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Futebol Feminino: Quem são as (verdadeiras) campeãs nacionais?

Futebol Feminino: Quem são as (verdadeiras) campeãs nacionais?

A União Desportiva de Lichinga sagrou-se, no último domingo (28 de Julho), vencedora da edição 2013 do Campeonato Nacional de Futebol Feminino. O @Verdade, nesta semana, publica o extracto da conversa que manteve com Marcelino Romão, delegado e membro sénior da direcção daquela colectividade.

É sabido que Niassa é uma província com pouca expressão a nível do desporto moçambicano. Aliás, raramente se fala da mesma quando o assunto em análise afecta o campo desportivo.

Contudo, aquela província, neste ano, surpreendeu tudo e todos ao pousar no trono do futebol feminino nacional, através da improvável União Desportiva de Lichinga, uma colectividade que se julga ter atingido o objectivo da sua existência: erguer mais alto o nome da província de Niassa.

Somente para introduzir, as novas campeãs nacionais pertencem a um clube com poucos recursos ou, diga-se, em abono da verdade, praticamente inexistentes. E é em torno dessa discordância que nesta semana publicamos a conversa tida com o delegado e membro sénior da direcção da União Desportiva de Lichinga, o indivíduo que acompanhou aquela equipa do primeiro até ao último minuto do Campeonato Nacional de Futebol Feminino, prova que teve lugar na cidade de Nampula.

@Verdade (@V) – Como é que surgiu a União Desportiva de Lichinga?

Marcelino Romão (MR) – A União Desportiva de Lichinga surgiu em 2007, com o objectivo de competir a nível dos bairros desta cidade. Naquela altura recebíamos muitos convites de equipas desta região de Niassa pelo que, a dada altura, notamos que a capacidade e a vontade das jogadoras eram outras, superando a dimensão do recreativo. Foi a partir daí que decidimos formalizar a equipa em Janeiro de 2008 passando, a partir deste período, a competir em provas oficiais organizadas pela Associação Provincial de Futebol de Nampula (APFN).

Um ano mais tarde conquistámos o nosso primeiro troféu, de campeãs provinciais. Fomos, nessa qualidade, ao nosso primeiro Campeonato Nacional de Futebol Feminino que decorreu na Beira, onde conseguimos, fruto do nosso esforço, alcançar a quinta posição. Como primeiro ano para nós foi um excelente resultado. Aliás, fomos à Beira com o simples objectivo de ganhar experiência.

Depois desse certame criámos condições para evolucionar o nosso clube, contratando mais jogadoras e montando uma es- trutura desportiva própria, de modo a trazer robustez à colectividade. Fruto disso, até ao presente, só coleccionámos troféus nos campeonatos provinciais realizados até hoje. Mas é importante sublinhar, também, que ao longo deste percurso perdemos al- gumas atletas que preteriram o futebol para prosseguirem com a vida profissional e/ou privada.

@V – É possível caracterizar as atletas da União Desportiva de Lichinga?

MR – O nosso plantel é constituído basicamente por atletas que já concluíram os estudos, refiro-me ao nível médio. E porque o emprego nesta província e o ingresso noutros níveis de ensino têm sido difíceis, elas decidem abraçar o futebol como forma de evitar o seu envolvimento em actos ilícitos, práticas comuns da juventude em Lichinga, como é o caso de consumo excessivo do álcool, das drogas e a prostituição.

@V – O clube conta com algum apoio, sabido que foi fundado por um grupo de jovens?

MR – Nós contamos com o apoio de Estêvão Maeval, um em- presário local que abraçou a causa desta colectividade desde o seu primeiro minuto de existência. Para além de prestar apoio material e financeiro sempre que dele precisamos, ele tem acarinhado e encorajado as jogadoras a abraçarem este projecto pelo que posso afirmar, sem medo, que ele é o responsável pela existência do clube até aos dias que correm. Sem ele, acredito, a União Desportiva de Lichinga não existiria. Mas, por outro lado, tenho de exaltar a contribuição que os pais e encarregados de educação, de forma individual, têm feito à equipa através da oferta de material desportivo como chuteiras.

@V – E o que tem a dizer no que diz respeito ao apoio do governo sabido que é, digamos, o único clube de futebol que con- segue hastear o nome da província de Niassa?

MR – É de lamentar este aspecto. Eu acho que o futebol feminino está relegado ao esquecimento em Niassa. Não consta dos planos do nosso governo; não está nas previsões do município; e não recebe apoio de nenhuma instituição governamental. A título de exemplo, na nossa deslocação a Nampula para participar no Campeonato Nacional de Futebol Feminino remetemos, com a devida antecedência, pedidos de apoio ao governo provincial.

