Nasci Jeremias Filipe Vunjanhe ou literalmente Chidarika (em Ndau significando transeunte, passageiro, aquele que atravessa ou mesmo ponte) da etnia Ndau, natural de Chibabava na Província de Sofala, de pai e mãe camponeses e católicos, entre oito irmãos gerados por uma mãe que foi 11 vezes mãe, 10 das quais debaixo de uma frondosa e protectora árvore ou numa palhota decente sob risco e ameaça iminentes de morte certa por causa da violência das armas e da miséria do último conflito armado.
Já o disse e reafirmá-lo-ei repetidas vezes tanto quanto for possível por que me é orgulhosa e heroicamente parte: Nasci vivo e livre, porém numa sociedade estrangulada, violentada, violada e mutilada pela fome, miséria e pela guerra. Fui, por isso, alimentado de papa de manga verde cozida quando minha mãe não podia dar-me o seu precioso leite porque não o tinha em suficiência devido a fome aguda de 84/5.
Também fui obrigado a viver indignamente nos primeiros anos de vida, sem direito a saúde, educação, água potável, habitação e alimentação adequada. Foi duro e talvez tenha contraído sequelas irreversíveis, mas resisti e escapei de ser apenas mais um número na grandíssima estatística africana de crianças que morrem antes, durante e pós parto, frequentemente com sua própria mãe.
Estou indignado e profundamente perturbado assim como muitos outros moçambicanos e moçambicanas sem dúvida também estão, com o espectro de alta tensão político-militar, ambiente de guerra em execução e de um Moçambique dividido em três campos, dois dos quais hostis entre si mutuamente e em conjunto contra o terceiro, o mais amplo e indefeso, entretanto soberano, (o povo).
Também acompanho com grande apreensão o cosmético diálogo entre a Renamo e Governo Moçambicano, confrontação bélica e violenta entre moçambicanos da Renamo liderados por Afonso Dhlakama e moçambicanos da Frelimo dirigidos por Armando Guebuza que simultaneamente são também integrantes do Governo de Moçambique mantando-se uns aos outros, pior ainda colocando em risco e perigo a vida de muitos e muitos milhões de moçambicanos que não poucas vezes são assassinados.
20 Anos depois da assinatura dos Acordos Gerais de Paz em Roma, em Outubro de 1992, entre a Renamo e o Governo de Moçambique pondo fim a um dos mais violentos e mortíferos conflitos do século XX, a verdade é que o Governo de Moçambique, capturado por alguns moçambicanos do partido Frelimo, liderado por Armando Guebuza há mais de 8 anos, ainda não está pronto para partilhar o poder político (executivo), judicial e legislativo com tantos outros milhões e milhões de moçambicanos tanto da Renamo, Movimento Democrático de Moçambique assim como das largas massas que não se reflectem em nenhum dos partidos existentes nesta “Pátria Amada”, aliás nesta “Pátria Estrangulada”.
Senhor Presidente Armando Guebuza repare que durante os últimos oito (8) anos que, acidentalmente, coincidem com o seu catastrófico mandato de (des) governação, precarização da vida, apropriação indevida do património e bens públicos do povo e hipoteca do Pais, o senhor demonstrou tamanha insensibilidade, crueldade e até desumanidade, diminuindo o Orçamento do Estado para Saúde em cerca de 50%. Uma tremenda e verdadeira violência estrutural e humana igual àquela que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional têm infligido criminosa e impunemente ao nosso País a todos níveis da sociedade, através da captura e controlo das instituições do Governo e do Estado numa flagrante alienação da soberania nacional.
Um mandato sangrento e iminentemente com pendor oligárquico e despotismo, no qual pensar diferente, o exercício de direitos constitucionalmente consagrados como a manifestação e a greve são considerados crimes e brutalmente repreendidos. Um mandato que matou mais de 100 compatriotas com a explosão do paiol de Malhazine, nos arredores da cidade de Maputo, no dia 22 de Março de 2007 pela irresponsabilidade de seu “ministro-cunhado” e de seu Governo, que continuam impunes e sem nenhuma responsabilização criminal.
