A primeira impressão com que se fica do município de Gurúè, na província da Zambézia, é de que nada foi feito nos últimos cinco anos. Ruas sem asfalto, saneamento precário, bairros desordenados e acesso deficitário a água potável são apenas alguns dos problemas que dão àquela urbe características de um vilarejo abandonado à sua própria sorte. Mas, por alguma razão, aquela autarquia, onde grande parte da população passa por enormes privações, é considerada uma cidade.
Na “porta” de entrada da cidade, os vastos e verdes campos de chá sobressaem aos olhos, porém, no centro da urbe o estado em que se encontra Gurúè é bastante preocupante. Quem visita a terceira principal autarquia da província da Zambézia não fica indiferente relativamente aos sinais de abandono que estão estampados em quase todas as partes. A situação de total desamparo preocupa os munícipes que não disfarçam os sentimentos de desconforto e vergonha quando instados a fazer um comentário sobre a circunscrição. Até porque o município, sob a gestão de José Aniceto, vive no meio de dificuldades sem fim à vista, nomeadamente o acesso deficitário a água e a saúde, o desordenamento territorial, as estradas sem asfalto e o alto nível de desemprego, sobretudo em relação aos mais jovens.
Na verdade, um misto de tristeza, desapontamento e vergonha é o sentimento estampado nos rostos dos munícipes daquela cidade perdida no meio dos vastos campos de chá. Justamente indignado, Manuel de Sousa, de 53 anos de idade, lamenta a situação deplorável em que se encontra o município de Gurúè onde reside há aproximadamente 30 anos. Natural do distrito de Mocuba, Sousa escolheu aquela autarquia para fixar a sua habitação porque acreditava no desenvolvimento da urbe. Porém, presentemente, guarda na memória lembranças dos tempos em que era um local agradável de se viver, e desabafa: “É impressionante como a cidade se foi degradando com o tempo, mesmo com um governo local eleito, as vias de acesso continuam sem asfalto e os munícipes vivem à mercê de promessas”.
Ver o município com uma nova imagem é o sonho de alguns munícipes, que vem sendo adiado há mais de 40 anos. Nascido em Gurúè há sensivelmente 48 anos, Aníbal Amamando diz-se preocupado com a actual situação da cidade que o viu nascer. “É importante que se sublinhe que o estado em que se encontra a cidade é, na verdade, resultado de falta vontade política, ou melhor, de desleixo por parte da edilidade”, afirma Amamando, residente no bairro Eucaliptal.
Nos dias que correm Gurúè transformou-se numa urbe, por assim dizer, vermelha. E os problemas que apoquentam os munícipes crescem de forma galopante todos os dias. Furibunda, Páscoa Francisco, moradora do bairro 1º de Maio, anda revoltada com a realidade que se vive naquele ponto do país e diz não ter motivos de orgulho da autarquia onde reside há precisamente 15 anos. As razões são várias, com destaque para a degradação das vias de acesso, escassez de água potável e o deficitário sistema de saneamento do meio.
Estradas e saneamento do meio
Volvidos sensivelmente cinco anos, os problemas de natureza diversa continuam a colocar a nu a ineficiência do Conselho Municipal daquela urbe que ocupa uma extensão de 107 quilómetros quadrados. A começar pelas vias de acesso. Quase todas as estradas do município não têm asfalto, sendo todas elas de terra batida, algumas esburacadas, e não oferecem as mais elementares condições de transitabilidade. Nesta componente, quase nada foi feito nos últimos tempos, ou seja, não houve nenhuma intervenção digna de registo.
Além disso, com o andar do tempo e perante a apatia da edilidade, a cidade tem vindo a perder a sua beleza arquitectónica. No centro da urbe, quase todos os edifícios que formam a parte de cimento da autarquia possuem um aspecto abandonado, uma vez que a areia vermelha passou a colorir os mesmos, na sua maioria degradados e não só, desfigurando as linhas arquitectónicas de uma vila projectada no século XIX para uma população não superior a 10 mil pessoas. Hoje em dia, Gurúè é um amontoado de infra-estruturas que formam uma paisagem áspera.
O município, com uma população estimada em 300 mil habitantes, é um lugar onde as condições de vida definham a cada dia que passa. Além do mais, a primeira impressão com que se fica de Gurúè a é de que nada foi feito nos últimos 15 anos – desde que a urbe foi elevada à categoria de autarquia – para melhorar a vida dos munícipes. Na verdade, essa realidade não só se constata nos comentários dos residentes, mas também quando se dá uma volta por aquela paupérrima circunscrição.
Nessas estradas poeirentas de Gurúè, um outro problema sobressai aos olhos dos transeuntes: o lixo, o que revela, logo à partida, um deficitário sistema municipal de gestão de resíduos sólidos. Os detritos, principalmente resultantes do comércio informal, têm vindo a tomar de assalto a autarquia.
