– Lembras-te daqueles bancos?
– Absolutamente!
– Aonde é que foram?
– Perguntas a mim? Ora bolas!
Estamos sentados na esplanada do Bisturi-Pescador, na cidade de Inhambane – eu e o meu amigo Lidambo – contemplando o mar que está aqui perto e assistindo ao espectáculo das pessoas acabadas de ser despejadas dos barcos que fazem o inacabável vaivém Inhambane-Maxixe. Já bebemos um litro de sumo “Ceres”, supostamente “100 por cento”, e o que nos mantém sentados é o “papo” e o mar e os sonhos que ainda vamos construindo.
– Mas que raio de empresa fez a reabilitação desta treta?
– Não conheço o nome, o que te posso dizer é que a responsabilidade esteve nos “ombros” de uma empresa portuguesa.
– Não são chineses?
– São “tugas”.
– Estamos lixados com esses gajos.
A nossa conversa não tem o suporte de um tema específico. Ela vai fluindo com base em perguntas, como se nos estivéssemos a entrevistar um ao outro.
– Mas lembras-te que havia bancos nesta ponte construídos para as pessoas se sentarem e relaxar?
– Eu vi esses bancos antes de tu nasceres, Lidambo, e sentei-me muitas vezes, a propósito e a despropósito.
– Mas como é que chega aqui o raio de um “tuga” e saca aquela cena?
– A culpa não é dele sozinho.
– Pois é!
Lidambo fala enquanto folheia o jornal @Verdade que lhe ofereci. Repousa no chão a pasta cheia de livros da faculdade onde se encontra a estudar no último ano e parece-me predisposto a manter-se ali por mais algum tempo.
– Ouve cá, não vamos beber uma cerveja?
– Eu não bebo.
– Acho que eu também vou deixar de beber. Bebida é uma merda.
– Farias muito bem se deixasses. Resistiu à tentação do álcool e, no lugar da cerveja, pediu um litro de água.
– Sabes, ó Lidambo, a saúde agradece muito com o consumo da água.
– Vai-te lixar.
– Mas voltemos à história da ponte. Não foi no tempo do Zucula que o empreendimento foi reabilitado?
– O Zucula disse a toda gente que faltava a cobertura no local do embarque, para proteger os passageiros, mas até hoje ainda não vimos nem cobertura, nem raio que o parta. E os “tugas mamaram a mola.
– Pois é. E, pior do que isso, o local do embarque está a ruir em apenas cinco anos de uso.
– Eu repito, a culpa não é do construtor sozinho. Esses gajos mamam juntos. Infelizmente temos muitos casos de má qualidade das obras em todo o país. O caso mais recente é o da “Julius Nyerere”, em Maputo. Por coincidência também é um “tuga. Mas sabes, Alexandre, enquanto por detrás de um grande homem há uma grande mulher, em Moçambique, por detrás de um mafioso estrangeiro, há um mafioso moçambicano.
Rimo-nos os dois, com revolta, enquanto empurrávamos, goela abaixo, a água que nos vai hidratar o “esqueleto”.
– Lidambo, acho que já podemos ir embora.
– E quem vai carregar essa porcaria da garrafa?
– Eu levo, não te preocupes.
Levantámo-nos, virámos pela última vez os nossos olhares para a ponte, sem os bancos, com o local do embarque a ruir e à espera da cobertura anunciada por Paulo Zucula, o ex-ministro dos Transportes e Comunicações.