Na literatura, o escritor moçambicano Stoelwart Kazuru é conhecido pela alcunha O Camponês. Com 58 anos de idade, dedica-se à escrita desde 1984 e tem três obras de poesia. O problema é que todas elas não estão editadas. Falta-lhe o patrocínio…
A relação do escritor moçambicano, O Camponês, com a literatura tem um início curioso. Em 1984, quando era administrador do distrito de Mogincual, na província de Nampula – e realizava comícios – começou a fazer anotações de algumas frases que proferia nos seus discursos, incluindo aspectos ligados aos marcos da sua governação.
O seu próprio heterónimo – O Camponês – é fruto de algumas operações, por si, levadas a cabo na Ilha de Moçambique e em Mogincual que consistiam em fazer encorajamentos às populações dos dois distritos no sentido de se empenharem na produção de comida, na machamba, como forma de lutar contra a fome vigente na época.
A preocupação de O Camponês era movida por várias razões. Em Mogincual e na Ilha de Moçambique há terras aráveis – próprias para a prática da agricultura – e gente activa. O problema é que os mesmos não aproveitavam a terra para produzir – o que agudizava a fome.
Com efeito, uma das estratégias por si adoptadas – para combater a fome nos dois distritos onde foi administrador – foi realizar o censo da população a fim de atribuir a cada família uma machamba e instrumentos de produção. O processo foi muito difícil porque – segundo O Camponês – as populações dos referidos distritos não têm o hábito de trabalhar na machamba. Por isso, para que a operação fosse bem-sucedida foi necessário que se realizasse uma patrulha contínua.
“Eu sou o camponês, filho e neto de camponeses”, dizia Stoelwart Kazuru nas suas campanhas dirigidas a cada família que pretendia que produzisse para o seu sustento e para o bem-estar geral da população local. O Camponês estava convicto de que a única forma de combater a fome era produzir alimentos na machamba. E devia-se produzir comida em grande quantidade.
Em resultado do referido trabalho, as populações empenharam-se no trabalho e, no fim de cada campanha agrícola, iam apresentar a sua produção ao governo local do distrito como forma de demonstrar que o encorajamento do administrador era uma mais-valia. As gentes locais apelidaram-no de O Camponês. A batata-doce, o arroz, o milho, a mandioca, o feijão e o amendoim são exemplos do que as populações produziam. E o mais importante é que parte do produto era destinada ao comércio.
Para imortalizar o heterónimo O Camponês – que lhe foi atribuído pela população – Stoelwart Kazuru, que é natural da província de Tete, passou a assinar as suas poesias com o mesmo. No entanto, “é preciso ter em conta que não considero este nome artístico. Ele tem um sentido de luta”, refere o escriba. Ora, enquanto não consegue publicar a obra, o escriba não se vangloria dos seus escritos. Ele sente um vazio dentro de si porque, ainda que deposite os seus pensamentos e sentimentos no papel, os mesmos carecem de ser tornados públicos e partilhados entre os amantes da literatura.
Os temas sociais como, por exemplo, a violência doméstica, a fome e a criminalidade são parte do que se discute nos seus textos muito focalizados na luta contra os males que preocupam a sociedade. Entretanto, nos dias que correm – fruto da realidade contemporânea – O Camponês tem investido tempo para escrever versos com um conteúdo que revela alguma angústia em relação ao regime de governação vigente.
Stoelwart Kazuru inspira-se na poesia de combate e relaciona isso com a sua experiência durante os 16 anos de guerra no país, logo depois da proclamação da independência. Aliás, ao longo dessa época, O Camponês vivia num Seminário onde protagonizava actividades culturais como, por exemplo, os saraus em que declamava poesia, cantava e apresentava peças teatrais.
Gostar de escrever
O Camponês começou a apreciar a arte de escrever a partir de 1971, altura em que se envolveu na vida militar. Tinha um bloco de notas no qual anotava as peripécias mais importantes que decorriam durante os treinamentos. Quando, em 1984, assumiu o cargo de administrador abandonou o canto e a dança e passou a dedicar-se exclusivamente à escrita. Iniciou-se assim uma paixão pela literatura de que ainda não se orgulha, muito em particular porque nenhuma das suas obras foi editada.
“Comecei a escrever em 1984 e, quando iniciei, tudo parecia brincadeira. Apliquei-me continuamente até que consegui compilar os meus três livros que ainda não estão publicados por falta de patrocínio”, refere acrescentado que, infelizmente, a maior parte dos artigos se perdeu na convulsão da guerra.
Publicar o livro
De todos os empresários de quem se aproximou a solicitar apoio – para o efeito – nenhum se prontificou a financiar a publicação dos livros de O Camponês. É isso o que, em parte, obsta o seu desenvolvimento artístico como escritor. Afinal, é preciso ter a reacção e a crítica dos leitores.
Desesperado, O Camponês acabou por pedir apoios ao ministro dos Combatentes, bem como à governadora de Nampula. No entanto, até os dias actuais, nenhuma resposta – mesmo negativa – lhe foi dada. “A esperança é a última virtude que um Homem perde. Por isso, enquanto eu estiver vivo tenho a certeza de que um dia o meu livro será publicado”, afirma O Camponês que está decidido a seguir o seu sonho.
Se O Camponês pudesse orientar os acontecimentos em favor próprio, a primeira obra que se publicaria chama-se A Vida É Um Serviço. A explicação para a escolha do tema – como explica o autor – é simples: “ no dia-a- -dia uma pessoa deve exercer uma tarefa que lhe dê alguma identidade”. Entretanto, enquanto as condições para publicação dos seus livros não se criarem, O Camponês declama os seus textos em eventos festivos locais, incluindo nalguns programas da Rádio Moçambique. Na verdade, são necessários 200 mil meticais para que o sonho de ter uma publicação se torne realidade.
Não há vontade política
Face à realidade actual, Stoelwart Kazuru inquieta-se com um problema que ele chama falta de vontade política do governo de Nampula, a fim de que a sua obra seja publicada. Além do mais, há muitos jovens que, presentemente, se engajam na literatura. “Há muitos jovens que se dedicam à literatura, mas o Governo não os agarra com as duas mãos. Por isso, corremos o risco de perdê-los”.