Mário Albino Muquissince, coordenador da Associação para Educação Moral e Cívica na Exploração dos Recursos Naturais em Nampula (ASSEMONA), afirma que a luta pela protecção dos recursos naturais deve ser equiparada à guerra que foi travada contra o colonialismo, durante a qual todos eram chamados a defender a sua pátria para o bem das actuais gerações, e chama a atenção para que os dirigentes sejam os primeiros a respeitar a legislação vigente para que o povo lhes siga o exemplo. Para o nosso entrevistado, o incumprimento da lei no que diz respeito à protecção de recursos naturais está a tomar proporções alarmantes e a permitir que as populações sejam as mais prejudicadas.
“As leis de protecção dos recursos naturais do nosso país, da forma como foram concebidas, sã perfeitas, mas a sua aplicação deixa muito a desejar. São desrespeitadas, quer pelos governantes, quer pelos investidores, exploradores, líderes comunitários, etc.”, afirma, acrescentando que “os 20 porcento que os exploradores florestais têm o dever de deixar nas comunidades, se fossem bem aplicados, fariam com que estivéssemos a registar um desenvolvimento assinalável”.
@Verdade – O que é a ASSEMONA e qual é a sua área de intervenção?
Mário Albino Muquissice (MAM) – ASSEMONA significa Associação para Educação Moral e Cívica na Exploração dos Recursos Naturais, e está ligada à educação moral pelo facto de existir um vazio muito grande na monitoria e exploração dos recursos naturais. Na área de madeira, por exemplo, como é sabido, é normal encontrarmos camiões carregados de toros de madeira a serem exportados, e isso virou tradição. Mas a lei prevê que seja processada antes de ser levada para fora do país.
@Verdade – Quando é que foi fundada?
MAM – A associação foi fundada em 2000 com um total de 25 membros, mas até à data da sua legalização o número aumentou para 500 dentro da cidade de Nampula. Neste momento, a associação já se encontra instalada nas cidades de Angoche, com alguns núcleos já criados, Ilha de Moçambique, com cinco núcleos, Monapo, com quatro núcleos, e Nacala-Porto, com cinco núcleos.
Estes núcleos são dirigidos pelos respectivos coordenadores distritais e locais, e estamos a lutar para colocar estes activistas nas comunidades mais recônditas onde há registos de exploração de recursos naturais. Queremos criar espaço para que muitos cidadãos possam emitir a sua opinião e reivindicar os seus direitos, sobretudo, na protecção dos recursos naturais e ambientais. Queremos combater a devastação da floresta, dos recursos marinhos e minerais.
É, para nós, como associação que luta pela conservação e protecção dos recursos naturais, imoral o que está a acontecer actualmente. No caso da madeira, ela deve ser processada antes de ser exportada. Quando isso não é feito, está-se a tirar emprego aos demais moçambicanos, em particular os que vivem em Nampula.
@Verdade – Em quantos distritos desenvolvem as vossas actividades?
MAM – Trabalhamos nos distritos de Moma, Angoche, Memba, Mogincual, Ilha de Moçambique, Monapo, Nacala-Porto e na cidade de Nampula. Por enquanto, não pensamos em expandir as actividades para outras províncias pois estes distritos são pilotos. Caso tenhamos fundos, poderemos abrir novas frentes.
@Verdade – Há sinais de desenvolvimento nas comunidades onde são explorados os recursos naturais na província de Nampula?
MAM – Claro que não. Por exemplo, em Musserema, um povoado do distrito de Angoche, a população não tem escola, vias de acesso, fontes de água, mas sabe-se que naquela região estão a ser explorados diversos recursos minerais. Para chegarmos àquele ponto tivemos de passar por uma ponte destruída.
Entretanto, há regiões que nada dão ao Estado moçambicano, em termos de receitas provenientes da exploração de recursos, mas estas beneficiam da construção de pontes em menos de 90 dias. É um paradoxo porque uma cidade como Angoche não tem o mesmo privilégio. No caso das areias pesadas de Moma e Angoche, não há algo de novo no que diz respeito a mudanças devido à exploração daquele recurso, apesar dos milhões de dólares que os investidores estão a ganhar.
@Verdade – Como é que é feita a exploração dos recursos na província? Ainda é artesanal?
MAM – Na província de Nampula, o processo de exploração é feito em moldes artesanais. Estamos a falar de pequenos grupos de pessoas que levam enxadas e pás e vão desenvolvendo a sua actividade. A desvantagem disso é que eles não dispõem de instrumentos de aferição da qualidade do que retiram da terra, como é o caso do ouro e das pedras preciosas.
@Verdade – Como vê a questão da responsabilidade social das empresas no seio das comunidades onde estão inseridas?
MAM – Esta é uma estratégia que o Governo escolheu para pôr areia nos olhos da população. A “responsabilidade social” é uma política que foi desenhada para dar mais espaço à promoção da corrupção, pois não funciona e o povo continua pobre. Como se justifica que uma empresa que nos seus relatórios anuais fale de ganhos estimados em milhões de dólares norte-americanos quando não consegue construir uma estrada, ou escolas técnicas?