De forma geral, o saneamento do meio é dramático, sobretudo nos bairros periféricos, onde se encontram pouco mais de 90 porcento dos munícipes. A área de cobertura de serviço municipal de recolha de lixo limita-se à zona considerada de cimento. Como alternativa, os moradores da zona suburbana depositam os resíduos sólidos ao ar livre.
A edilidade ainda não dispõe de uma lixeira com todas as condições necessárias para o tratamento de resíduos sólidos. Outra questão preocupante relaciona-se com a falta de sanitários públicos, principalmente nos locais de grande concentração humana, como, por exemplo, os mercados.
Uma cidade com problemas graves de escassez de água potável
À semelhança de outros municípios moçambicanos, o acesso a água potável é uma dor de cabeça na cidade de Gurúè. Mas nesta autarquia, o problema verifica-se com maior intensidade. A maior parte dos bairros debate-se com a falta do preciso líquido para consumo humano e essa situação afecta directamente pouco mais da metade dos residentes.
Todos os dias, os munícipes passam pelo drama de não ter água potável. Grande parte não se lembra da última vez que a água jorrou na torneira das suas respectivas casas e vive à mercê de promessas de que a situação há-de mudar. Apesar de nos últimos anos ter aumentado o fornecimento de água, a população continua a caminhar longas distâncias para obter o precioso líquido. A título de exemplo, Aldina Mhuila, residente no bairro Muela, frequentemente, é obrigada a caminhar pelo menos três quilómetros, mais para o interior da cidade, para ter acesso àquele bem essencial. “Um dia temos água e durante uma semana não temos. É, na verdade, uma situação bastante complicada para todos os moradores”, desabafa.
Desordenamento territorial
Apesar de ser um centro urbano, Gurúè apresenta características rurais. Nos últimos 42 anos de elevação à categoria de cidade, a população cresceu de forma drástica, porém a estrutura da urbe não seguiu o mesmo caminho, tendo-se estagnado e, diga-se, vai minguando sob o olhar indiferente das autoridades municipais que não apresentam um plano eficaz de renovação do município. Gurúè encontra-se parada no tempo, pese embora tenha passado a dispor de algumas infra-estruturas modestas. Mas os problemas, esses, sublinhe-se, continuam a crescer de forma impetuosa.
Como reflexo da explosão demográfica, o desordenamento territorial é um dos problemas que salta à vista quando se circula pelos bairros periféricos do município. Não se pode falar de urbanização na cidade de Gurúè. Todos os dias, cresce o número de construções desordenadas com materiais não convencionais, na sua maioria nas zonas de grande risco, uma vez que a cidade é propensa à erosão. Os bairros 1º de Maio e Cerra são algumas das zonas residenciais críticas onde se assiste a um índice crescente de edificação anárquica.
Saúde e Transporte
O acesso à saúde ainda não é satisfatório. A nível de distrito, Gurúè conta com 12 unidades sanitárias, sendo um hospital rural, igual número em termos de postos de saúde e o resto referente aos centros de saúde. Apesar disso, o dilema continua a ser o tempo de espera para se obter atendimento médico.
Não existe transporte público na autarquia de Gurúè. A circulação de pessoas e bens é garantida por pequenos operadores de moto-táxis, quase todos exercendo a actividade de modo informal. O custo mínimo da viagem é 20 meticais, o que é oneroso para grande parte da população. Em alternativa, os munícipes optam por andar a pé.
Desemprego
No município de Gurúè, o nível de desemprego é bastante acentuado. Os jovens são os mais afectados com essa situação, o os obriga a procurar alternativas de sobrevivência. Alguns entregam-se ao trabalho sazonal de colheita de chá, e outros recorrem ao comércio informal que cresce em paralelo com o mercado formal.
A actividade fora do circuito normal tem vindo a crescer de forma impressionante, o que reflecte o número de desempregados. Gonçalves Belarmino terminou a 12ª classe há mais de cinco anos e mostrava-se frustrado com a falta de oportunidades de emprego naquele município. Para fazer face à situação, o jovem optou por se dedicar ao comércio de roupa usada. “Tinha de encontrar uma maneira de ganhar o meu sustento diário. Comecei por vender produtos de primeira necessidade, mas não tive sucesso e, mais tarde, optei pela venda de vestuário”, conta.
Perfil do distrito de Gurúè
Localizada no distrito com o mesmo nome, antes da independência nacional, Gurúè era conhecido por Vila Junqueiro. Foi elevado à categoria de cidade em 24 de Fevereiro de 1971. Hoje, administrativamente, é um município com uma população estimada em 300 mil habitantes. O distrito conta com mais de 297 mil pessoas, distribuídas por mais de 50 mil agregados familiares, e tem uma superfície de 5.606 km².
Gurúè ainda é uma das urbes moçambicanas cujo desenvolvimento social e económico continua adiado. Há anos que não recebe investimentos de vulto e isso reflecte-se no estado em que se encontra a cidade. O distrito é um potencial produtor de chá, um sector que emprega, directa ou indirectamente, milhares de pessoas.