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Uma família (simplesmente) Gran’Mah

Além da inédita paixão musical que possuem, no princípio não sabiam o seu nome. No entanto, como a ideia de serem os filhos da avó não lhes pareceu pejorativa, assumiram que são os Gran’Mah. Por vezes, no País do Pandza, não são honrados, o que os aborrece. Cantam “Raggae Fusion”, um dos estilos musicais da “World Music” e, como tal, é no mundo que querem impor Moçambique.

Quando em 2009, Moçambique celebrou 17 anos de Paz, um grupo de amigos (dentre os quais Luís Silva, Leopoldo Fernandes ou, simplesmente, Leo e Miguel Wilson), com uma paixão intensa pela música, uniu-se. Todos tinham experiências peculiares na área, mas aquele encontro era mesmo para brincar de musicar.

Como em Maputo os espaços para ensaiar são praticamente escassos – o que é pior para quem está a começar na música – a colectividade não teve outra alternativa a não ser ocupar a garagem da avó do baixista Leo, algures em Maputo.

“A nossa garagem sofreu transformações. Ela tinha um tecto de zinco, o que provocava ruídos, vertendo água sempre que chovesse. Não tínhamos instrumentos musicais próprios. Na verdade, no princípio, nem as nossas músicas soavam bem. Produzíamos mais barrulho do que outra coisa e não tínhamos vocalista”, esclarece o guitarrista Luís Silva.

Vários artistas – com destaque para vocalistas, já que nenhum dos instrumentista tem dom para cantar – concorreram para fazer parte da colectividade que teimava em nascer. O drama é que, segundo os membros se recordam, por motivos comportamentais e de antipatia, pelo menos 10 músicos – apesar de serem talentosos – foram reprovados e excluídos do conjunto Gran’Mah.

No seu laboratório musical, os artistas permaneciam muito tempo e ninguém os encontrava: – Onde é que estão os meninos? – Eles estão a ensaiar na garagem da avó do Leo. – Ok! Eles são os Gran’Mah Kids. É na base de um diálogo similar a este que – com a exclusão da palavra Kids – nasceram os Gran’Mah como uma banda, ou, pelo menos, é assim que o viola-baixo, Leopoldo Fernandes, narra.

Com o passar do tempo – mesmo sem vocalista – a banda passou a realizar concertos ao vivo. “No entanto, as pessoas não compreenderam que se tratava de um projecto novo. Estranharam-nos”, recorda-se Luís.

A formação dos Gran’Mah compreende três fases em que, na primeira, os instrumentistas tocavam por puro prazer, na segunda, procuram um vocalista, tendo-se encontrado uma jovem que depois – por incompatibilidade de agenda e circunstâncias – os abandonou, e, por fim – e assim espera-se – a marcada pelo ingresso da vocalista Regina Santos e do teclista Miguel Marques.

No reino da diversidade

Por qualquer razão, no início esta banda decidiu explorar, nas suas composições musicais, o “Raggae” e o “Dub”, com alguma exclusividade. Rapidamente, a opinião foi rejeitada pelo baterista, Miguel Wilson, que entendeu que os Gran’Mah – ainda que se definam como os autores do “Raggae Fusion” que resulta da fusão da Bossa Nova, do Rock e do Blues, aos dois primeiros géneros – deviam ampliar a sua esfera de acção e intervenção na música.

“Essa experiência é muito importante porque nos enriquece, traduzindo a ideia da diversidade que a nossa banda possui”, refere Luís Silva que é complementado por Leo para quem “isso não somente decorre no momento da criação como também no do seu consumo, porque nós ouvimos todos os estilos de música”.

No entanto, Miguel Wilson – o “Crazy man”, como também se identifica e, em palco com a sua bateria, se comporta – leva a discussão para um porto sublime. “Nós somos o verdadeiro sonho de Mandela, não obstante não estarmos a viver na África do Sul. Aceitamo-nos como um colectivo, respeitando as nossas diferenças”. A vocalista Regina Santos explica que “é difícil criar a miniatura comportamental dos Gran’Mah porque temos várias personalidades e acho que ninguém, de nós, deve perdê-las”.

