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E o pobre sonhou nobre…

Em 2013, a Associação Cultural Muodjo completa 10 anos de existência. Para assinalar a efeméride, realiza uma série de eventos. No entanto, mais do que expandir a sua esfera de acção, os seus membros têm um sonho nobre. “Queremos erradicar os fenómenos ‘menino de rua’ e ‘trabalho infantil’ no país”.

Conversar com os membros da Associação Cultural Muodjo é uma experiência ímpar. Eles vivem motivados em relação aos propósitos da sua organização. Por ocasião da celebração do 10º ano da sua existência, os agremiados não só se ocupam a festejar como também a produzir. Se disséssemos que são pobres, em termos de meios e condições de que falamos, a grandeza dos seus objectivos contradiz a realidade.

Ou seja, aqui, se se pode falar de pobreza – em relação aos Muodjo – a mesma só pode ser entendida no sentido material. Eles são pessoas humildes, mas ricos em termos de virtudes morais. Estão preocupados com o outro. Com o irmão. Sobretudo o desfavorecido. “Somos uma associação de âmbito nacional. Trabalhamos nas comunidades, prestando apoio psicossocial a pessoas desfavorecidas, no âmbito do projecto ‘O Molho que a Minha Mãe Preparou’. Estamos sedeados na Casa Escola, no bairro de Matendene”, começam por dizer, para nos contextualizar.

De forma objectiva, afirmam que “capacitamos as pessoas em habilidades para a vida. Recuperamos meninos da rua, operando no sentido de reintegrá-los na sociedade através da nossa agremiação. Agora que celebramos 10 anos, queremos expandir a rede de amigos da Muodjo”.

Osvaldo José Lourenço, o presidente da associação, também explicou que “entendemos que somos criaturas de Deus, por isso todo o nosso trabalho é feito em função da sua vontade. Na nossa associação ninguém vive só para si mesmo. Todos vivemos para os outros, a fim de salvar vidas”.

No dia em que os encontrámos, no contexto da celebração do seu decénio, estavam a preparar uma mostra de trabalhos artesanais e artísticos que têm estado a desenvolver. O objectivo é expô-los num evento que terá lugar no Museu Nacional de História Natural, em Maputo. O mesmo acontecerá no dia internacional da tartaruga, 23 de Maio. No entanto, ainda na mesma instituição cultural, em Julho, durante a celebração do seu primeiro centenário, os Muodjo assumirão algum protagonismo realizando determinadas actividades.

Como uma agremiação de carácter cultural e filantrópico, os Muodjo têm um plano estratégico (que prevê acções a serem desenvolvidas entre 2010 e 2014) no âmbito do qual edificaram a Escolinha Comunitária. “Sentimos, porém, que ainda há objectivos que não foram atingidos. Por essa razão, estamos a expandir as nossas redes para outros lugares – com destaque para o distrito municipal KaTembe, no bairro Kassane. Estamos a criar os Clubes de Amigos da Muodjo”, afirma Osvaldo.

Entretanto, ainda no contexto da comemoração dos 10 anos da existência da organização, os Muodjo realizarão outras actividades em locais como o Centro Cultural Moçambique- Alemanha.

Por exemplo, na Associação dos Músicos Moçambicanos, sempre que há Jam Sessions, “nós também colocamos os nossos produtos artísticos em exposição – como forma de divulgar os trabalhos que os ex-meninos da rua estão a realizar. Pensamos que também é (e será igualmente) uma maneira de dizer aos moçambicanos que, como nós existimos para servir aos outros e não para ser servidos, estamos a fazer algum trabalho concreto”.

Os Muodjo, que preparam o hino da associação, acreditam “que dentro das nossas batalhas um dia iremos atingir o envolvimento do Governo com vista à materialização dos nossos planos”.

Projecto Massokoshone

Refira-se que a Associação Cultural Muodjo foi fundada por 12 pessoas. Possui mais de 30 membros, alguns dos quais trabalham em Maputo e os outros estão no estrangeiro. Por isso, “nem todos estão directamente envolvidos nas actividades que realizamos”.

