Duas mães estão desesperadas e vivem dias de angústia à procura dos filhos desaparecidos, há semanas, nos bairros de Muahivire-Expansão e Natikiri, na cidade de Nampula. A aflição aumenta a cada dia que passa porque elas ainda não têm quaisquer informações sobre o paradeiro dos petizes e rezam regularmente para que nada de pior tenha acontecido.
Yanick Belmonte Macedo, de um ano e nove meses de vida, desapareceu da casa dos pais numa segunda-feira, 15 de Julho último, por volta das 16 horas, na zona de Mutotope (Muahivire-Expansão), naquela urbe. Na altura, ele estava sob a protecção de alguém enquanto os progenitores se encontravam no serviço.
Latifa Belmonte, que não vê o filho desde aquele dia, constantemente derrama lágrimas por temer que o pior aconteça ao menino, uma vez que na sociedade há indivíduos de má-fé capazes de fazer mal a uma criança inocente.
Na sua insistência de entrar em contacto com os supostos indivíduos que lhe podem fazer rever o filho, Latifa está sempre com o telemóvel na mão. Em cada chamada que recebe o desejo de ouvir uma voz a anunciar o paradeiro do filho, ir ao seu encontro e abraçá-lo novamente extravasa o seu coração.
Ao @Verdade, a progenitora assegurou que tem recebido várias mensagens e chamadas telefónicas de pessoas a alegarem que têm notícias sobre o paradeiro do seu descendente. Marcam-se encontros com vista a ter o filho de volta ao convívio familiar, mas quando retorna as ligações os números através dos quais recebe as informações estão fora de serviço.
Entretanto, algumas vezes, ouve, com melancolia, vozes melódicas de secretárias electrónicas, uma a dizer que “neste momento não é possível estabelecer a ligação que deseja”, sugerindo, com gentileza, que “ligue mais tarde”. Outra anuncia que “o número para onde ligou não está acessível de momento”, e com obséquio aconselha-se-lhe que “volte a tentar mais tarde”.
Três dias depois de Yanick ter saído da vista dos pais, a Polícia de Investigação Criminal (PIC) começou a trabalhar com vista a localizar o menor, porém, até hoje não há nenhuma novidade. Os parentes veiculam anúncios nas rádios, nas redes sociais e afixam panfletos com a imagem do petiz mas, também, estas medidas ainda não resultaram em nada.
Devido a essa situação, Latifa tornou-se uma mulher que vive em permanente sacrifício, priva-se de alimentos por espírito de penitência e como sinal de adoração ao seu menino que continua em parte incerta. “É difícil, mas vou horando e pedir a Deus para que, caso o meu filho esteja fechado numa casa, apareça uma bênção que abra a porta e o solte”.
Ainda na cidade de Nampula, Cidália Adelino, de dois anos de idade, desapareceu da casa dos pais, por volta das 17 horas, na unidade comunal Teacane (Natikiri), há dias. Na altura, os seus progenitores encontravam-se no mercado. Desde aquele dia, a mãe, Joana Ernesto, procura impacientemente pela filha. Por não ter nenhuma pista sobre o sítio onde a menina está, ela teme, igualmente, que o pior aconteça com a miúda.
Joana também acredita num milagre de divino mas ao mesmo tempo recorre aos curandeiros para saber em que lugar a descendente se encontra. “Fui até aos médicos tradicionais para ver se podia recuperar a minha filha”.
As duas progenitoras pedem a quem souber do paradeiro dos meninos para que as informem imediatamente. A Polícia também não tem notícias. Contudo, a partir do momento em que a segunda criança foi “afastada” dos pais, a corporação sentiu-se desconfortada e já relaciona os dois casos com um possível tráfico de menores dadas as circunstâncias em que os meninos desapareceram.
Miguel Bartolomeu, porta-voz da Polícia da República de Moçambique (PRM) em Nampula, suspeita ainda que as crianças tenham sido levadas por pessoas de má-fé que queiram aterrorizar as suas famílias. Aliás, o oficial desconfia igualmente que seja a mesma pessoa, ou grupo de indivíduos que protagonizaram a acção que deixa as duas mães com os nervos à flor da pele.
Refira-se que em 2003 houve vários casos que davam conta de que existia uma rede de traficantes de órgão humanos e as principais vítimas eram crianças. Nessa altura, Maria Elilda dos Santos, irmã brasileira, uma das denunciantes do referido grupo, apesar de ter mostrado algumas provas em relação à denúncia que fazia, foi expulsa do país alegadamente porque criava uma onda de desestabilização.
No mesmo ano, o arcebispo de Nampula, D. Tomé Makhweliha, e o Reitor do Seminário Inter-Diocesano, Pe. Carlos Alberto Gaspar Pereira, endereçaram uma carta ao Procurador-Geral da República, através da qual pediam uma investigação aturada sobre os raptos de menores. Todavia, nunca se divulgou nenhum resultado a respeito disso.
A nossa Reportagem ouviu alguns cidadãos sobre o desaparecimento de Yanick Macedo e Cidália Adelino, os quais disseram que este caso não constitui nenhuma surpresa para a cidade de Nampula, uma vez que, no passado, dezenas de crianças foram afastadas dos progenitores por pessoas desconhecidas, nunca mais foram encontradas e nenhuma autoridade investigou com vista a saber que fenómeno era esse.
Armindo Munamapa, residente no bairro de Muatala, assegurou-nos que na sua zona já “sumiram” alguns petizes. Paulo Cristóvão, natural do distrito de Nacala-Porto, garantiu-nos também que em Nacala e noutros pontos doa país acontecem coisas idênticas e muitas famílias têm entrado em desespero. Contudo, os autores desses actos dificilmente são descobertos por causa, em parte, da falta de vontade do Governo.
O @Verdade ouviu igualmente um sociólogo e activista da sociedade civil em Nampula, António Mutoua. Segundo ele, o desaparecimento de menores não é uma coisa nova, pois nos anos passados houve relatos de casos semelhantes.
O nosso entrevistado associa o problema à presença massiva de estrangeiros, maioritariamente oriundos de alguns países africanos que se encontram em conflito. “Fazem-se passar por refugiados mas, volvidos alguns anos, já são grandes empresários a movimentarem somas avultadas de dinheiro. De onde provém o capital inicial?”, perguntou Mutoua.
“Não quero responsabilizar os estrangeiros, mas há que se investigar, sobretudo, a forma como eles, em menos de um, dois ou três anos, conseguem enriquecer com negócios que muitas vezes não se consegue perceber”, sugeriu o sociólogo, para quem na província de Nampula pode haver tráfico de seres humanos.