O Grupo de Teatro Mutumbela Gogo possui uma nova obra. Chama-se Um Inimigo do Povo, e foi escrita, há dois séculos, pelo dramaturgo norueguês Henrik Ibsen. A peça contextualiza a vivência sociopolítica do mundo contemporâneo, no entanto, certas pessoas assumem que se está diante de uma exposição sobre a situação que se vive em Moçambique.
Na obra, que decorre numa cidade moçambicana, coloca- -se no centro o clã Simbine. Ou seja, Tomás, um médico que idealiza a estação balneária local, descobre que as suas águas estão contaminadas. O seu irmão, Pedro, que é inspector, ao receber a informação capaz de provocar um instabilidade económica, manipula a imprensa para não publicá-la, satisfazendo objectivos egoístas. É em volta disso que a peça gira.
Falando perante o público na noite da sexta-feira, 26 de Abril, altura em que se fez a ante-estreia de Um Inimigo do Povo (a nova peça do Grupo de Teatro Mutumbela Gogo que estará em breve), a directora do Teatro Avenida, Manuela Soeiro, que fez a encenação da obra, explica: “Esta peça é dedicada a Eduardo Mondlane, Samora Machel, Carlos Cardoso e Siba-Siba Macuácua – por terem perdido a vida de forma súbita – e a todos os jornalistas moçambicanos que lutam contra a corrupção e são pela verdade”.
Antes de desenvolver a ideia sobre o tributo que, também, se presta aos homens da imprensa, a encenadora de Um Inimigo do Povo recordou-se de que “nós somos da raça humana. Por isso, sempre buscamos histórias que retrata(ra)m a realidade humana noutros contextos e momentos do percurso da humanidade”.
Por outro lado, “queremos dedicar esta peça a todos os jornalistas moçambicanos, sobretudo àqueles que não têm medo; trabalham com firmeza; são apologistas da verdade, afinal é com base nos seus trabalhos que nós, o público, sempre que nos informamos, também, nos sentimos encorajados a continuar na nossa frente de luta”.
É preciso reconhecer que há vezes em que os jornalistas são ameaçados por causa do trabalho que fazem, mas não desistem. Os profissionais da comunicação são pessoas que trabalham pensando na família, mas ao mesmo tempo no bem da comunidade.
Sem discriminar os demais, o elenco do Mutumbela Gogo elege como público-alvo da sua produção teatral os jovens. É importante que eles sejam estimulados para agir sempre que for necessário. “Sentimos que é importante que esta camada, sobretudo a que opera na comunicação social, perceba que não está sozinha, mesmo que enfrente dificuldades. Em quase todas as áreas, o trabalho dos artistas também representa uma luta pela manutenção da verdade”.
Aliás, no caso dos jornalistas, o convite torna-se especial na medida em que a obra possibilita que os mesmos visualizem as peripécias que, colocando em causa o exercício da sua profissão, são experimentados por eles.
E é bom que se glorifique os jornalistas, uma classe social sobre a qual Manuela Soeiro considera que são “os responsáveis pela origem das personagens das nossas peças. Basta que se tenha em mente que em tudo o que eles – na sua produção diária de informação – fazem há sempre personagens. Pode-se dizer que a comunicação social é a nossa maior fonte de inspiração”.
Não somos manequins
Uma questão que se instala, quando se assiste à peça, devido à forma como se explica o contexto social, relaciona-se à importância actual da referida obra. Ou seja, porque é importante que agora, mais do que nunca foi preciso, se tenham em mente as artimanhas de Um Inimigo do Povo? E quem é ele?
A verdade é que há bastante tempo, havia-se planificado a exibição desta obra. Sucede, porém, que ela está a ser exposta por um mero acaso agora. Ou seja, podia ter sido exibida noutras circunstâncias.
“A coincidência, no entanto, é que neste momento, na nossa sociedade, há determinados acontecimentos que são retratados na obra”. Além do mais, sempre que o Mutumbela Gogo expõe obras de teatro, fá-lo tenho em conta o seu contexto social. “Não realizamos obras que não se enquadram nas vivências dos moçambicanos”.
Além do mais, “o que nós fazemos, como acontece no jornalismo, é um serviço público. O povo merece. Se nós fizéssemos trabalhos de fachada estaríamos a ser manequins, o que não somos. Sentimos os problemas das pessoas. Não é obra do acaso que se diz que a imprensa é o quarto poder. É que ela presta um serviço público de relevância social”.
Como tal, “no dia em que nos proibirem de fazer o nosso trabalho, marcharemos nas ruas a gritar contra quem limitar a nossa liberdade”, refere Manuela acrescentando que “estamos estimulados a trabalhar porque existem outras forças que não são necessariamente as nossas, mas que travam a mesma luta. Encontramo-nos em frentes diferentes, mas a batalhar pela defesa dos direitos e liberdades dos Homens”.
Digressão no centro e norte
A produção e exibição da peça são financiadas pela Embaixada Real da Noruega. Está prevista a realização de uma digressão para a apresentação da obra nas províncias do centro e norte do país, excluindo Niassa.
Nos dias 2 e 3 de Maio, por ocasião da realização do Seminário Sobre as Redes Sociais, a cidade de Pemba acolheu a exibição do Inimigo do Povo. Artistas de vários sectores e as comunidades locais participaram no evento. Na segunda quinzena de Maio, a peça será exposta no Teatro Avenida, em Maputo.
Como eles reagiram
Na verdade, Um Inimigo do Povo ainda está em processo de maturação. Por isso, nesta edição, ainda que tenhamos assistido à sua ante-estreia não a comentamos. O que não se pode recusar é a intemporalidade e actualidade da criação. Como, então, é que os artistas que participam na sua representação reagiram à obra de Ibsen?
Adelino Branquinho
“Estou feliz porque o papel que interpreto é muito vivo. Represento uma figura que nos recorda um general muito conservador. Foi fácil representar esta personagem porque os generais são figuras presentes no nosso dia-a-dia”.
Jorge Vaz
“Cada actor possui uma forma peculiar de trabalhar, mas há vezes em que nos apoiamos. Por exemplo, para a questão da pesquisa, um seriado de televisão, como as histórias reportadas nos jornais, pode ser uma fonte de inspiração”.
“Eu acredito que o Ibsen deve ter (ou tinha) origens relacionadas com Moçambique. Não estamos a adaptar nada. Há uma mera coincidência entre a sua obra, escrita há dois séculos, e o que se está a viver em Moçambique”.
Graça Silva
“Um elemento importante é que, invariavelmente, as peças de Ibsen têm a ver com a nossa realidade. Por isso, é muito fácil interpretá-las ou construir personagens para elas.
“No Mutumbela Gogo, temos tido o hábito de convidar actores de grupos de teatro amador para trabalharem connosco. É uma forma de incentivá-los. Essa formação tem sido útil e gratificante para ambas as partes na medida em que se verificam progressos neles. Ninguém quer que o teatro morra”.
Vítor Raposo
“Eu também sou um jovem a quem se está a passar o testemunho. Fui um dos fundadores do Mutumbela Gogo. Agora estou a trabalhar em Pemba, onde tenho uma associação cultural. Lá está- -se a criar um efeito multiplicador, introduzindo-se a semente do teatro”.