Um mandato de (des) governação que barbaramente assassinou, através da Polícia da República de Moçambique, mais de 14 pessoas naqueles fatídicos dias um (1) e dois (2) de Setembro de 2010, quando estas simplesmente exerciam um direito constitucional de manifestação contra a subida de preços de transporte e bens de primeira necessidade para manter o mínimo de sua dignidade e de seus parentes.
Oito (8) anos de mandato que nunca lhe deveria ter sido delegado e de uma governação que estagnou, capturou e estrangulou todas as possibilidades e esperanças de um Moçambique mais unido, mais democrático, mais humano e mais digno para os moçambicanos e moçambicanas fundado na base da Paz, estabilidade política e societária. Um mandato, conduzido por uma mão perversa e estragadora como bem profetizou Carlos Cardoso, que nos primeiros seis meses de 2013 já matou pelo menos 20 moçambicanos, 15 dos quais militares.
No passado dia quatro (4) de Abril de 2013, depois de uma acção irresponsável e antidemocrática perpetrada pela Força de Intervenção Rápida quando, no dia 3 de Abril, invadiu a sede de um partido legalmente constituída e prendeu cidadãos indefesos em actividades políticas legais e reunidos no Posto Administrativo de Muxúngué, no distrito de Chibabava, testemunhamos um ataque armado à esquadra policial local protagonizado por ex-guerreiros da Renamo que resultou na morte de pelo menos 9 pessoas entre policiais e civis além de 15 feridos graves e ligeiros.
Um mandato igualmente responsável pela violência e repressão de jovens e cidadãos indefesos que, corajosa e democraticamente, livraram-se da má gestão e governação da Frelimo na cidade de Quelimane, votando, massivamente, no Professor Manuel de Araújo nas eleições intercalares de sete (7) de Dezembro de 2011. Uma violência e repressão reeditada nas eleições intercalares da cidade de Inhambane, realizadas em Abril de 2012, com a irregular detenção, julgamento e condenação de 37 membros do Movimento Democrático (MDM) de Moçambique, um partido que, apesar de todas as perseguições e bloqueios, tem vindo a inserir-se amplamente na sociedade moçambicana enquanto uma alternativa credível, imprescindível e viável no panorama político nacional.
No último dia 17 de Junho corrente, o Pais foi acolhido de surpresa pela morte de pelo menos sete (7) militares num assalto por desconhecidos ao paiol de Savane, no Distrito de Dondo em Sofala além de roubo de grande quantidade de material bélico. Quatro dias (4) depois, portanto, dia 21 de Junho, o Pais voltou a sangrar junto do Rio Ripembe, no Distrito de Machanga onde morreram dois civis. Desde então, milhões e milhões de moçambicanos e moçambicanas estão apreensivos, indignados e perturbados com o curso actual dos acontecimentos expressos através de ataques armados e mortes frequentes por um lado e, por outro, a mobilização de forças militares e policiais e material de guerra para a província de Sofala, particularmente nos Distritos de Chibabava, Machanga e Gorongosa.
A rejeição intransigente a uma Comissão Nacional de Eleições formada na base do princípio de paridade dos principais actores envolvidos e interessados, a despartidarização do Estado, maior transparência na indústria extractiva, distribuição de riquezas, maior atenção na redução de injustiças e desigualdades sociais, económicas, políticas e regionais e miséria, e uma agenda soberana e democrática de desenvolvimento sustentado e centrado nas prioridades, interesses e necessidades das pessoas por parte de Armando Guebuza, Frelimo e Governo representa uma perigosa tentativa mal disfarçada, desesperada e perversa de preservar o poder e contra o supremo interesse da nação e povo moçambicano.
O Governo da Frelimo e sobretudo de Armando Guebuza deve encarar e enfrentar a realidade tal e qual ela é e com a qual nos confrontamos. As eleições justas, livres e transparentes, o Governo da maioria e do povo (mulheres, jovens, crianças, analfabetos, habitantes do campo) que respeite e atenda, em primeiro lugar, as prioridades, interesses e necessidades legítimas nacionais e soberanas, igualmente da maioria e a Paz, estabilidade política e societária são três lados dum triângulo com lados iguais.
