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Discursos que aprovam. Actos que reprovam!

Discursos que aprovam. Actos que reprovam!

Conversamos com o moçambicano Aniceto Banze – ou simplesmente Tchalata, formado em Psicologia Infantil – a fim de perceber a importância das actividades lúdicas, recreativas e artísticas para a socialização e a formação da personalidade humana a partir da infância. Este homem, que dirige a Oficina de Artes Tchalata e Amiguinhos, na FEIMA, tem o sonho de criar uma escola de artes infantis no país. Trata-se de um projecto oralmente aprovado por muitos, porém materialmente rejeitado por todos. Embora este seja um assunto importante, o que é preocupante é que a onda de raptos e sequestros de pessoas – sobretudo de crianças em Maputo – desequilibrou a sua iniciativa: “Receosos, os pais preferem ‘engaiolar’ os filhotes divertindo-os com qualquer artefacto tecnológico”.

Desde que a sua paixão pela criançada se tornou manifesta – Aniceto Banze candidatou-se, mesmo sem saber, a experimentar a falsidade dos discursos e a verdade dos actos humanos. O tema não está muito desenvolvido, mas, se analisado com perícia, podem-se encontrar inúmeros argumentos para a tese “Discursos que aprovam. Actos que reprovam”. Aniceto é formado, pela Escola Nacional de Artes Visuais, na área de Design Gráfico. No entanto, contrariamente à expectativa da maioria dos seus familiares, este artista nunca quis trabalhar no referido sector.

Os motivos podem ser inferidos a partir do que diz a respeito da sua relação com a pequenada. Muito antes de se formar em Psicologia Infantil, na Universidade Pedagógica, Tchalata inicialmente trabalhou com as crianças a partir do artista plástico – já perecido – Malangatana, no bairro do Aeroporto. Por essa razão, possui um curriculo bem recheado de feitos no sector. O drama é que o reconhecimento do papel vital da área em que actua, até por parte de gente amiga, é quase inexistente.

“Quando terminei o nível médio, porque estudei Design Gráfico, a minha família esperava que eu trabalhasse numa agência de especialidade. Mas essa área não me dava prazer. Sentia-me realizado em ambientes onde houvesse crianças a brincar – o problema é que isso não me possibilitava ter dinheiro para arcar com as despesas básicas. Com a excepção do meu pai, a minha família não me compreendia”, refere o artista.

As pessoas, diz Tchalata, só ganharam consciência da importância do trabalho com a infância quando o professor conquistou um prémio, em 2008, nessa área. Presentemente, com uma iniciativa própria – a Oficina de Artes Tchalata e Amiguinhos, criada em 2010 – Aniceto já trabalhou com o mestre Malanganta, com o Colégio Nyamunda incluindo o Instituto Nilia.

Na sua carreira que se alonga com o tempo, a experiência de 2009 – quando trabalhava no Colégio Nyamunda – marca-o pelas razões seguintes: “Os nossos eventos mexeram com toda a cidade de Maputo, na medida em que além de realizá-las em escolas passámos a visitar galerias de arte e centros orfanatos a fim de torná-las cada vez mais inclusivas. Os pais de algumas crianças de famílias socialmente estáveis, por exemplo, pagavam as propinas suportando os encargos das que não podiam”. Foi em reconhecimento da relevância social que o seu trabalho possui que o Conselho Municipal de Maputo acabou por lhe conceder um espaço na Feira de Flores e Gastronomia de Maputo (FEIMA).

Investir nas crianças

Através da sua Oficina de Artes Tchalata e Amiguinhos, Aniceto Banze e os seus colaboradores ministram aulas que têm a ver com a pintura, a reciclagem, a cerâmica e jogos diversos como, por exemplo, o xadrez, a tchuva, a muravarava, a mathakuzana, a mbata, a neca entre outros sugeridos pelas próprias crianças.

“Trata-se, no final, de um espaço lúdico no qual nós seguimos os passos dos petizes”. Segundo o professor, o abandono do projecto ao espaço restrito da sala de aulas foi uma decisão estratégica porque “as crianças sentiam-se dentro da escola. E, por causa disso, as pessoas receavam inscrever-se para participar nas oficinas. Privilegiamos a realização das nossas actividades em espaços abertos a fim de que as pessoas se apropriem do trabalho colectivo e inclusivo que realizamos”. Embora a ideia de se abandonar os espaços fechados a favor dos abertos tenha sido bem fundamentada, em contra-senso, em tal contexto de liberdade que se procurava a fim de favorecer a criatividade, em 2013, quando a onda de sequestros se fortaleceu, ameaçou-se o desenvolvimento da iniciativa desse empreendedor social.

