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Artistas querem que a legislação cultural funcione

Artistas querem que a legislação cultural funcione

No último encontro entre os protagonistas das actividades culturais e o ministro da Cultura, Armando Artur – realizado no mês passado – o Governo expressou a vontade de intermediar no processo de financiamento de projectos artístico-culturais. Mas antes, deve-se criar uma instituição para o efeito. Por isso, algum tempo do ano 2013 será investido na realização de uma pesquisa sobre a pertinência da sua existência. A boa nova é que, ao que tudo indica, com esta iniciativa, alguns artistas poderão tirar o pé da lama…

Em Moçambique, a inexistência de uma indústria cultural operacional – realidade que é consubstanciada pela elevada prática de contrafacção de produtos culturais, o desrespeito aos artistas e a não aplicação da legislação cultural vigente, resultante da falta de fiscalização pelos órgãos de direito – tem sido a razão que faz com que muitos artistas sejam votados ao desemprego precoce.

Diz-se que neste país as instituições financeiras são descrentes em relação aos projectos culturais e, por essa razão, não os financiam. E uma forma de lhes recusar o patrocínio já não é dizer: “Não!”. Exigem sobre os seus projectos elevadas taxas de juro. Quem é que – com um projecto altamente arriscado – aceita um financiamento em que lhe exigem mais de 40% de juros?

Os artistas, como se comprovou no debate, concordam que – nos moldes em que o negócio da produção artístico-cultural é feito no país – não oferecem nenhuma garantia à banca. É nesse ponto que, a ser criada uma instituição de financiamento à cultura com características comerciais, o Governo deve ponderar mais.

De uma ou de outra forma, ainda que o Governo não abdique de custear os projectos culturais como o tem feito até agora, a ideia de que o Ministério da Cultura pretende, neste ano de 2013, utilizar parte do seu parco orçamento para contratar uma empresa que irá fazer um estudo sobre a pertinência da criação de uma instituição para financiar as iniciativas culturais com base em matrizes comerciais, não foi acolhida de forma similar.

“Quero que haja um cachê básico” – Aly Faque

“Eu penso que é altura de em Moçambique haver uma lei que obrigue os promotores de eventos culturais a pagarem um cachê básico ao artista, de forma que o músico tenha alguma dignidade no trabalho que faz. Digo isso porque venho de uma penúria. Já trabalhei com a Vidisco Moçambique, empresa que fazia um contrato de trabalho fantasma comigo, para me explorar. Em cada álbum – dos seis que eu editei – eles pagavam-me 50 mil meticais, um valor mísero, e ficavam a facturar com a venda dos discos”.

“Então, peço para que o Ministério da Cultura nos ajude para que se pratiquem, em Moçambique, contratos laborais justos de modo que possamos ter a possibilidade de adquirir um meio de transporte próprio. Eu tenho seis álbuns editados e publicados e continuo pobre, sem apoio nenhum”.

“Não temos nenhuma editora credível no país”, Ildo Ferreira

“Senhor ministro, em Moçambique não existe indústria de música. Por isso, é quase impossível haver agenciamento porque os agentes musicais estão preocupados em ter garantias. Nós não temos nenhuma editora musical credível no país. Eu gostaria de saber que garantias esta instituição que se pretende criar pode encontrar nos músicos de um país que mal consegue pagar-lhes. A indústria hoteleira não contrata os cantores. Todas as casas de pasto pagam uma miséria”.

Jaime Santos

“Como é que 500 exemplares de um livro de poesia vão dar garantia para que se possa financiar a publicação da obra? Quanto custa fazer uma peça de teatro? E qual é a garantia de retorno que nisso existe?”

“Não temos retorno do trabalho que se faz”, Hortêncio Langa

“Para criarmos uma indústria cultural, devemos ter em conta alguns factores, nomeadamente o financiamento, a produção – a qual, apesar de todas as dificuldades que enfrentamos tem acontecido – mas é muito mais importante considerar-se o mercado. O público não paga os verdadeiros custos da produção de um espectáculo no país. É por essa razão que se questiona: como é que podemos ter acesso ao financiamento bancário sem garantias de retorno?”

“Penso que é aqui onde o Governo terá de encontrar uma forma de continuar a financiar a cultura, ignorando as possibilidades de o financiamento bancário resolver o cenário em que nos encontramos, porque o público não paga o valor real dos produtos culturais que consome”.

“Faltam-nos leis operacionais”, Stewart Sukuma

“Penso que se trata de uma iniciativa muito boa, na perspectiva de que os artistas podem beneficiar de capacitações em matérias específicas da sua actividade. Mas há outros aspectos que se devem considerar: não há absolutamente lei nenhuma neste país que defende as artes e a cultura”.

“Exactamente por isso, acho que qualquer financiamento que surja – sem que as leis sejam prementes, correntes e aplicadas – fica sem sentido. Devíamos, antes de mais, reflectir nos mecanismos de proteger a indústria cultural no país. Por exemplo, para expressar a sua fraqueza, no mesmo dia que eu faço um espectáculo em Maputo, há um outro artista internacional em acção – sem nenhuma articulação – quando se sabe que os artistas nacionais possuem inúmeras desvantagens em relação aos estrangeiros”.

“Eu acho que deve haver leis rígidas e operacionais em Moçambique que defendam o nosso artista. Quando vem um artista estrangeiro para fazer shows deve deixar alguma parte do seu cachê, pelo menos uns 10%, no FUNDAC, em benefício da cultura local”.

“Estamos cansados de ser mendigos”, José Mucavele

“A proposta do Ministério da Cultura tem espaço para andar. O problema está no facto de os prazos que nos dão para reembolsar os valores serem muito reduzidos”.

“A actividade do artista é criar e apresentar o seu trabalho ao público. No entanto, faltam-nos empresários e gestores de carreiras artísticas. Então, nós não vamos poder fazer esse trabalho porque não nos diz respeito. Se esta instituição vier a ser criada será muito bom para os que têm projectos. Por exemplo, eu criei um projecto de desenvolvimento cultural. Fui a um banco pedir financiamento e o mesmo pediu-me 42% e eu desisti. Então, é preciso incentivar a criação desta instituição”.

“Já há bastante tempo, temos falado da necessidade de haver leis que defendam a cultura, incluindo o artista. Não podemos passar o resto das nossas vidas a estender a mão, pedindo apoios nas empresas, numa situação em que temos alguma contraproposta. Eu começo a constatar que as empresas que financiam a cultura exploram o artista que recebe uma ninharia de dinheiro, enquanto o logótipo das mesmas é estampado nas obras eternamente”.

Lucrécia Paco

“A instituição é muito bem-vinda, porque nós somos artistas, temos ideias, sonhamos, criamos e, muitas vezes, por falta de financiamento, não temos como implementá-las nem onde pedir apoios. Muitas vezes somos obrigados a fazer trabalhos por encomenda – como, por exemplo, falar sobre a SIDA – e não podemos colocar a nossa imaginação criativa como desejaríamos. Penso que, a ser criada, esta instituição irá obrigar-nos a dar o melhor de nós, admitindo que o Governo continuará a apoiar os artistas que não possuem garantias”.

“E para que as instituições possam funcionar, deve haver um trabalho de divulgação da mesma para que não haja tráfico de influências. Muitas vezes nós, os artistas, não sabemos quando é que devemos apresentar as propostas de projectos ao FUNDAC”.

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