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Saibreira gera conflitos entre a comunidade e o governo distrital de Marracuene

Saibreira gera conflitos entre a comunidade e o governo distrital de Marracuene

Reina confusão no bairro 29 de Setembro, no distrito de Marracuene, na província de Maputo. A exploração da saibreira (local onde se extrai areia vermelha para construção), iniciada em meados deste ano, pela empresa CRBC-China Road & Bridge Corporation, onde é retirada o saibro para alimentar o projecto da Estrada Circular de Maputo, é a razão da discórdia entre residentes e o governo local.

A saibreira existe há quase uma década, porém, há dois anos estava encerrada por perigar a vida dos residentes que habitam ao redor da mesma e, também, por se localizar a cerca de 200 metros da Estrada Nacional número Um (EN4). Entretanto, com a reabilitação e construção de 74 quilómetros de Estrada Circular, com faixas de rodagem, a empreiteira do projecto, com o aval do Governo, reabriu a saibreira aumentando sobremaneira a extensão e profundidade da mesma.

Com efeito, as 23 famílias que residiam nas redondezas do local foram removidas e reassentadas no bairro de Mampulango, em Marracuene. Porém, a saibreira tem vindo a aumentar da extensão e profundidade a cada dia que passa, o que deixa apreensivo os moradores do bairro 29 de Setembro.

O secretário daquela zona, João Fernando Mitine, de 73 anos de idade, disse ao @Verdade Haver no bairro um braço-de-ferro entre a comunidade e o governo local. Algumas pessoas pedem o encerramento da saibreira, outras querem ser transferidas para zonas mais seguras.

Residentes põem administradora em fuga

Todavia, na segunda semana de Novembro findo, a administradora Maria Vicente reuniu com os populares com intuito de auscultar as suas preocupações e propor possíveis soluções. Mas houve ânimos exaltados no diálogo, o que obrigou a administradora a abandonar o encontro e sair como se estivesse a fugir. Conseguiu apenas informar aos moradores que algumas famílias seriam deslocadas e reassentadas, sem no entanto avançar datas nem os montantes envolvidos para o efeito.

“Há, de facto, um impasse entre a população e o governo local, porque uns acolhem a ideia de reassentamento, mas outros não querem abandonar a zona, por isso, mesmo da última vez que os técnicos da empreiteira foram ao quarteirão 01 para demarcar as casas que serão removidas foram expulsos pela comunidade. Saíram de lá a correr. Não sabemos quando é que serão removidas as pessoas que estão mesmo próximas à cova. O que me choca, como secretário do bairro, é o facto de as autoridades distritais não nos respeitarem, a título ilustrativo, sem avançar nenhuma informação, autorizaram a empresa CRBC-China Road & Bridge Corporation a abrir uma outra saibreira mesmo dentro da vila, no campo de uma escola secundária, causando indignação e fúria na população”, disse João Mitini ao @Verdade.

Criminalidade, mortes e desespero

O ancião disse ainda que a saibreira, sita no centro da vila, originou um ambiente propício para a proliferação do crime. É que, no passado sábado (14), foi encontrado, próximo da saibreira, um homem morto. Presume-se que tenha sido vítima de criminosos. Sobre este mal, o @Verdade ouviu alguns residentes do bairro 29 de Setembro, principalmente as pessoas que vivem próximo à “cova gigante” (segundo os moradores) e constatou que há uma generalizada insatisfação.

Marta Magombe, do quarteirão 01, residente na zona há 10 anos, vive mesmo em frente da cova. Lágrimas escorrem no seu rosto da senhora quando pede, quase que desesperada, para ser transferida para uma zona mais segura. Olhando para o abismo da cova que ameaça engolir, a qualquer momento, a sua residência desabafou: “estamos em risco. O governo disse que iria nos tirar daqui, mas não estamos a ver acções concretas nesse sentido. Eu pessoalmente já não suporto mais este lugar. Os meus filhos vivem em constante perigo, há meses uma menor caiu na saibreira e morreu. Os chineses (os empreiteiros da Estrada Circular) usando a escavadora levaram a menor para o bairro Albazine para simular que ela morreu lá, mas vimos quando a criança foi tirada nas profundezas da cova gigante. Os pais da criança não tiveram nenhuma assistência financeira nem psicológica. A poeira  cobre a minha casa, não posso cozinhar nem estender roupa em paz. E para nos enganar formam dunas de areia para ocultar que a saibreira está cada vez mais a aumentar de extensão.”

