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Oito anos com uma bala na cabeça

Hermínia Uquio, de 35 anos de idade, natural e residente em Xai-Xai, não será a mesma mulher outrora trabalhadora e que sabia cuidar dos seus filhos, aos quais já não reconhece devido a um trauma originado por uma bala alojada na sua cabeça, desde 2006. Um projéctil de arma de fogo disparado por um agente da Polícia deixou várias sequelas na cidadã, dentre as quais a redução das faculdades mentais e a dependência aos medicamentos.

No mundo são várias as histórias de pessoas que vivem com uma bala na cabeça sem se queixarem de dores nem de nenhuma sequela,porém, este não é o caso, pois, para além de ser dependente em tudo, a vida de Hermínia Uquio mudou drasticamente desde aquele ano e hoje sofre também de epilepsia em virtude das lesões contraídas. Camilo Mulungo, um homem flagelado pela dor, luta incansavelmente pela sobrevivência da esposa ao mesmo tempo que exige justiça mas o Tribunal Judicial da Cidade de Xai-Xai parece estar contra esse desejo uma vez que nega emitir um documento a favor da ofendida para que a mesma tenha um laudo da Medicina Legal.

“Ela não é a mesma pessoa, só acorda e senta-se à espera de que alguém cuide dela. Praticamente voltou a ser criança e o pior é que ficou maluca”, desabafou o marido da cidadã a que nos referimos e com o qual vivia na África do Sul desde a década de 90. Todavia, há pouco tempo ele teve que abandonar tudo naquele país, incluindo o emprego, para estar mais perto da mulher com vista a batalhar pela sua saúde.

Hermínia Uquio visitava a família sempre que pudesse, mas,em 2006, foi forçada pelas circunstâncias a visitar o pai em Xai-Xai por motivos de doença. Dias depois, ela saiu para fazer compras e no seu regresso ia naboleia de um suposto “desconhecido” que se fazia transportar num minibus, o qual, após ter sido interpelado pelos agentes da Polícia da República de Moçambique(PRM), desobedeceu e pôs-se em fuga. Um agente da corporação disparou contra o veículo, tendo, acidentalmente, o projéctil da arma de fogo atingido o crânio da senhora. Desde essa data a vida das famílias Mulungo e Uquio tem sido um inferno.

A vítima perdeu os sentidos no local e, com a cabeça a sangrar, foi socorrida e levada para o Hospital Provincial de Xai-Xai mas, devido à gravidade do problema, no mesmo dia foi transferida para o Hospital Central de Maputo, o maior do país, onde esteve internada 38 dias no serviço de neurocirurgia.Devido ao estado em que ela se encontrava, os parentes consideram que ela sobreviveu por milagre.

Volvidos aqueles dias no leito de um hospital, a cidadã teve alta mas os médicos não disseram se haviam ou não retirado a bala e a família nem se preocupou em sabê-lo. Aliás, em Moçambique, regra geral, os profissionais de saúde não têm o hábito de explicar, detalhadamente, aos pacientes sobre o estado de saúde depois de certas análises, limitando-se a encaminhá-los para outros departamentos ou, na pior das hipóteses, prescrever receitas médicas.

Perante a desgraça a que a sua esposa estava sujeita, no início de 2007, Camilo Mulungo tentou instaurar um processo-crime contra o autor do disparo e para o efeito primeiro recorreu ao Serviço de Medicina Legal, o qual emitiu um laudo que, dentre outras considerações, indicava que não era possível determinar a que distância foi disparado o projéctil, mas a direcção foi de trás para diante e do qual resultou, para a vítima, “ um sério perigo para a sua vida, além de ter causado um prejuízo estético”.

De acordo com o mesmo parecer do médico legista, Hermínia Uquio estava incapacitadade trabalhar durante 270 dias, intervalo tido como suficiente pelos profissionais de saúde para a sua recuperação. Contudo, tal previsão não se efectivou. Aliás, a ferida sarou, mas os desequilíbrios mentais e outras sequelas tendem a agravar-se.

Quando tudo parecia estar controlado, o casal regressou para a África do Sul, onde o estado clínico da vítima piorou. O seu marido internou-a numa das unidades sanitárias locais, onde os exames de Raio X indicaram que a paciente vivia com uma bala alojada numa zona bastante sensível na cabeça, cuja remoção podia levar à morte por ser arriscada.

Esta situação – que pode ser um indício do desleixo da equipa médica do Hospital Central de Maputo que atendeu a cidadã durante os 38 dias em que esteve internada – deixou a família em estado de choque. Durante esse período, a esposa de Camilo Mulungo estava no terceiro mês de gestação e teve um parto prematuro aos sete meses por causa da medicação. Infelizmente, o recém-nascido sobreviveu apenas 90 dias.

A estranha absolvição do polícia

Na altura em que Camilo Mulungo e a mulher estavam na África do Sul, a família informou que eles eram intimados pelo Tribunal Judicial da Cidade de Xai-Xai para responder ao processo relacionado com o baleamento. Entretanto, o casal não pôde estar presente porque Hermínia Uquio não gozava de boa saúde. Mesmo assim, o caso teve andamento na ausência dos ofendidos e o polícia responsável pelo trauma que apoquenta a cidadã, bem como o proprietário do veículo no qual ela foi alvejada, foram absolvidos.

No seu regresso da África do Sul, Camilo Mulungo dirigiu-se ao Tribunal Judicial da Cidade de Xai-Xai para se inteirar do assunto e ficou estupefacto ao saber que o caso já tinha sido dado como encerrado. “Pedi o número do processo e não foi possível obtê-lo.”

Indignado com a situação, o nosso entrevistado dirigiu-se à Polícia de Investigação Criminal (PIC) para se inteirar do que ficou a acontecer na sua ausência. Através daquele unidade policial, Camilo Mulungo ficou a saber de que o processo no qual o agressor físico da sua esposa e motorista foram supostamente julgados e ilibados ostentava o número 285/06 e o mesmo já havia sido remetido à Procuradoria pela PIC, através do auto 97/06. Daquele departamento da Polícia foi encaminhado para o Tribunal Judicial da Cidade de Xai-Xai.

Entretanto, por sua vez, a PIC exigiu um novo laudo da Medicina Legal para anexarao processo. Convencido de que já tinha o documento em causa, Camilo Mulungo apresentou o mesmo parecer emitido anteriormente, o qual foi rejeitado por estar fora de validade, além de que os 270 dias determinados para que Hermínia Uquio ficasse curada passaram sem que isso acontecesse.

“Agora, o problema é que o tribunal de Xai-Xai nega emitir um documento através do qual a Medicina Legal nos pode passar um novo laudo de exame de perícia. Tentei fazer um requerimento para o Hospital Central de Maputo para que facilitasse o processo mas não está a ser possível, uma vez que deve ser a PIC ou o tribunal a passar o documento. A PIC fez isso antes de o processo estar no tribunal e não há como repetir”, disse Camilo Mulungo, que apesar do estado grave em que a cônjuge se encontra, ele acredita na sua melhoria.

Neste momento, Mulungo luta para que o tribunal julgue o caso e os culpados sejam responsabilizados, bem como para conseguir dinheiro com vista a submeter a mulher a uma cirurgia no estrangeiro.

 

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