O Moçambique de Armando, Maria da Luz e Valentina Guebuza, da Frelimo, da cidade e do Governo moçambicano tem que aceitar o Moçambique de Afonso Dhlakama e da Renamo, de Daviz Simango e do MDM, do campo, das comunidades rurais, de Jeremias Vunjanhe e dos jovens, estudantes, mulheres, idosos, camponeses, “madjermans”, antigos e novos médicos, técnicos e profissionais de saúde, professores, técnicos e profissionais de educação, policias, militares, reassentados, desmobilizados, analfabetos, pobres, oprimidos, marginalizados, excluídos, e milhões de pessoas simplesmente moçambicanos e moçambicanas, e que nunca haverá Paz e Estabilidade neste País até que essas demandas sejam total e completamente atendidas e escrupulosamente observadas sem condicionalismos nem contrapartidas hoje, amanhã e no eterno futuro.
Afonso Dhlakama e Renamo enquanto líderes e partidos políticos devem ser reconhecidos por Armando Guebuza, membros da Frelimo e do Governo e por todos os moçambicanos e moçambicanas como pessoas individual e colectiva, elementos e instituições indispensáveis para qualquer solução em Moçambique sobretudo na manutenção da Paz, Estabilidade Política e Societária, e construção de um Estado Democrático de Direito onde homens e mulheres estejam na mesma linha de Dignidade e Humanidade.
Afonso Dhlakama e Renamo à semelhança de Armando Guebuza e Frelimo com Raul Domingos e Joaquim Chissano incluídos de ambas partes são, em permanência eterna, signatários do Acordo Geral de Paz. Na mesma proporção igualitária, Afonso Dhlakama e Renamo, Raul Domingos e por fim Armando Guebuza, Joaquim Chissano e Frelimo são personalidades e instituições de suprema relevância para manutenção da Paz, Estabilidade Política, Consolidação da Democracia e da Unidade Nacional.
Duas questões políticas têm que ser encaradas e enfrentadas; em primeiro lugar a exigência de uma Comissão Nacional de Eleições formada na base do princípio de paridade dos atores para garantir eleições livres, justas e transparentes assim como a preocupação e medo do Moçambique de Armando Guebuza e da Frelimo em relação à esta demanda; em segundo lugar, as cruciais e legítimas demandas de integração de ex-militares da Renamo nas Forças de Defesa e Segurança, a despartidarização do Estado e distribuição de riquezas para a redução drástica e urgente de injustiças e desigualdades sociais, económicas, políticas e regionais e a miséria.
A tarefa principal que o Governo de Armando Guebuza e da Frelimo terão que enfrentar urgentemente é reconhecer, reconciliar e responder positivamente essas exigências de reformas políticas e societárias profundas, expressas em duas dimensões distintas igualmente inadiáveis.
Por agora e enquanto o perímetro de combate e de guerra estender-se entre Rio Save e Muxúngué proponho que o Governo de Armando Guebuza e da Frelimo que simultaneamente é de Moçambique implemente reformas políticas, económicas, habitacionais e societárias profundas aprovando, por exemplo, um plano maior de criação de “Zonas de Inclusão Social, Económica e Política Especiais” e/ou “Pólos Comunitários de Desenvolvimento Rural Integrado e Urbanização dos Distritos” em regiões onde Afonso Dlhakama e Renamo mantém forte influência e que nos últimos 20 anos foram severamente mantidos fora do âmbito das prioridades do Governo pela sua opção política considerada desalinhada.
Uma outra proposta ousada e inusitada é, por exemplo, transformar Muxúngué de um perímetro de exclusão, marginalização e de guerra permanente em uma “Zona de Inclusão Económica, Política e Societária” ou “ “Pólo Comunitário de Desenvolvimento Rural Integrado de Muxúngue” interligando-a à “Zona Franca do Save” e ao “Corredor de Desenvolvimento da Beira” como forma de integrar e incluir social e economicamente ex-guerreiros e pessoas, famílias e comunidades que, por força das circunstâncias hospedaram e suportaram a Renamo durante o conflito armando e que erradamente têm sido punidos por Armando Guebuza e pela Frelimo. Contra todos os bloqueios, Muxúngué é um importante Centro geoestratégico-militar e económico regional e inter-regional que se estende ao longo dos Vales dos Rio Save, Búzi e da Estrada Nacional!
