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É preciso desentupir os canais de acesso à informação na Justiça

A Associação Moçambicana de Jornalismo Judiciário defendeu, esta terça-feira (28), em Maputo, a pertinência de o Estado moçambicano garantir o acesso à informação na Justiça de modo a alterar o actual cenário em que a mesma está envolta num exacerbado secretismo em prejuízo dos cidadãos.

Essa posição foi defendida durante um seminário sobre o “Acesso à Informação na Justiça”, no qual a AMJJ juntou a sua voz aos que de forma recorrente têm apelado para que as instituições públicas, no geral, e a administração da Justiça, em particular, sejam abertas na disponibilização da informação aos cidadãos, uma vez que este é um direito que lhes assiste.

O director executivo da agremiação, Armando Nenane, recorda que é da responsabilidade do Estado garantir o acesso à informação e que, sendo a administração da Justiça uma das vertentes de actuação daquele, ela deve assumir a sua responsabilidade de promovê-lo, tendo em conta que esta é a regra e o sigilo a excepção.

O interlocutor sugere na sua explanação que a informação é, neste momento, de tal forma escassa que “os próprios actores da Justiça poderão não ter mais do que quatro porcento de informação relativa às actividades desenvolvidas pelos órgãos de administração da Justiça”.

Matérias actuais sobre os processos em curso, nomeadamente a sua instauração, acusação, julgamento, sentença e outras decisões judiciais são remetidas ao chamado “segredo da justiça”, o que em nada contribui para que a justiça seja verdadeira e justa. “No contexto actual, os jornalistas cobrem a justiça, cada um à sua maneira e até onde podem. Claramente que o acesso à informação na Justiça está longe de superar as expectativas”, disse. Alterar a situação descrita acima, em parte, passa pela promoção da especialização de jornalistas na área.

É que, segundo entende Nenane, a especialização de profissionais de comunicação na cobertura de assuntos de justiça é um grande desafio se se tiver em consideração que a maior parte dos órgãso de informação no país funcionam com um número reduzido de repórteres devido à limitação de recursos. Para dar a dimensão mais ou menos real do quão é escassa a divulgação de informação sobre a Justiça, a fonte avança que na jurisdição criminal de nível provincial chegam a ser acusados cerca de 3.800 processos por ano, o correspondente a uma média de nove por dia.

Mesmo assim, os cidadãos não acedem a pelo menos cinco notícias por mês relativas aos processos criminais. “Os cidadãos não podem ter acesso à informação somente quando se trata do Informe Anual do Procurador-Geral da República ou então quando se trata do discurso do Juiz Presidente da Tribunal Supremo na abertura do ano judicial”, assevera Nenane, que acrescenta que as conferências de Imprensa mensais do Gabinete Central de Combate à Corrupção estão aquém das expectativas, dado que representam um agregado de processos ao longo do mês, não promovendo, deste modo, o acesso à informação em tempo útil.

O secretismo também prejudica a Justiça

Para Armando Nenane, o conservadorismo das entidades ligadas à Justiça em assuntos inerentes à divulgação da informação é tão prejudicial para o cidadão tal como o é para a própria administração da Justiça. É que com esta prática, segundo argumenta, muitas das decisões judiciais podem não ter o seu verdadeiro alcance enquanto as mesmas não forem publicitadas como notícias.

E mais ainda, tais decisões, sejam as que condenam indivíduos por comportamentos desviantes ou não, têm efeito dissuasor, a fim de que outros não enveredem pelas mesmas práticas. No entanto, esse efeito não poderá ser alcançado enquanto a sua publicitação for de nível zero. Nenane recorda que “a pesquisa de base sobre governação e corporação, encomendada pelo Governo em 2003 mostra que os cidadãos confiam mais nas igrejas e na

Imprensa do que nas instituições do Estado, incluindo a Polícia, as procuradorias e os tribunais, o que estará claramente associado às deficiências de comunicação do próprio sistema de justiça moçambicano”.

O problema está na consciência dos funcionários

Por sua vez, o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), Custódio Duma, um dos oradores do seminário, entende que a par do carácter conservador das instituições moçambicanas da Justiça, um dos grandes “calcanhares de Aquiles” nessa matéria é a mentalidade dos funcionários públicos que têm o dever de fornecer informações. Eles mentalizaram que a informação não deve ser partilhada e, por via disso, ignoram o facto de que a mesma pode ser de interesse público.

Duma diz que o acesso à informação é um direito fundamental na construção de um Estado de Direito porque permite que os cidadãos participem activamente na vida do país. Assim, e tendo em conta a importância da informação para a construção de uma consciência cidadã, Duma aponta para a necessidade de se combater a ocultação.

Durante o evento, o presidente da Comissão Nacional dos Direitos Humanos levantou uma questão sobre o papel da Lei de Direito à Informação, ora na Assembleia da República há quase uma década. Sobre essa matéria, os participantes concordaram que ela é pertinente, embora assumam de antemão que a sua existência, por si só, não poderá modificar a situação actual.

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