A Associação dos Cegos e Amblíopes de Moçambique (ACAMO), em Nampula, está preocupada com a alegada crescente discriminação a que são sujeitos os seus membros nas instituições públicas, privadas, estabelecimentos comerciais, dentre outros.
A presidente da agremiação, Periha Amade, que falava na cidade de Nampula à margem das comemorações do Dia Mundial da Bengala Branca, apontou os sectores da Saúde e Educação como sendo os que mais casos de discriminação registam. “Ficamos horas parados na fila e sem a ajuda de ninguém, assim como o atendimento não tem sido com a atenção desejada, mas não temos alternativas”.
Outra inquietação apresentada tem a ver com o facto de alguns proprietários de supermercados e lojas da urbe dificultarem o acesso dos cegos e amblíopes àqueles estabelecimentos, alegadamente porque estes pretendem apenas pedir esmola ou porque não têm dinheiro para pagar as suas contas.
Após esta denúncia, o @Verdade, na companhia de membros da ACAMO, fez uma ronda por alguns locais visando apurar os factos. Durante a passeata, ao lado de Afonso Lima, de 55 anos de idade, natural de Alto Molocué, província da Zambézia e cego desde 2005 e do seu sobrinho Adolfo Vasco, de 17 anos de idade, que o tem acompanhado diariamente nos seus afazeres, foi fácil constatar a realidade descrita pela presidente da agremiação.
A primeira situação ocorreu quando pretendíamos entrar num transporte semicolectivo de passageiros, vulgo “chapa cem.” O cobrador mostrou, logo a priori, antipatia. Aliás, numa clara demonstração de impaciência, gritava e obrigava o nosso companheiro a entrar no carro com rapidez. Já dentro do automóvel, Lima agastado e mostrando-se desconfortável, lamentou o facto de as viaturas, quer da edilidade, quer dos privados, não terem equipamento que possa facilitar o acesso por parte dos deficientes.
O destino era um estabelecimento comercial, por sinal um supermercado, pois era suposto possuir um pessoal preparado para atender indivíduos com necessidades especiais como deve ser. Porém, na loja da Shoprite, foi-nos provado o contrário. Logo à entrada, uma agente de segurança fez um sinal ao seu colega que se encontrava mais adiante, que, logo a seguir, passou em frente do nosso guia para tentar impedir a entrada de Lima, o que não aconteceu.
Uma vez no interior da loja, Lima dirigiu-se à secção de venda e produção de pão, onde a pessoa que estava a atender nem sequer se dignou a atendê-lo, tendo-se limitado apenas a apontar para os pães e a dizer o preço em voz alta, numa total indiferença para com o deficiente que se encontrava à sua frente. Aliás, quase que proibia o nosso guia de sair com os dois pães que o nosso entrevistado pretendia levar consigo.
Entretanto, depois de ter levado os pães, o nosso companheiro dirigiu-se a uma das caixas, tendo sido atendido por uma das funcionárias do supermercado, que mesmo vendo que estava a lidar com um cego pronunciou uma palavra que era para dar sinal de que estava ali. Esta só fixou o olhar para ele e para a sua bengala branca. Apenas uma colega é que se predispôs a abordá-lo de forma educada e simples.
Já fora da Shopprite, dirigimo-nos ao Hospital Central de Nampula (HCN), onde a confusão iniciou logo na parte exterior, quando Lima pretendia obter a ficha de aceitação. Ficou mais de 45 minutos à espera de ser atendido. Primeiro, a funcionária que estava em serviço dizia não ter troco de 20 meticais e, mesmo vendo que estava a lidar com um cego, gritou: “Vai lá procurar troco depois pode voltar”.
Entretanto, para solucionar-se a situação, uma outra senhora, por sinal de boa-fé, predispôs-se a ajudar a conseguir o troco exigido e, graças a essa acção, Lima conseguiu a aceitação. Já dentro e na sala de triagem de adultos, foi atendido cordialmente pelo técnico de medicina geral, de nome Paulo Gulane. “Ele atendeu-me de boa maneira”, contou Lima, acrescentado em seguida que “não são todos os dias que os cegos têm um atendimento tal como o que tive hoje, pois recordo- -me de que uma das vezes que fui ao HCN quase que chorei pois não havia alguém para me ajudar, visto que estava a ser acompanhado por alguém inexperiente”.
Depois do atendimento no HCN, dirigimo-nos à farmácia pública instalada no interior da mesma unidade sanitária. Ali, a farmacêutica em serviço comportou-se de forma desumana, proferindo palavras injuriosos e, num tom de quem estava a sentir-se incomodada, disse: “Todo o doente que vai ao hospital deve saber que ‘x’ significa que o fármaco não existe”, vociferou.
O clima começou a ficar tenso; o deficiente pedia para saber qual era a situação da disponibilidade dos medicamentos prescritos pelo técnico de medicina, mas a resposta foi repetitiva: “Olha, todos os doentes, até os camponeses, sabem que o ‘x’ significa que não existe, e se o senhor quer complicar o problema é seu. O que importa é que pus esses ‘x’ na tua receita e você já devia saber”.
Depois de passar por toda aquela humilhação, Lima mostrava-se desolado, mas diz que está de cabeça erguida pois situações do género são comuns. “Pelo menos eu já estou habituado a estas situações, pois parece que as pessoas esqueceram-se de que deficiência é algo que ninguém quer, mas todos estão sujeitos a contrair”. No entanto, o passeio não parou por ali; dirigimo-nos ao notário da cidade, onde ninguém lhe atendeu. As pessoas só olhavam para ele, o que também aconteceu em toda a extensão da avenida Avenida Paulo Samuel Kankomba.
Entretanto, para inverter este problema, a ACAMO está a trabalhar em pareceria com a Direcção Provincial da Mulher e Acção Social (DPMAS) naquela província do norte do país na realização de palestras junto das instituições do Estado com vista a incutir nos funcionários atitudes positivas em relação aos cegos e amblíopes. A ACAMO, fundada em 1995, é uma organização que trabalha com pessoas com deficiência visual e conta com 245 membros em Nampula.