Excelência presidente Armando Guebuza, ontem, dia 25 de Junho de 2013 assinalou-se no Pais os 38 anos da nossa independência total e completa, aquela que Samora Machel proclamou no longínquo e brilhante sol de Junho de 1975. Ontem não tivemos nenhuma razão para festejar esta heróica data, fundadora do nosso Estado e da nossa Nação moçambicana. Aliás, a nossa independência total e completa apenas se converteu em uma lembrança cosmética para os moçambicanos. Ela continua aprisionada e sequestrada pela Frelimo e seus dirigentes e deve ser urgentemente libertada!
O povo moçambicano quer dialogar abertamente com o Presidente da República de Moçambique, Armando Guebuza. O Presidente da República de Moçambique pode e deve dialogar urgentemente e em separado com o Conselho de Estado, comerciantes, empresários, partidos políticos, parlamentares, militares, desmobilizados de guerra, jornalistas, activistas e organizações religiosas e da sociedade civil, camponeses, comunidades rurais e urbanas, professores, médicos, enfermeiros e profissionais da saúde, educação, policia, jovens, mulheres, em fim com as largas massas deste Pais. O Pais não pode continuar em turbulência por muito mais tempo. O Povo não pode continuar a morrer nos hospitais e nas estradas por causa de ataques armados. O Governo não pode continuar a espalhar sentimentos de ódio, vingança, medo e terror.
Não alimento ilusões sobre a indiferença, intransigência e contra medidas que o Senhor e seu governo poderão tomar. Aliás, assim procedeis com os “madjermans”, desmobilizados de guerra, ex-agentes dos Serviços de Informação e Segurança do Estado, médicos, técnicos e profissionais de saúde, camponeses e famílias das comunidades de corredor de Nacala e organizações religiosas e da sociedade civil e como sempre com Afonso Dhlakama e sua Renamo.
Mas que importância tem a sua indiferença, intransigência e contra medidas diante das mudanças que estão no ar e que cabe a cada um de nós concretizá-las? Com a tua (des) governação Moçambique tornou-se num exemplo de negligência das autoridades políticas e da tirania das autoridades de um Governo incapaz e decadente.
O Povo é convocado desta forma e neste momento histórico para construir um Pacto das Reivindicações por Direitos, Justiça, Dignidade Humana e Destino Comum com o objectivo de convergir e unificar forças e alargar as frentes de luta contra todas as formas de injustiças, desigualdades, miséria, opressão e indignidade. Cooperação e solidariedade entre os vários sectores da sociedade que lutam numa acção conjunta e campanhas de massas em todo Pais em busca de união e engajamento do Povo são cruciais.
O direito a vida e dignidade humana é o nosso grito de guerra! A construção de um poder popular e uma agenda soberana de desenvolvimento solidário e sustentado é o nosso credo numa única e unida nação erguida a partir e com muitas e diversas comunidades, depois da derrubada da supremacia dos dirigentes do Governo da Frelimo, para o estabelecimento de uma forma verdadeiramente democrática de Governo (Federativo, Comunitário e popularmente Democrático)! Acreditamos que o combate a miséria e todas formas de opressão, exclusão e marginalização e a promoção da dignidade humana serão feitos e atingidos pelos próprios cidadãos moçambicanos e moçambicanas de todos os sectores, idades e regiões.
“Quando se nega a um homem o direito de viver a vida na qual ele acredita, ele não tem escolha senão tornar-se um fora da lei” In Longa Caminhada Até a LIBERDADE de Nelson Mandela (Madiba)
Jeremias Vunjanhe é Activista Internacional de Direitos Humanos, Justiça Social e Ambiental e Assessor dos Movimentos Sociais
*Coordenador Nacional da Acção Académica para o Desenvolvimento das Comunidades Rurais – ADECRU
*A posição e o pensamento expressas neste artigo não reflectem necessariamente a posição e pensamento da ADECRU e de outras instituições com quem o autor colabora e mantém vínculos diversos.
Jeremias Vunjanhe