No mundo, existem, ou melhor, desde adolescente, habituei-me a ouvir falar de 3 tipos de golpes: Golpe de Estado, Golpe do Baú e Golpe da Barriga.
1. Na Guiné-Bissau, o golpe que mais se pratica é o de Estado: Golpe de Nino Vieira sobre Luís Cabral, em 1980. Tentativa falhada de se golpear Nino Vieira em 1985. Em 1994, já havia 3 tentativas falhadas de golpe de Estado contra Nino Vieira. Revolta das forças armadas chefiadas por Ansumane Mané, em 1998, e, em 1999, Nino Vieira exila-se em Portugal – golpe de Estado consumado.
Em 2003, golpe de Estado sobre o Presidente do barrete vermelho, Kumba Yalá. Assassinato do Presidente Nino Vieira, a tiro e a catana, em 2009. Tentativa de golpe de Estado, em 2010, para se depor o Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior.
Em 2012, um golpe de Estado derruba o governo de Carlos Gomes Júnior e o Presidente interino Raimundo Pereira. Como se pode ler, de entre todos os países falantes da Língua Portuguesa, a Guiné-Bissau é o único lugar onde se leva a sério o golpe de Estado. Em cada 5 anos, dá-se ou falha-se um golpe de Estado naquele país.
2. O Golpe do Baú, aquele em que uma mulher (ou homem) se casa com um homem (ou mulher ou os dois géneros) para se dar bem na vida e, posteriormente, ficar com as posses do cônjuge, é um golpe que é da especialidade dos brasileiros.
As novelas e os noticiários das redes de televisão e jornais brasileiros, quase que regularmente, oferecem-nos uma história dos golpes do baú brasileiros. E os brasileiros até matam, por exemplo, quando se apercebem de que a pessoa a quem deram o golpe está a demorar a morrer – se for velho – ou quando não obtêm o que estava nos seus planos – se o marido for jovem.
Denize Soares, brasileira de 43 anos, matou o marido, Sébastien Brun, francês de 31 anos. Esvaziou as suas contas bancárias, recolheu o dinheiro de dois seguros de vida e ainda vendeu o carro do homem. Posteriormente, foi condenada, na França, a 17 anos de prisão pela morte do marido, que levou a cabo pelos caminhos subtis e menos trabalhosos do envenenamento – o que foi “decente”, num país onde se esfaqueia, dá-se tiros e se esquarteja os cônjuges.
3. Em Moçambique, o forte é o golpe da barriga. Se se for a andar pelos lares moçambicanos, não faltará, em cada 10 casas, pelo menos, um homem ou mulher que confessará ter sido vítima do golpe da barriga – sim, os homens também dão golpes da barriga, ao engravidarem propositadamente uma mulher que não queiram perder ou que queiram segurar.
Contudo, por influência brasileira, cuja cultura cada vez mais se vai imiscuindo e promiscuindo com a moçambicana, e também com a proliferação, nos últimos tempos, das chamadas góias e dos ditos bonitões, raças que vivem apenas para se dar bem socialmente e economicamente às custas do esforço alheio, em Moçambique, mais e mais vai-se praticando o Golpe do Baú.
O Golpe de Estado? Nem sinal. Os moçambicanos actuais, que são feitos de uma madeira muito diferente daquela que se usou para fabricar Samora Machel, andam ocupados e preocupados com coisas mais sérias e mais democráticas, e levam a vida mais a protestar do que a agir…
4. Dizem as más-línguas que o General Sebastião Marcos Mabote era o único moçambicano especializado no ramo do Golpe do Estado. Infelizmente, o bom General Mabote morreu sem que tivesse dado um único golpe de Estado – bom, pelo menos, oficialmente. Coincidentemente, o General morreu em 2001, 3 anos antes da subida de Armando Guebuza ao poder.
Ora, desde que Guebuza subiu ao poder, Moçambique tornou- -se um terreno muito fértil, senão tentador, para se praticar o golpe de Estado. Nestes quase 9 anos em que o homem tem estado no poder, explodiu o Paiol de Mahlazine (em Março de 2007), houve incêndio no Ministério da Agricultura por duas vezes (Maio de 2007 e Outubro de 2008), houve um outro incêndio num departamento do Ministério das Finanças (Outubro de 2008), eclodiram duas greves violentas (Fevereiro de 2008, pelo aumento do preço de chapa, e Setembro de 2010, pelo aumento dos preços da água, luz e pão), realizou-se o X Congresso da Frelimo, partido no poder (no ano passado, 2012, de 23 a 28 de Setembro, congresso que praticamente paralisou o país e tirou toda a massa governativa de Maputo para Pemba) e o custo de vida subiu violentamente.
Em todos estes acontecimentos, o governo demonstrou clara e penosa incompetência para reagir e gerir os mesmos – acima de tudo, o que ficou exposto foi o desnorte e a desconcertante falta de ideias dos membros do governo de Guebuza. Quem se interessou, e até mesmo quem não se interessou, pôde ver e medir o quanto este governo era vulnerável, previsível, lento e fraco para reagir às crises e/ou situações complicadas.
Mas nada aconteceu. Não se deu nenhum golpe de Estado. Nem um golpinho sequer se tentou ensaiar nos respectivos momentos e posteriormente. E, pior, parece-me que ninguém está a pensar em dar um. Enfim, na altura em que mais se ia precisar de um golpe de Estado, o especialista moçambicano em golpes de Estado morreu. E não deixou nenhum ensinamento nem nenhum escrito sobre como se dar o seu golpe de Estado.
Se as más-línguas estiverem certas em relação às habilidades do General Mabote, este tipo de situação só é mesmo possível em Moçambique: haver um especialista do Golpe de Estado que morre sem ter dado um golpe de Estado – pelo menos oficialmente – e que não deixa nenhum manual escrito com os seus ensinamentos.
5. E não há-de ser preciso ser-se muito inteligente para se descobrir a razão de os moçambicanos serem especialistas do golpe da barriga e, ultimamente, do golpe do baú: não têm o estofo nem as bolas nem a competência para dar um golpe de Estado.
Quem alguma vez conviveu o bastante com a raça moçambicana sabe que em assuntos onde haja risco de vida e que, para sua execução, seja necessário derramamento de sangue, nenhum moçambicano é descoberto. Os moçambicanos fogem dos assuntos que precisam de coragem à mesma velocidade com que os machistas puritanos fogem dos paqueradores homossexuais.
6. Entretanto, o valor dos homens de um povo sofredor e miserável é medido de acordo com a sua participação e entrega nos golpes que dão para melhorar as suas vidas. E, sinceramente, não se pode levar a sério um povo golpeador do baú e da barriga.
Olhe-se para a diferença entre um Estado e um baú: é muito grande! Entre um Estado e a barriga: é insondável! Um povo sofredor que se atreva a dar um golpe de Estado é um povo que, se não for sério, pelo menos, merece respeito. É corajoso.
Os moçambicanos, estes, preferem o modesto título de “povo maravilhoso” ou “boa gente” ou “pessoas pacíficas e hospitaleiras”. Não querem pensar com grandeza e agir com violência nem querem viver com honra e morrer com glória. Aliás, não lhes agrada muito a ideia de morrer. Preferem viver na covardia do que morrer. Decididamente, não querem morrer. Nem pela mais nobre das causas: o bem-estar das gerações do futuro..