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Areia: negócio proibido?

Areia: negócio proibido?

Se nos primórdios da humanidade a terra era uma dádiva de Deus, hoje a realidade é completamente diferente, pois, para além da ‘transacção’ ilegal de terrenos, actualmente a venda da areia virou fonte de renda e sustento de muitas famílias da capital do país e arredores. Veja com detalhe a rota que este produto toma desde a ‘mina’, passando pela ‘industrialização’ até ao estômago de milhares de consumidores.

Tudo começa no distrito nortenho de Marracuene, na província de Maputo a aproximadamente 35 quilómetros da urbe com o mesmo nome, ou a cinco da sede distrital, local onde se localizam os ‘jazigos’ deste afamado produto. Leonor Damião Sumbana, 33 anos de idade, mãe de 3 filhos, residente no bairro do Benfica, vendedora de areia no mercado grossista do Zimpeto, considera-se viúva devido às circunstâncias que a rodeiam, pois, conforme contou à nossa Reportagem, cuida sozinha dos seus petizes com base na venda de areia e outros produtos de baixo rendimento desde que o seu esposo decidiu abandonar a casa, deixando-a grávida da sua última filha para viver com outra mulher no distrito de Boane.
Leonor refere que o facto de possuir uma criança de apenas nove meses já não lhe permite deslocar-se à ‘mina’. A razão está relacionada com a precaridade das vias de acesso. E acrescenta: “Como tenho uma criança não posso conseguir fugir dos polícias, umas vezes, e outras, dos proprietários”.
Contudo, Leonor confessa que diariamente recebe aquele produto das suas companheiras de quatro anos de batalha naquele pequeno negócio. “Todos os dias estou aqui no Zimpeto, compro areia nas minhas colegas, como tenho bebé não dá para ir até à fonte primária, o acesso ao local é muito difícil e opto por ficar à espera que elas me tragam”, reitera.
Leonor Sumbana compra cinco quilogramas de areia/dia ao preço de 20 meticais cada, investindo, para o efeito, 100 meticais que geram pouco mais de 40 por cada quilo e arrecada no final da jornada 200 meticais. Feitas as contas, Leonor lucra 100 meticais já que não despende no transporte do produto. No entender da inquirida, o lucro é mais do que suficiente para levar comida à boca dos seus. Aliás, Leonor faz outros biscates que lhe engordam a renda: “Eu não vendo apenas areia como estás a ver”, refere enquanto aponta para um punhado de pimentas, batata, cebola e cenoura estendido no chão.
No entanto, Leonor confessa que “o pouco que ganho neste negócio só tenho de agradecer já que o único risco que corro é o de a Polícia Municipal despejar o meu produto”.
Leonor e outras mulheres interpeladas pela nossa Reportagem referiram que no passado os clientes eram maioritariamente mulheres grávidas, mas ao longo dos tempos a areia tornou-se comercializável para todas as faixas etárias.
Leonor não sabe ao certo quais os perigos que o consumo daquele produto pode trazer para a saúde, embora na alma lhe vá algo. A respeito afirma: “Tenho pena das miúdas que imitam as mães, ignoram os malefícios que o produto pode trazer no futuro”, vaticina. Quando indagada pela nossa Reportagem sobre o porquê da venda de produtos que reconhece serem nefastos ao organismo, Leonor respondeu com um sorriso com sabor amargo e retorquiu: “Que fazer? Morrer à fome com os miúdos? Eu já disse que eles não têm pai”, como que a dizer que a fome é maior do que a moral.

Afinal, qual é a verdadeira rota da areia?

Tudo começa numa montanha a norte da vila de Marracuene, uma montanha diferente de tantas outras espalhadas pelo nosso vasto território. Diferente porque esta tem donos, ou por outra, gestores. Estes operadores ilegais, porque não possuem licença de exploração, são os accionistas maioritários daquela obra da natureza. Comercializam a areia a grosso para revendedores idos de Maputo, Bobole, Manhiça e outros cantos do país.
Aqui a areia tem categorias: de primeira a que é extraída nas profundezas e a de segunda que é retirada das redondezas da montanha. Do mesmo modo que existe diferença na qualidade, há também no preçário da compra, (60 a 80 meticais a lata de 20 quilogramas de areia de segunda qualidade, e 90 a 120 a da primeira leva). Depois da saída daquele local, o produto das mulheres é transportado em sacos não transparentes ou que depois são amarrados de modo a não despertar a atenção das autoridades locais. Como em qualquer actividade, há nesta também os chamados operadores ilegais, compostos por jovens que noite adentro invadem aquele santuário a fim de ilegalmente retirar aquele produto que a posteriori é vendido aos retalhistas da capital a preços bastante baixos.
De Marracuene, os grossistas escoam o seu produto para a capital nos transportes semi-colectivos de passageiros, os vulgos “chapa-100”, pagando entre 5 e 10 meticais o saco, conforme o seu tamanho.

A areia na indústria caseira e no mercado

Chegados a Maputo, os grossistas revendem aos retalhistas a 200 meticais a lata de 20 quilogramas de areia de segunda e 250 a areia especial. Para pequenos compradores, este produto é vendido a púcaros, ao preço que varia entre os três a cinco meticais cada. Por seu turno, os retalhistas, passam a areia por uma pequena transformação doméstica que consiste na sua cozedura durante cerca de duas horas em panelas ou potes, à qual se adiciona sal.
Findo este processo, o produto é retirado e imediatamente pilado com alguns gramas de um detergente até ficar completamente mole, para em seguida se deixar arrefecer. Daí é embalado em papel com o formato de funil e revendido nas diversas bancas dos bairros da cidade de Maputo e seus arredores aos preços de 50 centavos e 1 metical, conforme a medida. De acordo com dados recolhidos, uma lata de 20 quilogramas de areia chega a render cerca de 500 meticais.

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