Ao Terminar, Marta Magombe disse: “pedimos ao governo para encetar diligências no sentido de nos tirar daqui o mais rápido possível. Há pessoas que inviabilizam o processo mas elas vivem longe desta cova gigante.”

Não queremos sair…

“Nós não queremos sair daqui, meus pais vivem aqui há 30 anos. Eu tenho 22 anos de idade, a administradora disse, numa reunião realizada no mês passado, que teremos que sair, mas expulsamos os técnicos que vinham demarcar as casas que serão removidas. Eles devem encerrar a cova. Nada poderá pagar o amor que temos por este lugar”, desabafou Salomão Chaúque.

Bruno Savanguane, novato no bairro, há um ano mostrou-se agastado com as autoridades locais. “Nunca fui abordado directamente pelo governo, mas sei que estou abrangido, a cova não me deixa sossegado, dizem que temos que sair, ao que tudo indica para o bairro Cumbeza, mas ninguém diz quando é que isso irá acontecer. Por outro lado, o chefe do quarteirão não nos passa o número de casa.”

A saibreira vai continuar

Noé Paulino Muchate, director do Serviço Distrital do Planeamento de Infra-estruturas (SDPI), disse ao @Verdade que a confusão que há entre a população e o governo não passa de má interpretação dos populares porque houve, de facto, uma necessidade de se tirar algumas pessoas para se ter o saibro. Para evitar possíveis conflitos, pensou-se também em abrir muitas covas no distrito, mas devido a questões ambientais é um pouco mais difícil. É um pouco mais complicado a sua gestão, por isso, acabou-se ficando na possibilidade de expandir a actual saibreira.

“Interagimos com a comunidade e existe algum impasse, uns contra, outros a favor, mas tendo em conta aquilo que é a utilidade pública, a construção da estrada circular, que é de âmbito nacional, irá servir a todos desta nação, a todos que por aqui passarem. Então acabamos por decidir expandir a saibreira. Há muita gente que está sensibilizada com este projecto, que entende a necessidade da exploração do saibro. Estamos nesse processo, já indicamos e parcelamos uma zona para o reassentamento, que é naquela zona de Cumbeza e estamos neste momento em processo de identificação das famílias visadas e até neste momento foram contabilizadas 33. Prevê-se a expansão de 4 hectares incluindo a área de reserva que é de 50 metros. Não podemos avançar valores envolvidos porque quem faz o levantamento é a empresa Maputo Sul. E consoante as características de cada casa estima-se o montante a pagar à família a ser transferida”, explicou Noé Muchate.

“Sobre a segunda cova, acho que há uma má compreensão. Ali é uma área de trabalho da empresa construtora da estrada, creio que todos sabem que por ali passará a estrada, será erguida uma ponte do nó entre a secção 2 e a secção 4. A secção 4 é a EN1 e a secção 2 é a estrada que liga o bairro Costa do Sol e Marracuene”, disse o director distrital de Planeamento de Infra-estruturas.

“Quando eles (os técnicos) começaram com a pesquisa da implantação da ponte viram que havia material que podia ser aproveitado, que é o saibro, então estão retirando, mas a perspectiva é de reposição, porque ali é área de trabalho, não se trata de abertura de mais uma cova. Gostaria de aproveitar a oportunidade para apelar a comunidade para que entenda que quando se trata de um projecto que irá beneficiar a toda gente, é preciso procurar perceber e cooperar. Entende-se que não é fácil para alguém que implantou a sua casa, ter que abandonar, mas trata-se de um projecto de âmbito nacional, um projecto que irá beneficiar a todos.”

Associações indignadas

Algumas organizações, como a Associação dos Naturais de Marracuene e a Associação dos Veteranos de Marracuene, estão a organizar uma marcha pacífica prevista para esta quinta-feira (19), a partir das 7:30 horas. A aludida marcha irá começar na saibreira da discórdia até à sede distrital. Os manifestantes irão reivindicar o encerramento das saibreiras.

“Estamos fartos desta desenfreada exploração, há indícios de negócios obscuros, já não temos, por exemplo, nem um campo (para desporto) aqui em Marracuene. O campo que estava próximo do cemitério também foi vendido. A administradora Maria Vicente vendeu a um privado. Também iremos inviabilizar a expansão da nova cova, mesmo que para isso tenhamos que dar em troca as nossas vidas. A administradora já foi avisada”, disse Horácio Piúza, um dos membros da associação.

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