

A África do Sul vai às urnas no dia 22 de Abril para eleger um novo parlamento que, por sua vez, escolherá um novo presidente. Como a eleição de 1994 marcou o fim do apartheid, este pleito constituirá um duplo momento de viragem: o fim da era Mandela e o início formal do braço-de-ferro entre Zuma e Mbeki.

As causas da actual divisão são várias e incluem o próprio Mbeki, demitido quase à força do cargo de Presidente da República, em Setembro passado, num caso sem precedentes na política do país do arco-íris. Passado pouco tempo, os seus simpatizantes mobilizaram-se e formaram o COPE (Congress Of the People) que concorre já às eleições do próximo dia 22, sendo, sem dúvida, uma das grandes novidades que este pleito apresenta. Com receio de que o patriarca Mandela pudesse desertar para o novo partido, o ANC enviou imediatamente um pequeno avião para transportá-lo a um dos seus comícios, desfazendo, assim, as dúvidas em relação ao apoio desta magna figura.
Mas o COPE não é o único partido que desafia a maioria de 2/3 do ANC no Parlamento. Também a Democratic Alliance (DA), até agora a oposição oficial ao ANC, surge com aspirações renovadas. Com 12,37% do total de votos a nível nacional em 2004, esta coligação, que teve origem no antigo Democratic Party, de Tony Leon, – a única oposição tolerada pelo regime do apartheid – é a única que hoje contraria a hegemonia nacional do ANC, detendo o Governo da província do Cabo Ocidental. Aliás, na presente campanha eleitoral, a sua líder, Helen Zille, presidente do município do Cabo, já afirmou que espera obter pelo menos 50% dos votos nesta região, conservando o governo provincial. A DA debate-se sobretudo com um estigma: fazer cair a máscara de partido defensor da classe branca privilegiada. Enquanto isso não suceder, se é que algum dia irá suceder, será muito difícil atrair parte substancial do eleitorado negro – 80% dos votantes – decisivo para a conquista de uma vitória nas urnas.
Em queda livre está o Pan-Africanist Congress (PAC), o partido inspirado nos ideais do primeiro presidente do Gana, Kwame NKrumah. Após ter desempenhado um importante papel durante o apartheid, o PAC entrou num irreversível declínio e hoje só possui um deputado num Parlamento de 400 lugares, o que corresponde a 0,73% de votos. Um factor que contribuiu grandemente para o enfraquecimento do PAC foi a saída da sua figura mais mediática, Patricia De-Lille, que decidiu formar o seu próprio partido o Independent Democrats (ID) nas vésperas das eleições de 2004. A ID acabou por obter mais votos que o PAC, conquistando 1,73%, maioritariamente no Cabo Ocidental.
Um dos partidos mais regionalistas e de forte componente étnica é o Inkhata Freedom Party (IFP) de Magossuthu Buthelezi, hoje com 80 anos. Esta formação política, que congrega a grande maioria do voto dos zulus, tem disputado com o ANC a província do Kwazulu Natal, embora sem a conseguir conquistar. Prevê-se, inclusive, que os 7% dos votos conseguidos em 2004, caiam para os 5% nestas eleições uma vez que o factor Zuma – ele próprio um zulu – possa atrair eleitores do Inkhata para o ANC.
Salvo um cataclismo, de todo inesperado, mau grado todas as desconfianças que existem em relação à sua inocência nos processos judiciais que enfrentou, Jacob Zuma será, seguramente, o novo presidente da África do Sul. Os poderes presidenciais irão dotá-lo de autoridade para alterar muitas coisas. É grande a probabilidade dos problemas com a Justiças desaparecerem como por magia após a sua investidura. Os juízes, tal como todos os seres humanos, são sensíveis aos desenvolvimentos políticos, por conseguinte as acusações serão um capítulo encerrado.
Se a vitória do ANC parece indiscutível, uma das perguntas mais pertinentes que se coloca é saber até que ponto o aparecimento do COPE poderá desgastar o partido no poder, uma vez que os principais promotores desta nova formação política estiveram também engajados na luta anti-apartheid. Os fundadores do COPE, o ex-ministro da Defesa do Governo do ANC, Mosiuia Terror Lekota, e o antigo presidente da COSATU (a união dos sindicatos sul-africanos) Mbhazima Shilowa, não lideram o partido nestas eleições. O congresso do partido, realizado em Fevereiro último, elegeu o bispo metodista, Mvume Dandala, como candidato à presidência. Embora seja um veterano da luta anti-apartheid, não é muito conhecido entre as massas. A racionalidade da sua eleição prende-se, sobretudo, com a necessidade de moralização da política. Ao invés da maioria dos líderes do ANC que já foram apanhados num ou noutro tipo de escândalo, Dandala goza da fama de impoluto e de incorruptível, havendo também quem aponte que poderá ter sido um piscar de olhos ao eleitorado cristão.
Um factor contra o novo partido foi o seu atraso para iniciar a campanha, principalmente se se pensar que se trata de uma formação nova que se quer dar a conhecer o mais rapidamente possível ao eleitorado. No início de Março, ainda havia muitas divisões internas na escolha dos candidatos aos diferentes cargos. Os pesos-pesados incluem nomes como Epainette Mbeki (mãe de Thabo Mbeki); Phumzile Mlambo Ngcuka, ex-ministro da Presidência; e Saki Makozoma, ex-membro do ANC e multimilionário. Mbeki permanece na sombra.
O COPE não tem focado nos seus discursos os fracassos do ANC devido aos rabos-de-palha, já que muitos dos seus líderes tiveram altas responsabilidades no Governo do ANC. Esta nova formação parece ser o partido da classe média negra, já com algumas posses, mas, apesar de tudo, em minoria. O grande trunfo do COPE tem sido demonstrar que com o ANC no poder a Justiça estará permanentemente ameaçada, porque o partido no poder foi tomado por gente sem escrúpulos e sem princípios.
Zuma, talvez para se redimir dos seus processos judiciais, tem efectuado promessas e mais promessas junto do eleitorado. Ele que é um verdadeiro homem do povo e faz questão de dizê-lo: “Nasci e cresci no seio do povo. Por isso conheço como ninguém os problemas do povo. E se eu compreendo os problemas do povo não é difícil relacionar-me com ele.” Este tem sido o seu apelo.
Com fraca escolaridade, este herói anti-apartheid é apreciado pela maioria do povo que facilmente se identifica com ele na dança, na canção e… na política.
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