Cerca de um ano após a entrada em vigor da Lei de Probidade Pública (LPP), a Lei n.º 16/2012, de 14 de Agosto, alguns servidores públicos e titulares de cargos públicos ainda não se conformaram com os comandos legais previstos na referida lei e continuam a obter ganhos em proveito próprio, de terceiros e enriquecem à custa do Estado.
Segundo o Centro de Integridade Pública (CIP), na sua publicação de Setembro, edição 14, a inconformidade com os comandos da Lei n.º 16/2012 verificam-se particularmente no Capitulo II artigos 33 e seguintes, versando sobre matéria relacionada com conflito de in-teresses; o artigo 37 alínea c) que versa sobre relações de parentesco e de afinidade; o artigo 39 alíneas b), e c) sobre relações patrimoniais do servidor público; o artigo 43 líneas a) e b) onde se faz referencia ao uso ilegítimo da qualidade de servidor público no recurso a informação pública privilegiada ou classificada para obtenção de ganhos individuais ou uso desta em proveito próprio ou de terceiros, estando vedada ao restante público.
O desacordo com a referida Lei ocorre em relação ao artigo 46 n.º 1 alíneas a) e c) que versa sobre os deveres específicos do ex-servidor público no sentido de que este está proibido de actuar de forma a obter da antiga instituição vantagens indevidas para si ou para terceiros e fazer uso para si ou para terceiros de informação classificada relativa a entidade para a qual tenha trabalhado.
Compulsando a Base de Dados de Interesses Empresariais, se constata a existência de um conjunto de servidores públicos, ministros e ex-ministros entre outros funcionários de topo na administração pública, que são proprietários de empresas a vários títulos (como sócios, accionistas ou proprietários em nome individual), que nalguns casos foram constituídas no período em que os mesmos já estavam a dirigir ministérios ou órgãos que tem como competências fiscalizar as actividades desenvolvidas por essas mesmas empresas, ou que as constituíram imediatamente à cessação do exercício de funções na esfera pública, o que vem revelar o aproveitamento por parte destas figuras de seus anteriores cargos de natureza pública ou ainda dos actuais titulares de cargos públicos ou de servidores públicos, em beneficio próprio ou de terceiros.
Os casos mais elucidativos são: No ano de 2001, o ex-ministro da Turismo e actual titular da pasta da Juventude e Desportos, Fernando Sumbana Júnior que também já ocupou o cargo de director do Centro de Promoção de Investimento criou a firma Final – Financiamentos, Investimentos e Agenciamentos, Limitada, tendo como objecto social a gestão da propriedade imobiliária, turística, parques industriais, construções, bem como o exercício de toda e qualquer actividade afim. No período em que esta empresa foi criada, Sumbana era ministro do Turismo e por conseguinte dominava pelo exercício de tais funções os principais dossiers relacionados com o objecto social da empresa que dirige.
Em 2011, Tobias Dai, ex-ministro da Defesa Nacional durante o último mandato do ex-Presidente Joaquim Chissano e no primeiro mandato do actual Presidente Armando Guebuza, criou a firma Necochaminas, Limitada que tem como objecto social desminagem comercial, clarificação e limpeza das zonas minadas, desminagem dirigida dentro e fora do país, utilizando a mão-de-obra moçambicana ou estrangeira, compra e venda de equipamento de desminagem, contratar e ser subcontratado para actividades de desminagem dentro e fora do país. Pelo tempo que se manteve no exercício das antigas funções, Tobias Dai possuí informação privilegiada sobre o sector onde opera a sua empresa.
O ex-ministro dos Recursos Minerais e Energia, Castigo Langa também não foge ao padrão que aqui é descrito, atendendo que após a sua saída das funções de ministro que se encontrava ao leme do anterior sector das minas e energia, em 2007 criou a firma Marrangue Engineering, Limitada, que tem como objecto social a realização de consultorias, estudos e projectos de engenharia electrotécnica, a execução de obras e prestação de serviços no domínio de engenharia electrotécnica, a produção, transformação e comercialização de energia eléctrica. O seu portfólio empresarial no sector que dirigia estende-se também a mineração onde detém a firma Mozouro Recursos, Limitada que se dedica a prospecção, pesquisa e exploração de recursos minerais, comercialização de ouro e outros recursos minerais incluindo pedras preciosas e serviços de consultoria na área mineira.
A actual ministra para Coordenação da Acção Ambiental, Alcinda Abreu, cujo ministério tem a competência de realizar estudos de impacto ambiental nos mais diversos sectores, incluindo o extractivo, de modo aferir se as companhias que se encontram a desenvolver actividades de exploração mineira cumprem com todas as medidas a evitar danos ambientais, também é uma empresária activa no sector mineiro. Alcinda Abreu através do seu Grupo VIDERE é proprietária de duas empresas, nomeadamente a South Orient, Limitada cujo objecto social visa o investimento em recursos minerais e a VINDIGO S.A, cujo objecto social prevê a exploração de recursos minerais, prospecção, pesquisa e exploração de recursos naturais, prestação de serviços nas áreas mineira, petróleo e gás natural. Mais um caso de árbitro em causa própria.
No dia 14 de Fevereiro de 2011, o senhor Joaquim Jorge da Costa Khálau, filho do actual comandante geral da Polícia da República de Moçambique Jorge da Costa Khalau junto com um grupo de sócios constitui a empresa de segurança Macro Segurança, Limitada, que tem como objecto social a actividade de protecção e segurança de pessoas, património, bens e serviços, serviços de vigilância e o controlo de acessos, permanência e circulação de pessoas em instalações, edifícios, espaços e locais fechados ou vedados.
O titular da pasta da Agricultura José Pacheco, através da CONJANE, LIMITADA empresa em que tem como sócios David Simango e Felício Zacarias, em 2010 junto com a empresa DRZMAPA-SERVICOS DE ENGENHARIA S.A, criaram a firma Romazindico, Limitada que tem no seu amplo objecto social, algumas áreas que estão sobre alçada do ministro tais como: o corte e execução de madeiras e a produção agrícola.
Filipe Nyussi, actual ministro da Defesa, em 2005 quando ocupava o cargo de Presidente do Conselho de Administração da empresa pública Portos e Caminhos de Ferro de Moçambique constitui junto com um grupo de sócios a firma SOMOESTIVA – Sociedade Moçambicana de Estiva, S.A.R.L. que tem como objecto social o manuseamento de carga nacional e em trânsito internacional a bordo e fora dos navios atracados nos portos de Maputo, Inhambane, Beira, Quelimane, Macuse, Nacala e Pemba, estiva e serviços auxiliares de estiva, manuseamento de carga a bordo dos navios ancorados ao largo em caso de necessidade.
Embora se possa argumentar que tais empresas foram constituídas numa altura em que ainda não tinha entrado em vigor o actual quadro normativo de probidade pública, é importante salientar que estas individualidades, logo que a lei entrou em vigor, deviam se ter conformado a ela, obedecendo o que esta preconiza, pois mesmo com a existência do princípio da não retroactividade, este comporta excepções para situações como estas que visam em primeira e ultima instância regular de forma melhorada o quadro legal sobre a matéria e não pessoas em concreto, com o intuito de prejudicá-las. Daí que as personalidades ainda envolvidas neste tipo de situações devem ser chamadas ao cumprimento escrupuloso do previsto na lei, através da entidade competente, no caso, a Comissão Central de Ética Pública (vide artigo 50 da LPP que fixa as atribuições da comissão) que legalmente deve fazer a administração ou gestão do sistema de conflito de interesses, demonstrando assim independência e equidistância na sua actuação.