Há vidas com um antes e um depois. Moisés Filimone é uma pessoa cuja existência reflecte com exactidão essa máxima. O cativeiro é o elemento que delimita os momentos e traça as linhas daquilo que poderá ser o futuro deste jovem após o cumprimento da pena de 20 anos de prisão. Ele está convicto de que não é um prisioneiro qualquer, na medida em que durante o período da reclusão estará a desenvolver alguma actividade que lhe permita reinserir-se socialmente logo que for restituído à liberdade.
Moisés Filomeno, de 28 anos de idade, natural do distrito de Milange, na província da Zambézia, está detido na Penitenciária Industrial de Nampula por ter matado o seu tio supostamente porque matou a sua mãe com recuso à feitiçaria. O caso foi dirimido pelo Tribunal Judicial do Distrito de Milange.
“Cometi um erro aos 18 anos de idade e é um crime de que não quero recordar. Gostaria tanto de ser perdoado pela minha família e pelos meus amigos”, disse aparentemente arrependido o rapaz, que dos 20 anos de cadeia já cumpriu nove e crê que um dia vai concretizar o seu sonho de ser engenheiro electrónico, uma decisão tomada no presídio depois de recomeçar os seus estudos e ter beneficiado de vários cursos profissionais.
Quando o nosso entrevistado foi condenado havia concluído a 6ª classe do Sistema Nacional de Educação (SNE) e sabia ler mas com muita dificuldade. Entretanto, o que para alguns pode ser considerado um castigo (a privação de liberdade), para ele (que não tem escolha) é um benefício, uma vez que dentro da cadeia pôde voltar à instrução e, hoje, frequenta a 11ª classe. No mesmo estabelecimento prisional, de um enclausurado sem nenhum ofício, Filomeno tornou-se um homem com meios e competências necessárias para que não cometa novos crimes uma vez em liberdade.
Há detidos que frequentam os cursos de formação apenas para ocupar o tempo mas não é o caso do jovem que passou a gostar dos livros a ponto de a paixão pelo saber se apossar dele como um vício. Por isso, ele pretende concluir o nível médio para depois refazer a sua vida. Aliás, o mesmo disse que depois de cumprir metade da pena, vai requer a sua liberdade condicional. Daí o cidadão vai continuar a formar-se e vai fazer o nível superior em engenharia electrónica, nem que mais tarde a sociedade o descrimine, pois está ciente de que quando que for restituído à liberdade a sua vida não vai ser fácil, já que algumas pessoas irão olhar para ele com desdém.
Fora das celas, nesse ano, Filomone pretende ser um exemplo positivo para os outros reclusos que depois do cumprimento das suas penas reincidem, supostamente devido ao desespero a que ficam sujeitos por não terem uma formação profissional ou académica.
“Consegui ter a profissão por mim desejada. Poderei (ao sair da prisão) lutar com o meu esforço até atingir o nível superior nesta área de electrotecnia”, disse o jovem cuja história mostra que, efectivamente, as penitenciárias podem ser vectores importantes na reinserção social dos reclusos. Não bastam que eles acordem, comam e apanhem banhos de sol. Tal como mostra a trajectória do nosso interlocutor, é preciso que haja mais educação e formação nos meios carcerários. As administrações prisionais deviam encontrar formas eficazes de ocupação durante o período de reclusão a não ser apenas jogar aos berlindes e cartas.
Outro sonho
Na altura em que era um cidadão livre, Filomeno vendia sapatos e roupa usados. Ele aproveitou o nosso meio de comunicação para fazer um pedido aos gestores das prisões, sobretudo ao Ministério da Justiça: que a construção de instituições de ensino superior seja, também, expandida para as cadeias de modo que os enclausurados tenham a oportunidade de se formar. Deve haver, sobretudo, leccionação de mais cursos profissionalizantes ajudando os prisioneiros a ganharem aptidões para a vida após a sua soltura.
Aliás, essas palavras do indivíduo que temos vindo a citar são um reflexo do que o mundo tem defendido: “o ensino no meio prisional assenta na defesa do princípio de que o recluso não deve perder o direito constitucional de aprender”. Contudo, para a concretização desse objectivo é preciso que formalmente seja estabelecida uma cooperação entre os ministérios da Educação e da Justiça “para que os reclusos possam ter acesso, dentro da prisão, ao ensino com uma estrutura idêntica à que existe no exterior”.
Recluso apaixonado pela Niketje
O nosso entrevistado disse que o facto de estar na Penitenciária Industrial de Nampula fez com que passasse a conviver com pessoas de diferentes origens. Como resultado disso, integrou-se num grupo de canto e dança e aprendeu vários tipos de coreografias, com destaque para as de Mapico e Niketje. Esta última é a mais praticada. “Quando se toca o batuque, ao som de Niketje esqueço, por vezes, que estou numa prisão a cumprir uma pena de 20 anos”, desabafou.
A cadeia é uma escola
Dentro de um contexto de preparação dos reclusos para o reinício duma vida sã na sociedade, a Penitenciária Industrial de Nampula ministra vários cursos profissionais e académicos. Filomeno é prova disso, o dá a entender que aquele presídio tem pelo menos alguma tarefa útil.
Gonçalo Jerónimo Macassa, psicólogo e chefe do Departamento dos Serviços de Reinserção Social naquele estabelecimento prisional, contou-nos que o propósito dos cursos levados a cabo é criar oportunidades para que os cidadãos condenados tenham uma profissão e que saiam dali a saber fazer algo como forma de garantir o seu sustento no futuro.
Como resultado dessas iniciativas, há casos de sucesso relacionados com indivíduos que eram considerados criminosos perigosos mas, através da formação profissional de que beneficiaram e da reabilitação psicossocial na altura em que cumpriam a suas penas, actualmente trabalham em carpintarias, lojas, hotéis, indústrias, empresas do ramo de electricidade, construção civil, padaria, dentre outras.
Algumas pessoas desenvolvem actividades por conta própria e têm novas abordagens sobre a vida e convivência social, explicou Macassa. De acordo com o nosso interlocutor, a unidade prisional de que é responsável está a capacitar, neste momento, 136 enclausurados em matérias de agricultura, 65 canto formam-se em dança, 30 em culinária, 25 em electricidade, 25 em serralharia e 20 em panificação.
Para além desses cidadãos, outro grupo de 124 reclusos, na sua maioria em liberdade condicional, já foram empregues em alguns sectores de actividade mas estão a ser directamente acompanhados pela cadeia, segundo fez saber o psicólogo, para quem os cursos ministrados na prisão são igualmente extensivos à população que vive nas imediações e aos funcionários daquela mesma unidade carcerária.