@Verdade – Em relação à madeira, será que é feita a reposição de mudas de árvores nas zonas onde é explorada?
MAM – Não. Não se verifica nenhuma reposição. Isso acontece também no caso das areias pesadas. As empresas não repõem os solos. O Governo não está a monitorar, o que nos leva a pensar que os nossos recursos foram vendidos aos estrangeiros. As matas estão a ficar praticamente vazias, mas não há uma política de reposição de mudas das árvores. Isso é perigoso. As gerações vindouras estão ameaçadas, para além de que não terão como fazer uma porta, janela ou carteiras para apetrechar as nossas escolas.
@Verdade – Isso quer dizer que não há fiscalização?
MAM – A fiscalização, para ser franco, não se faz sentir, e as pessoas não dão ouvido às comunidades, que já se cansaram de pedir explicações. Mas isso tem sido em vão.
@Verdade – O que a ASSEMONA tem feito para inverter esse cenário?
MAM – Nesta fase, que é a primeira, estamos a formar quadros em matérias gestão de recursos hídricos, marinhos, florestais minerais e agrícolas. Estes quadros, depois de capacitados, serão activistas e vão trabalhar nos distritos na fiscalização e monitoria no processo de exploração dos nossos recursos. Depois desta formação vão precisar de se deslocar ao terreno e, porque não termos fundos, teremos de lutar para que através das quotizações possamos conseguir atingir os nossos objectivos.
Queremos que os nossos fiscais tenham conhecimento suficiente para que possam desempenhar o seu papel com rigor. É necessário que eles conheçam a legislação, a área onde ocorrem os recursos, o seu valor nos mercados nacional e internacional, entre outras questões. E para isso já criámos o gabinete técnico, que conta com quadros com nível superior, que se vão responsabilizar pela formação.
@Verdade – Acredita que com as quotizações poderão conseguir atingir os vossos objectivos, sobretudo na realização das vossas actividades e custear outras despesas?
MAM – Não acredito, mas como forma de resolver essa questão estamos a divulgar as nossas estratégias e planos directores junto de algumas organizações da sociedade civil, quer nacionais, quer internacionais, que possam garantir a realização das nossas actividades. Que no futuro tenhamos recursos que possam servir as gerações vindouras.
@Verdade – Como é que está estruturada a exploração dos recursos marinhos e pesqueiros nos distritos onde trabalham?
MAM – Tudo é feito de uma forma tradicional, principalmente nas companhias locais. As que possuem condições e equipamento são estrangeiras, que na nossa opinião trabalham em conluio com os nossos governantes. Os nativos não têm condições para tal. Por exemplo, no distrito de Moma, há muito camarão, mas há fraca capacidade de exploração, para além de não haver sistemas de frio para a sua conservação.
@Verdade – Diz que as companhias estrangeiras trabalham em conluio com o Governo. Como é que olha para o alegado envolvimento do ministro da Agricultura, José Pacheco, em esquemas de contrabando da madeira?
MAM – Bem, caso seja verdade, isso é lamentável. Não somos as pessoas mais indicadas para dizer se é ou não factual. Temos tentado depositar alguma confiança neles (os governantes) por serem nossos dirigentes. Eles são o fiscalizador número um de todos os recursos naturais deste país. A nossa inquietação neste momento prende-se com o facto de, mesmo depois de ter sido acusado, não ter aparecido em público para explicar ou que está a acontecer ou, no mínimo, defender-se.
Aliás sabemos que este é o comportamento dos dirigentes da Frelimo. Ficamos preocupados na medida em que verificamos a devastação das florestas e sem reposição das plantas nativas, entre outras. Face a esta situação, cabe-nos dizer que o regime da Frelimo tem, sim, ligações com os chineses e outros exploradores dos recursos naturais no nosso país. É triste que assim seja Os nossos dirigentes devem saber que as riquezas deste país não pertencem a um grupo de pessoas, mas sim a todos os moçambicanos.
@Verdade – Tendo em conta a vossa experiência, será que as leis de protecção dos recursos naturais em vigor no país são adequadas à realidade moçambicana? Será que são respeitadas?
MAM – As leis de protecção dos recursos naturais do nosso país são perfeitas, mas no terreno são muito desrespeitadas, quer pelos governantes, quer pelos investidores, exploradores, líderes comunitários, etc. Por exemplo, se as comunidades beneficiassem dos 20 porcento a que têm direito, como manda a lei, haveria um pequeno desenvolvimento, mas isso não está a acontecer. Os exploradores não encaminham o valor, não constroem escolas, furos de água, vias de acesso e não apoiam as comunidades.
@Verdade – A ASSEMONA transmite a ideia de que nada mudou com a exploração dos recursos naturais…
MAM – Para nós, como associação, ainda não identificámos nenhum melhoramento ou desenvolvimento como resultado da exploração dos recursos naturais. Desenvolvimento significa ter escolas, vias de acesso, hospitais, emprego, o que não está a acontecer. Só para dar um exemplo, sempre que se descobre a ocorrência de algum recurso as comunidades ficam aterrorizadas porque o Governo retira-lhes para locais inóspitos. Isso significa que os nossos dirigentes defendem interesses de pessoas endinheiradas, e não do seu povo.