O que sucedeu foi que, à última hora e contrariamente às nossas reais necessidades, foram alocados 40 litros de combustível para abastecer a viatura que iria transportar a equipa de Lichinga a Nampula. Não quero, com isso, dizer que nos sentimos injustiçados, até porque acho que não é dever do governo prestar qualquer tipo de apoio.

Mas se nós estamos a representar uma província, entendo que merecíamos maior atenção, sobretudo dos dirigentes locais. As pessoas precisam de perceber, também, que o futebol não trás nenhum lucro financeiro imediato com que possam subsistir os clubes em Moçambique. É preciso que as pessoas unam os seus esforços por uma causa comum. A União Desportiva de Lichinga já demonstrou a sua capacidade de elevar o nome de Niassa a nível nacional.

@V – Em termos de infra-estruturas, a União Desportiva tem algum campo próprio?

MR – A falta de uma infra-estrutura desportiva é um grande mal que nos assola. Neste momento estamos a treinar em dois campos, sendo o pelado que se localiza num dos bairros da cidade de Lichinga, e o outro relvado do campo municipal, este último que temos usado em período de preparação para as grandes “batalhas”, como são os casos dos campeonatos provinciais e nacionais.

Este último importa referir que é usado mediante o pagamento de quinhentos meticais por semana, alegadamente porque tem de se restaurar a relva, o que nos obriga a recorrer aos bolsos dos nossos atletas e treinadores.

@V – Sendo esta a primeira vez que ganha um título nacional, qual é a análise que faz das anteriores participações da equi- pa nos certames organizados pela Federação Moçambicana de Futebol?

MR – As anteriores edições foram para ganhar experiência. Nesta última edição notou-se uma entrega total das atletas, de peito aberto e sem medo. Foi excepcional observar uma equipa que defronta adversários de todo o país de forma natural e em igualdade de circunstâncias. A nossa meta é sempre melhorar os nossos resultados, pelo que neste ano era inevitável levantar o troféu.

Só para elucidar, no primeiro ano que fizemos parte de um campeonato nacional ficámos no quinto lugar da tabela classificativa geral; no segundo terminámos na quarto antes de, no ano passado, termos conquistado a segunda posição. Ademais, cinco das nossas atletas fizeram parte da selecção nacional feminina, tendo alinhado como titulares em todos os jogos que participaram. Mas isso não pode, de jeito nenhum, envaidecer-nos. Pelo contrário. Nós temos de continuar a tra- balhar com vista a reforçar este projecto.

@V – Depois de ter conquistado o troféu nacional, o que se pode esperar da União Desportiva de Lichinga?

MR – A nossa luta, ainda que seja utopia para muitos, é ver as nossas atletas a praticarem futebol noutros palcos, sobretudo os internacionais, em campeonatos com maior visibilidade e competitividade como é caso de Angola. Mas internamente queremos continuar a ganhar mais títulos, tanto na província como a nível nacional.

Estamos cientes de que, para isso, é preciso encontrar formas de tornar o clube cada vez mais sustentável, diferentemente do que sucede hoje, em que somos obrigados a estender a mão para satisfazer algumas necessidades básicas. É inadmissível, por exemplo, que como clube tenhamos de “mendigar” combustível para as nossas deslocações para fora da província.

@V – Qual é a “factura” anual para tornar o clube sustentável?

MR – Nas nossas contas e planos julgamos que precisamos de quinhentos mil meticais por ano. É desse valor de que carece- mos para realizar todas as actividades programadas, bem como satisfazer as nossas (reais) necessidades básicas, desde a aquisição de equipamento desportivo, lanche para as atletas e equipa técnica, até às deslocações da equipa. Mas é preciso afirmar que sempre trabalhámos com os poucos recursos que temos. Só para dar um exemplo, neste “Nacional”, que teve a duração de uma semana, tivemos um orçamento de apenas trinta mil meticais que chegou apenas para alimentar a nossa delegação.

@V – Quais são os conselhos que deixa para que o futebol fe- minino no país possa registar melhorias?

MR – Eu acho que é preciso que o futebol feminino no país tenha bases, ou seja, que se torne possível a sua praticabilidade a nível dos bairros, a nível das províncias e, no “Nacional”, que seja dotada de melhores condições, tal como acontece, por exemplo, com o futebol masculino. Nós os clubes temos de pensar mais na componente da formação, movimentando mais escalões. Por último gostaria de ver os vencedores das competições nacionais ganharem prémios monetários e não somente taças.

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