Neste momento há 60 crianças que beneficiam dos nossos serviços. Algumas estão enquadradas na formação pré-escolar, sendo que as demais aprendem algumas habilidades para a vida, realizando actividades como a pintura e o corte e costura a fim de que tenham uma ocupação sadia.

Presentemente, os agremiados criaram o projecto Massokoshone, ou simplesmente Boas Novidades, “dentro do qual queremos arrancar com as actividades ligadas à serralharia e à criação de animais de pequena espécie”.

Quero ser feliz

Ezequiel, um dos membros seniores da Muodjo, trabalha no gabinete de Purificação Junto dos Parceiros. “É ele que nos tem aconselhado a trabalhar continuamente em prol da comunidade”, diz Osvaldo. O referido gabinete é um espaço móvel, “onde se discutem problemas com os financiadores, a fim de encontrar conselhos e soluções adequados ao bom andamento das nossas actividades”, acrescenta.

Além da sua história, interessa-nos a meta que Ezequiel coloca na vida – “quero ser feliz”. E não lhe faltam argumentos. “Quando entrei, convidado por Osvaldo Lourenço, a Associação Cultural Muodjo acabava de ser fundada. Eu não estudava, não fazia nada. Agora, aos 20 nos de idade, frequentou a 8ª classe. Sinto-me livre.”

“Já tive vários sonhos na vida, mas ao analisar a realidade compreendi que as coisas materiais não são o essencial. Abandonei-as. Agora, a minha luta é orientada em direcção à felicidade. Tenho percebido que muitas pessoas não são felizes, porque carecem do amor ao próximo”.

“Quero que todos sejamos felizes, que juntos possamos conviver de forma pacífica. Acredito que se fosse uma pessoa bem-sucedida, sob o ponto de vista material, não diria que a perspectiva de ter um carro seja um sonho. Há muitas pessoas ricas nesse sentido, mas não são felizes”.

Estou feliz

Leia, uma pessoa com uma história interessante, é uma voluntária alemã, que trabalha na Escolinha Comunitária da Associação Cultural Muodjo. Em Agosto completará um ano em Maputo. Diz-se feliz na conversa que manteve com a nossa equipa de reportagem.

@Verdade: Como é que está a ser a sua experiência em Moçambique?

Leia: Cheguei a Moçambique em Agosto de 2012. A minha experiência é muito boa. Tenho a possibilidade de fazer parte de projectos filantrópicos locais. Na Europa fazia trabalhos similares, mas sinto que aqui é diferente. Na Alemanha programas similares também são necessários, mas aqui são muito mais e não têm tido o apoio do Governo. A convivência entre as pessoas é boa, não só no sentido da prestação de apoio humanitário, mas também por causa das relações culturais, o intercâmbio de conhecimentos. Estou a aprender como também ensino algo referente à minha vivência como alemã.

@Verdade: Qual era a sua expectativa quando chegou?

Leia: Já esperava não encontrar as mesmas condições que eu tinha em projectos similares na Alemanha. Por isso, no princípio a minha inserção foi difícil. Aprendi a viver com pouco, mas a trabalhar. Estou muito feliz. Na verdade, eu não quero ir embora porque um ano é pouco tempo para a realização dos projectos que tenho. Gosto de Maputo e das pessoas daqui. Concluí o nível médio. No ensino superior, pretendo cursar Psicologia. Fui professora de natação e tenho experiência de trabalho com crianças.

Um sonho nobre

Analisados de longe, sob o ponto de vista material, os jovens que constituem a Associação Cultural Muodjo são pobres. Por isso, vêm angariando apoios para a materialização dos seus projectos e sonhos. Eles sonham de forma nobre.

De qualquer forma, Osvaldo José Lourenço considera que “temos um sonho do homem acordado. Por isso, mesmo que não tenhamos dinheiro não paramos de trabalhar. Os apoios irão encontrar- -nos na curva, ao longo desse percurso. O que nos interessa são os resultados.

Queremos que a sociedade moçambicana comece a perceber o nosso lema – ‘usar a terra, sem magoar ninguém, para salvar vidas’. Na nossa agremiação, ninguém vive para si mesmo, ou para ser servido. Nós vivemos para servir aos outros. Nisso a participação da Leia, esta voluntária alemã, é um exemplo”.

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