@Verdade – E a quem pode ser atribuída essa culpa? Ao Governo ou à omissão dos instrumentos legais?
MAM – Não quero falar de instrumentos legais, mas sim de pessoas, que não querem fazer cumprir a lei. O Governo deve assumir os seus erros e começar a corrigi-los para o bem de todos os moçambicanos. Todos temos que lutar para que consigamos ganhos na exploração dos recursos naturais, como aconteceu quando o povo moçambicano, oprimido pelo colono, se uniu para se defender. É assim que deve ser feito também em relação aos recursos naturais, porque já estão a acabar.
@Verdade – Que avaliação faz do desempenho dos edis nos seis municípios da província de Nampula?
MAM – Nestes município há somente falácias. Ainda continuam com os mesmos problemas, de vias de acesso, abastecimento de água, pobreza urbana, corrupção, criminalidade, prostituição entre outras questões. A única coisa que se nota são cobranças de impostos, que não beneficiam os munícipes, o que é errado.
@Verdade – E a ASSEMONA vai tomar alguma atitude para mudar essa situação?
MAM – Sim, foi por isso que a associação, junto dos seus órgãos, deliberou que nós, os membros, deveríamos concorrer às eleições municipais na província de Nampula. E, neste momento, estamos em contacto com alguns parceiros. Estamos à procura de financiamento tendo em conta que vivemos graças a quotas e jóias dos membros.
Queremos ganhar para gerir melhor os fundos do erário e as cobranças resultante dos impostos, para que os benefícios sejam direccionados à população. Em relação aos outros municípios, recentemente criados, não nos queremos precipitar, porque nos actuais seis já temos as condições criadas e estamos preparados para enfrentar os adversários.
“Os que estão na Frelimo fazem-no por dinheiro”
@Verdade – O senhor já militou em partidos da oposição, com destaque para a Renamo e o MDM. O que terá acontecido para abandonar estas formações políticas?
MAM – Bem, eu não comecei na Renamo, mas sim na comunidade. Sou filho de uma comunidade e filiei-me à Renamo em busca de liberdade, salvação, para servir a democracia. Quando não se encontram condições para que isso aconteça, temos de encontrar outros meios, por isso abandonei o partido. Eu fui um dos fundadores do MDM porque no princípio parecia ser uma organização diferente.
A política é dinâmica e não estática como muitos querem fazer perceber. Quando notei que não era diferente da Renamo, saí. A política não é como a religião, não é um dogma, onde os crentes ficam sentados a ouvir a homilia do padre no altar. Política é mais do que isso. Considero-a um espaço onde todos temos direito de dar alguma opinião sobre qualquer ponto para o desenvolvimento do nosso país. Decidi juntar-me à associação porque “regressei à comunidade” para reflectir.
@Verdade – Mas o que o fez sair da Renamo?
MAM – Fui à Renamo não para ter emprego, nem para ser deputado. O que eu queria era liberdade. Acho que a Renamo já deu o que deveria dar, e, como qualquer formação política ou pessoa, já esta a perder a sua força.
@Verdade – No MDM, nas eleições gerais de 2009, era candidato a deputado mas a lista foi reprovada pela Comissão Nacional de Eleições e em 2011 abandonou o partido
MAM – As pessoas podem até pensar que sou um vadio político, mas depois de ser reprovada a nossa lista, em 2009, fui a pessoa que encorajou o presidente Simango a seguir em frente. Mas o estranho é que em 2011, quando abandonei o partido MDM, faleceu a minha esposa, e pedi à presidência do partido para me dispensar por um período de seis meses para cuidar do meu filho, recém-nascido, e outras crianças que tenho.
Fui até à cidade da Beira para explicar o que me levava a tomar aquela atitude. Depois da conversa que tivemos, o presidente Deviz Simango concedeu-me apenas uma dispensa de dois meses e eu, achando o tempo insuficiente para me reconstituir moralmente depois de perder a minha companheira, com quem vivi 19 anos, decidi sair do partido.
@Verdade – Já abraçou o MDM, a Renamo, mas nunca a Frelimo. Porquê?
MAM – Nunca tive simpatias com o partido Frelimo porque a sua ideologia é diferente da minha. Não digo que não sejam boa, mas eu tenho a minha maneira de pensar, por isso a Frelimo não me convence.
@Verdade – O que há na Frelimo que não o cativa?
MAM – Na verdade, muitos que estão na Frelimo fazem-no pelo dinheiro, querem tirar dividendos e resolver os seus problemas. Eu gosto de estar num local onde me sinta à vontade, onde há espaço para um debate de ideias, onde as opiniões são respeitadas. Não defendo um partido que aprova a exploração das áreas pesadas de Moma quando as comunidades estão a morre à fome.