Fazer música para o mundo

Perante a vibração do público que – em cada música exposta – interagia com os artistas, no Festival Azgo de 2013, é irrecusável a (boa) receptividade que os Gran’Mah têm perante os consumidores das suas obras. Eles são uma banda jovial que produz músicas para esse público, sem, no entanto, excluir outros grupos. Perante as suas obras, fica claro que a música é uma linguagem universal. Por isso, ainda que a chamem “Raggae Fusion”, nós preferimos dizer que eles se enquadram muito bem na rede “World Music”.

Até que ponto, no entanto, esta amplitude abrangente – em termos de mercado musical – se reverte/está a reverter-se em vantagem para a colectividade? O comentário de Kiuri Negrão, um velho amigo que se associou à banda que gere, é muito formal. “A nossa paixão pela música vem de diversas partes do mundo e é isso o que nos move a gerar obras com um impacto proporcional a todas as influências”.

Kiuri capitaliza os desdobramentos que a música percorre no mundo contemporâneo, explorando as vantagens desse mercado globalizado “em que as pessoas não estão fechadas num só alinhamento, tendo muitas fontes de acesso à música”.

Desvalorizada na (nossa) terra

Questionados sobre as facilidades de produzir obras de arte, tomando o exemplo de trabalhos discográficos, em Moçambique, Kiuri Negrão afirma que, tratando-se de um mercado pequeno, mais fechado, em que as pessoas devem batalhar arduamente para terem acesso a um estúdio musical – recorde-se de que aqui os artistas não ganham muito como no resto do mundo – é muito mais complicado conseguir muitos feitos na música.

Em relação ao assunto, Luís Silva é objectivo. Diz ele que, “infelizmente, aqui, em Moçambique, a música não é muito valorizada”. E não lhe faltam exemplos. “Qual é o estilo de música que as empresas de telefonia móvel financiam mais? Nem sequer arriscam em apoiar outros géneros”.

Luís Silva afirma que “não sei se o Moreira e o Jimmy Dludlu tivessem permanecido aqui estariam a ser reconhecidos como são agora. Eles são bons artistas, mas o problema é que, internamente, também temos artistas da mesma estirpe que não são devidamente honrados”.

O outro aspecto é que, em jeito de exemplo, no ano passado “nós concorremos na Vodacom Moçambique com um afro-house tocado por uma banda. A música foi preterida a favor de Pandza. Isso significa que nós, aqui, não temos muito espaço para fazer o estilo musical que queremos. Ora, não podemos tocar Pandza, simplesmente, condicionados. O resultado disso é que acabamos por ganhar maior visibilidade no estrangeiro do que em Moçambique”.

Música para a eternidade

Refira-se que as letras das músicas dos Gran’Mah são escritas por Regina Santos, a vocalista, no entanto, na composição todo o grupo participa. Grosso modo, nas suas obras, a colectividade fala sobre o Amor – as relações amorosas bem ou malsucedidas –, as alegrias e tristezas nos vários campos da vida humana, o percurso da vida em estágios diferentes, mantendo uma neutralidade em relação a assuntos políticos.

“Vou crescer, conseguir um novo emprego, casar-me e ter filhos. E à medida que esses acontecimentos se sucederem vou escrever sobre os mesmos a fim de gerar a nossa música”, comenta Regina que procura conferir intemporalidade às criações do colectivo.

Os Gran’Mah que preparam um disco promocional para as suas músicas, a ser publicado em Setembro, anseiam que a sua música ganhe uma aura no espaço nacional – e é para isso que estão a trabalhar – como aconteceu com algumas bandas conceituadas.

Por exemplo, ainda que assumam que isso é uma utopia, na música, a sua meta é transmitir sentimentos de paz, o que implica “falar sobre a inspiração pessoal, as experiências de auto-superação – de nós para nós mesmos – disseminando mensagens positivas”.

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