Quem sou eu, modesto “escrevinhador” de crónicas desportivas, para questionar o longo e meritório trabalho que Dom Dinis Sengulane fez – e ainda faz – em prol do povo de Moçambique? Porém, não se trata de querer beliscar toda a obra conhecida e reconhecida, de um bispo trabalhador, humilde e engajado, sobretudo em causas que envolvam desfavorecidos
Ao abordar este sensível assunto, que coloco em título, tenho a plena consciência de que me posso estar a meter num “vespeiro”. Mas é, sinceramente, pela admiração que sempre nutri por D. Dinis Sengulane, que me senti impelido a não guardar só para mim este sentimento. Por algumas outras figuras da praça, certamente que me remeteria ao silêncio.
Ostentação em tempo de tragédia
Dito isto, que fique claro que não é nem a figura nem a obra do bispo que está em causa, mas simplesmente (?) a cerimónia faustosa da sua despedida, que ouso questionar.
Isto porque sempre tentei cultivar a discrição junto dos que me rodeiam, algo que se fica bem a qualquer um, melhor ainda em líderes religiosos, cuja missão é precisamente ajudar-nos a ser solidários e simples, em todos os actos da nossa vida. Daí que me seja difícil explicar o sentimento que experimentei, ao ver pela TV todo o aparato que rodeou o cerimonial que assinalou a reforma de D. Dinis Sengulane. Para lá da beleza que caracterizou o evento, os cânticos de fé, a coreografia e tudo o mais, algo na minha mente ficou a badalar.
Numa altura em que milhares de compatriotas se confrontam com agressões climatéricas que provocam refugiados em série, situação a que se junta à tensão político-militar que se vive no País, para a qual o bispo é mediador, pareceu-me inoportuno e desajustado todo aquele cerimonial por parte de um homem que apregoa a poupança, a modéstia e outros valores.
É claro que me dirão que a factura, seja ela qual for, não foi paga pelo meu bolso. Talvez tenha vindo dos crentes da igreja, alguns deles endinheirados, que acharam ser esta a melhor forma de o homenagear. Mas o meu sentimento é o de que, pelo exemplo que passa a constituir e pelo que todos aqueles milhares de meticais poderiam representar se transformados em tendas e víveres de que os deslocados tanto necessitam, essa acção aliviaria (ou salvaria?) muitos compatriotas.
A CVM agradeceria e encaminharia e todo o povo guardaria um profundo sentimento de reconhecimento. Assim, a despedida simbolizaria a saída por uma porta bem grande, nos corações de todos nós, crentes e não crentes.
Exemplo para quem?
Mas D. Dinis fez – ou aceitou que se fizesse – uma opção com a qual discordo. Sobretudo – mas não só – pelo momento. Quis deixar na retina do país um adeus que não me atrevo a considerar “show- -off”, mas que não esteve longe disse.
Daí a minha modesta pergunta: aquele exemplo de despedida é para ser seguido quando se termina uma carreira – maior ou menor, religiosa ou não – ao serviço da sociedade e do povo? Um pavilhão do Maxaquene luxuosamente engalanado, música, gente trajada com vestes caríssimas, mensagens e tudo o mais, para uma cerimónia de quem diz que se está a reformar, convenhamos, é um exagero. Sobretudo porque o próprio bispo refere que não é o ponto final da sua nobre missão de servir os desfavorecidos.
Sei que o Bispo Sengulane já se havia despedido na sua terra natal o que me pareceu um sinal suficiente. E se nenhuma reforma deve ser o fim, então porquê e para quê tanto aparato, com os órgãos de Informação a abrirem os noticiários, subalternizando cheias, acidentes, deslocados, acordos e desacordos no Centro de Conferências Joaquim Chissano?
Os fanáticos religiosos irão (re)buscar várias explicações. Eu, seguramente, não me conseguirei rever em nenhuma delas. E pela forma como sinto que devem ser as relações entre os homens na terra, atrevo-me a dizer que DEUS, também NÃO SE DEVE rever.
Renato Caldeira