portuguesa, Fernanda Angius, com este livro, “Japone Arijuane anuncia uma poesia moçambicana moderna marcada pela recusa da guerra e pelo apelo à luta pela liberdade e paz, pelo desejo de partilha solidária e cuja identidade já não sofre dúvidas”. Assim, no contexto do seu inconformismo e da preocupação de se desvendar, no texto 45, o poeta exterioriza o seu apreço pela liberdade: “Ao Nhambaro*/ da minha poesia / só os surdos / ancorados / à sombra do silêncio / saberão dançar” e mesmo “no ritmo quente do Junho / saberão sonhar”.
Partindo desse excerto, a crítica literária Luana Antunes visualiza no autor do livro “Dentro da Pedra ou a metamorfose de silêncio” um poeta que “cantou o batuque da pedra no meio do caminho. Ensinou-me, quando menina, que a pedra é o brilho da vida, que a pedra é o que é, um acontecimento”, realçando que esta obra, em particular, o instigou a compreender que “há coragem e engenho nos gestos do poeta, que há beleza resistindo à beira de todas as estradas do mundo e do ser”.
O presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora, Delmar Maia Gonçalves, que também é poeta, afirma no posfácio do livro o seguinte: “Se é correcto dizer que qualquer obra de arte é de uma profunda e infinita solidão, também o é afirmar-se que se o homem olhar para bem dentro de si, adquirirá a consciência da sua magnífica solidão que embora o isole, o singulariza, não o separando, todavia, do resto da existência. Claramente há no Eu-Poético indeléveis marcas de uma radical solidão interior carregada de vontades ‘Não tenho senão / essa vontade /de me reinventar em palavras’”.
Por sua vez, o autor do prefácio da obra de Arijuane, o escritor português António Cabrita, considera que a poesia “é uma belíssima ‘ficção’ para sair de si e ser-se colocado no lugar de outro, abrindo-nos a comunhão de uma dor partilhada.
Porque o poeta, invertendo, subtraindo-se ao espelho das identidades, e, antes, um ser em extrema porosidade por onde transita um feixe de energias, a modulação do mundo em nós – revestido pela palavra que nos foi emprestada”. É, portanto, num mundo de desejos, embora inexplicáveis, em que Japone se encontra: “Há / em mim / um desejo / de uma pedra / se tornar gente. / Para que em silêncio / se torne pedra.”
Sobre Japone Arijuane
Do seu nome oficial Japone Matias Lourdel Caetano Agostinho, o autor nasceu a 29 de Maio de 1987, no distrito da Maganja da Costa, na província da Zambézia. Aos quatro anos de idade passa a viver na cidade de Quelimane. Actualmente reside em Maputo. Segundo Japone, a sua relação com a literatura começou a partir do seu amor pela música.
Deste exercício de produzir rimas nas composições musicais. “Nasci numa família em que, felizmente, o meu pai era professor. Na altura não apreciava a leitura, mas, curiosamente, como na minha casa havia um dicionário da língua portuguesa, consultava-o sempre que fazia composições musicais e, de vez em quando, para impressionar as meninas da zona”.
Arijuane é membro fundador do Movimento Literário Kuphaluxa e coordena vários projectos ligados à literatura em Moçambique. Para além de poeta, é prosador, ensaísta e rapper.
*Ritmo e dança da província da Zambézia