A história, o passado real e as origens ficaram para trás, a partir da hora em que o Mundo – não só do futebol – ficou em estado de choque pela morte de Eusébio da Silva Ferreira. Os portugueses tomaram conta da maior lenda que a “lusofonia” conseguiu parir e os moçambicanos foram quase que esquecidos. Para a sua tumba, o “Pantera Negra” terá levado uma mágoa: o não cumprimento de um seu desejo, expresso em Maputo, de ter a urna coberta por três bandeiras – a de Portugal, do Benfica e de Moçambique. Cumpriram-se as primeiras duas, da última não rezam as crónicas.
Escrito, falado, lido, “poetizado e endeusado”, porque em vida tudo fez por merecer, Eusébio é agora uma legenda. Mas não teve um fim porque, como dizia o saudoso Carlos Pinhão, jornalista de A Bola, as legendas não têm ponto final. E Eusébio é uma legenda. Ou uma lenda, se preferirem.
A “ginástica” agora ficou para os que têm a tarefa de retratar a figura ímpar de um desportista que entrou e permanece numa galeria universal restrita, que o coloca como um dos 10 maiores futebolistas de sempre na modalidade mais popular do planeta: o futebol.
Em vésperas de fazer 72 anos de idade, a vida de Eusébio chegou ao fim poucos dias após o desaparecimento de Nelson Mandela. No dia do funeral, como em regra acontece com as figuras ímpares, a chuva fez-se presente em ambos os momentos sublimes, à hora certa e nos lugares próprios.
Magagaga saltou o muro
Os desportistas “normais”, mesmo os que atingem patamares altos, fazem a sua carreira a partir dos iniciados, seguem-se os juvenis, juniores e só depois os seniores. Tudo sob orientação de um treinador conhecedor, um relvado atapetado, com regime alimentar adequado e por vezes um conjunto de “mordomias”. Assim, o talento cresce, molda-se e joga.
Com Eusébio da Silva Ferreira nada disso aconteceu. Ele não foi produto de laboratório, foi um génio, um superdotado, daqueles que só nascem para o mundo de cem em cem anos.
Mensagens
Mensagem colectiva dos “Mambas”
“Foi com muita dor e consternação que tomámos conhecimento da perda irreparável do“Pantera Negra”. À sua medida, Eusébio soube apoiar o futebol moçambicano. Pode não ter sido directamente, em termos financeiros e materiais, mas sempre que foi necessário estabeleceu a ponte entre a Federação Moçambicana de Futebol e a sua congénere portuguesa. Faremos de tudo, neste CHAN, para honrar o nome daquele é, igualmente, nosso compatriota”.
Joaquim Chissano, Ex-Presidente da República
Foi com muito pesar que recebi esta notícia da morte de Eusébio. Perdi um amigo. Quando éramos jovens brincávamos juntos e jogávamos muito futebol. Para mim, ele era quase alguém da minha família. Não restam dúvidas de que o futebol português perdeu um dos seus pontos de referência. Esta modalidade ligava Moçambique a Portugal. Eusébio era um orgulho para o povo moçambicano. Através do desporto, ele era um dos embaixadores de Moçambique. Os feitos dele vão perdurar.
Mário Coluna, Antigo colega de profissão
Eusébio era como se fosse meu filho. Sou suspeito para falar dele. Recebi-o de braços abertos em Portugal quando saiu de Moçambique. Fui responsável por ele ter ido ao Benfica e por ser aquilo que foi no futebol português. Estou triste, muito triste. Que Deus tenha a sua alma.
Armando E. Guebuza, Presidente da República de Moçambique
Moçambique, os moçambicanos e o mundo do desporto estão de luto. Perdemos um futebolista de primeira água e com uma carreira internacional célebre e celebrada como uma referência de grande craveira. Foi, pois, com profunda mágoa e consternação que tomámos conhecimento desta triste notícia. Triste e chocante porque veio tirar-nos um homem que, durante décadas, praticou o futebol com elegância, galhardia e arte. Por mérito dessa sua forma de jogar e de saber jogar futebol, Eusébio constituiu-se numa verdadeira fonte de inspiração e de alegria para milhões de moçambicanos e de cidadãos do resto do mundo.
Faizal Sidat, Presidente da Federação Moçambicana de Futebol (FMF)
Foi um ídolo para todos os jogadores da minha geração, incluindo para mim. Tive o privilégio de vê-lo a jogar pela televisão e de estar várias com ele. É uma grande perda para o nosso país, pois sempre esteve ligado ao nosso futebol. Espero que as suas obras sirvam de fonte de inspiração para as actuais gerações e vindouras.
O facto mais marcante da ligação entre ele e o nosso país foi aquando da nossa candidatura para acolher o Campeonato Africano de Futebol de 2010, quando esteve do nosso lado do primeiro até ao último minuto. Ele até acompanhou-nos ao Egipto. Infelizmente partiu cedo e temos muitas razões para ficar ainda mais tristes porque não soubemos explorar esta lenda devidamente, sendo ele também moçambicano.
Jorge Nhadevele, morador do bairro da Mafalala
Fiquei muito triste quando recebi esta notícia. Não acreditei pois, para mim, homens como ele são imortais. É uma grande perda para a Mafalala e para o mundo do futebol. Ele estará sempre vivo em cada um de nós.
Armindo João, chefe do quarteirão 23 da Mafalala
Eusébio sempre foi um rapaz humilde, que gostava muito de aprender e de ajudar os amigos. O seu talento foi motivo de inveja. Ele era único e foi um ídolo para a maioria dos moradores da Mafalala. Estamos muito tristes pelo seu desaparecimento físico.
Milhares prestaram homenagem ao “rei” Eusébio em Portugal
Milhares de pessoas tomaram as ruas de Lisboa, a capital de Portugal, para acompanhar o cortejo fúnebre do ídolo do futebol nacional Eusébio nesta segunda-feira, um dia depois da morte do ex-atacante do Benfica, aos 71 anos, por uma paragem cardíaca.
Nas calçadas da principal avenida da cidade, centenas de pessoas aplaudiram a passagem do caixão do “Pantera Negra”, prestando homenagem ao homem considerado o “símbolo eterno” do orgulho do futebol português. Enquanto o cortejo passava pelas ruas da cidade, muitos cantavam “Eusébio é o nosso rei!”.
Segundo a agência de notícias local Lusa, mais de 10 mil pessoas visitaram o corpo de Eusébio no Estádio da Luz, do Benfica, e houve homenagens de políticos, jogadores de futebol e artistas. O presidente Aníbal Cavaco Silva declarou três dias de luto e decidiu adiar uma cerimónia especial de premiação a Cristiano Ronaldo devido à morte de Eusébio. Ronaldo é o maior jogador de Portugal desde Eusébio. O funeral de Eusébio nesta segunda teve a presença de diversas autoridades, incluindo o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.
Eusébio foi eleito o melhor jogador da Europa em 1965 e foi o artilheiro da Copa do Mundo do ano seguinte na Inglaterra, com 9 golos na campanha de Portugal até a semifinal. Aos 20 anos, ele também marcou duas vezes na vitória do Benfica por 5 x 3 sobre o Real Madrid na final da Copa Europeia de 1962. Ele disputou 64 partidas e marcou 41 golos por Portugal, recorde que permaneceu por quase duas décadas.