A Assembleia da República, o parlamento moçambicano, aprovou, hoje, na generalidade uma proposta de lei do governo que altera o artigo 51 da Lei n/o 2/97, segundo o qual metade dos vereadores devem ser escolhidos de entre os membros da respectiva assembleia.
Ao apresentar esta pequena emenda, a Ministra da Justiça, Benvinda Levy, explicou que tendo em conta a experiência colhida ao longo de 11 anos desde a sua entrada em vigor, está claro que urge a necessidade de conferir aos presidentes das autarquias locais a liberdade de escolha dos vereadores em função da sua capacidade técnica e experiência profissional para melhor responderem pelos diversos pelouros, sem submissão ao princípio segundo o qual metade dos vereadores deve ser escolhido dentro da respectiva assembleia municipal.
Esta cláusula na legislação constitui um problema sério para os pequenos municípios, onde as assembleias municipais possuem apenas 13 membros. Não existe nenhuma garantia que o presidente do município seja capaz de encontrar no meio de um número tão pequeno pessoas com talento e que reúnam os requisitos necessários para tratar de questões tais como planeamento urbano, saúde pública ou finanças municipais.
Não existe margem de dúvida que uma das pessoas mais beneficiárias desta emenda será o presidente do município da Beira, Daviz Simango. Em Setembro de 2008, após a sua expulsão da Renamo, o maior partido da oposição em Moçambique, Simango acabou sendo reconduzido a presidência do município da Beira tendo sido declarado vencedor como candidato independente fruto da sua vitória nas eleições de 19 de Novembro. Contudo, Simango não teve tempo de formar um partido para concorrer para a assembleia municipal e, como resultado, ele enfrenta uma assembleia muito hostil, apesar de ainda gozar de algum apoio na bancada da Renamo.
A emenda na Lei das Autarquias Locais significa que agora Simango está livre de escolher quem bem entender como vereador no município da Beira, deixando de depender dos seus adversários políticos para nomear a outra metade da sua administração. A proposta foi aprovada pelos 144 deputados da Frelimo, partido no poder em Moçambique, tendo-se registado a abstenção de 63 deputados da coligação Renamo-União Eleitoral (RUE) que se encontravam presentes no parlamento.
A abstenção da Renamo não está relacionada com o conteúdo da proposta de lei. A bancada da RUE alega que o parecer conjunto relativo a proposta de lei não reflecte fielmente a sua posição nas comissões especializadas, facto que torna o documento ilegal. O regimento da Assembleia refere que nenhuma proposta de lei poderá ser discutida em sessão plenária enquanto a mesma não tiver sido verificada pelas comissões relevantes. O parecer da comissão deve reflectir todas as opiniões divergentes dentro da comissão.
No caso vertente, o parecer foi emitido pela Comissão da Agricultura, Desenvolvimento Regional, Administração Publica e Poder Local e a Comissão dos Assuntos Jurídicos, Direitos Humanos e Legalidade. O seu parecer nota que a RUE queria acrescentar propostas relativas a outros artigos na Lei das Autarquias Locais. “Mais concretamente, a Renamo pretendia propor uma alteração substancial na composição e na forma de constituição das mesas das assembleias municipais, que no essencial, substituía o princípio electivo, actualmente em vigor, para o de indicação pelos partidos políticos”, refere o parecer das comissões.
A RUE rejeita este sumário, exigindo que o parecer da Comissão reflicta a sua posição de uma forma detalhada. Os deputados da RUE argumentavam que a proposta de lei não deveria ser discutida enquanto não for emitida um novo parecer das Comissões de seu agrado. Alias, a maioria dos membros da RUE recusaram-se a assinar o parecer.
Porém, o presidente do parlamento, Eduardo Mulembwe fez questão de frisar que isso não afecta a sua validade. O parecer da Comissão é um documento válido desde que seja assinado por mais de metade dos membros da Comissão, algo que a Frelimo conseguiu garantir através da sua maioria no parlamento e que se reflecte na composição das comissões.
O boicote da RUE não foi total, pois dois membros desta coligação, da Comissão de Assuntos Jurídicos assinaram o parecer. A deputada da Frelimo, Açucena Duarte fez questão de sublinhar que na semana anterior a plenária do parlamento havia decidido, por unanimidade, discutir a proposta do governo para alterar apenas um artigo na Lei das Autarquias Locais.
O problema da RUE foi levantado no seio das comissões e por isso não poderia ser usado como argumento para impedir Levy de apresentar a proposta de lei. “Nós estamos habituados as tentativas da RUE que visam impedir os trabalhos na assembleia, e por isso não deveríamos tolerar”, disse Duarte.
Falando em nome da bancada RUE, Luís Boavida disse que o parecer não era uma reflexão fiel das discussões dentro das comissões. “O parecer não está de acordo com a lei”, disse Boavida. Por seu turno, José Palaço, também da RUE considerou o documento como sendo um “pseudo-parecer”, “afirmando que o mesmo menciona comentários da posição da RUE, e não a sua verdadeira posição”. Quando a RUE propôs o adiamento da discussão até a emissão do novo parecer, a mesma foi a votação tendo sido derrotada por uma margem de 146 votos a favor e 65 contra e, nesse processo, acabou por se perder uma hora de trabalho.
O presidente Comissão da Agricultura, Desenvolvimento Regional, Administração Pública e Poder Local, Alfredo Gamito, confirmou a AIM que a exigência da RUE na comissão não tinham nenhuma relação com o artigo referente a composição dos vereadores municipais. Antes pelo contrário, os deputados da RUE queriam abolir o sistema através do qual as mesas das assembleias municipais, formadas pelo presidente, vice-presidente e secretário são eleitos pelos deputados da Assembleia.
A RUE queria que o presidente da mesa da assembleia fosse nomeado pelo partido que tiver a maioria de assentos, dois vice presidentes, sendo um do partido com a maioria e o outro do segundo partido mais votado, e um secretario que seria nomeado por um terceiro partido, na eventualidade de existir. Isso parece ser uma forma de assegurar um assento para a RUE, mesmo nas assembleias onde tiver apenas um assento. A RUE possui nove nestas condições e igual número onde não conseguiu ganhar um único assento.