“Se já tivemos, em 2011, mais de 60 crianças, 10 monitores a trabalhar com elas e alguns voluntários que vinham – da Universidade Pedagógica e de outros países – participar e estagiar nas nossas oficinas de arte, agora o número reduziu drasticamente de tal sorte que só temos 10 crianças”, afirma Tchalata que lamenta o facto de que “os pais ainda estão com receio em relação à segurança dos seus filhos. Preferem deixá-los, em espaços fechados, a brincar com computadores e outros materiais electrónicos”.

Quando um homem decide investir em áreas pouco exploradas significa que ele tem alguma motivação e razão. Que motivação é essa? E porque se deve apostar na formação artística das pessoas desde tenra idade? A verdade é que antes das duas formações que possui – Design Gráfico e Psicologia Infantil – Aniceto já trabalhava com crianças. De todos os modos, o segundo curso esclareceu-o sobre as necessidades dos petizes. Nascia, a par disso, um novo desafio: “Como ajudá-las a desenvolver as suas fantasias e emoções, sem impor regras, respeitando as diferenças e o ritmo de cada criança?” Desengane-se, então, quem pensa que tal processo foi fácil.

Inicialmente, Tchalata aborrecia-se porque, nos primeiros anos, enquanto ministrava as aulas, também ocupava um determinado espaço do pátio a fim de desenvolver as suas actividades. “Mas os meninos rabiscavam nos meus esboços. Naturalmente, aceitei aqueles traços de tal sorte que, nos dias actuais, pinto como se tivesse cinco anos de idade”. Além do mais “comecei a perceber que o que elas fazem não é um simples traço. Naquelas garatujas, as crianças começam a completar a figura humana e a desenvolver a multiplicidade. A forma como elas manuseiam o barro influencia o seu aprendizado na contagem e na escrita”.

Para responder à segunda pergunta – usando as palavras de Tchalata – diríamos o seguinte: “As crianças só escolhem aquilo que já experimentaram. Nesse sentido, se nós lhes dermos a possibilidade de experimentar várias áreas de actividade – elas é que sairão a ganhar porque terão alguma segurança em relação àquilo que gostariam de ser no futuro”. O que se pretende explicar é que se ensinarmos as crianças a explorar os seus talentos, elas podem desenvolver uma área com alguma maturidade, porque têm as bases desde pequeno. Ou seja, as pessoas só podem ter grandes possibilidades de escolher se tiverem praticado a dança, a música, as artes plásticas, o teatro, os jogos entre outras áreas porque é no seio desse conjunto que se compreende que área a criança tem algum pendor.

Experiências cujos impactos têm a ver com a falta de qualidade, o stress, a pouca compreensão e a consequente falta de profissionalismo são comuns na nossa sociedade. Tchalata fala sobre a sua: “Tive colegas, na universidade, que me diziam que se estavam a formar nas suas áreas mas não sabiam o que gostariam de fazer. Essas pessoas não tiveram bases, no passado, por isso estudaram para ter um certificado que lhe garante alguma progressão de carreira. Por exemplo, alguns estudavam Psicologia Infantil e trabalhavam em instituições bancárias”.

A incoerência

De facto, é a isso o que o título da nossa matéria nos remete – posturas de gente incoerente. Dizem uma coisa e fazem outra. Felizmente, ainda há gente que contraria a tendência: “Trabalho para que a criança se descubra, colocando-lhe desafios no sentido de se potenciar o seu talento. O drama é que são poucas as pessoas que se aproximam de nós a fim de apoiarem a nossa iniciativa”.

De uma ou de outra forma, “em termos de educação e espaços lúdicos há muito que se fazer no país porque as pessoas ainda não conhecem, não querem conhecer e, por isso, não a valorizam. Esta iniciativa da criação de uma oficina de artes e jogos é uma luta que travo desde 2006 sem sucesso”.

Diz-nos Aniceto Banze que “gostaríamos de criar a Escola de Arte Infantil Tchalata e Amiguinhos. Esse é o nosso desafio. No entanto, apesar de as pessoas – a quem solicitámos o financiamento – gostarem da ideia, ninguém apoia a sua materialização”. Nesse sentido, enquanto as condições não se criarem para a materialização desse desiderato, nada mais resta a Tchalata que dar continuidade às suas oficinas de artes infantis no espaço FEIMA.

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