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Um polícia com alma de cantor

Um polícia com alma de cantor

Eugénio Viegas, agente do Comando Provincial da Polícia da República de Moçambique em Nampula, cumpre uma paixão antiga: cantar. Desde pequeno, alimenta o sonho de subir aos palcos e mostrar o seu talento. Com os seus próprios meios, criou um estúdio de produção de música na sua casa, onde passa a maior parte do tempo a gravar as suas composições. Presentemente, dispõe de mais de 32 canções, sendo que o seu maior objectivo é editar um álbum.

Eugénio Luciano Viegas é natural de Namapa, província de Nampula. Completou 40 anos de idade no dia 25 de Outubro do ano em curso. Cresceu naquele distrito. O seu pai, na altura funcionário dos Correios de Moçambique, foi transferido para a cidade de Nampula. Porém, foi no distrito de Monapo onde fez a oitava classe, tendo mais tarde ingressado na Escola Industrial de Carapira, onde concluiu o nível básico de mecânica.

Em 1993, mudou-se para a cidade a fim de continuar a estudar. Quando perdeu a mãe, anulou a matrícula, mas teve a oportunidade de trabalhar como mecânico. Mais adiante, nove anos depois, em 2002, o seu contrato terminou. Desempregado, no princípio do ano seguinte, Eugénio Viegas remeteu os seus documentos no Ministério do Interior com o objectivo de ingressar nas fileiras da Polícia da República de Moçambique.

@Verdade (@V): Quando começa a sua paixão pela música? Eugénio Viegas

(Eugénio Luciano Viegas): O sonho de ser cantor começa na infância. Sempre imaginei-me a realizar concertos em grandes palcos, mas no meu tempo não havia possibilidades. Já tive a oportunidade de estar com a banda Eyuphuro quando os seus integrantes visitaram Monapo. Apesar de que ainda era miúdo – nessa época tinha 16 ou 17 anos de idade – travei uma conversa com um dos integrantes, de nome Mandito, que tocava guitarra baixo. O meu pai convidou-o para um almoço que, por motivos de natureza laboral, não aconteceu. Depois dessa situação, na Escola Industrial de Carapira, ingressei no Grupo Coral da Igreja, onde aprendi a tocar piano e saxofone. Tínhamos muito pouco tempo, visitávamos os nossos pais na última semana de cada mês. Quando regressei de Maputo – onde fiz o curso de polícia – fui afecto em Nampula, então comecei a amealhar algum dinheiro do salário que ganhava até que consegui criar um estúdio de gravação. Mas antes de criar o estúdio, já tinha feito duas composições musicais. Portanto, o sonho de cantor é uma coisa antiga. O que estou a fazer agora é materializá-lo.

@V: Qual foi o seu primeiro tema?

EV: O meu primeiro tema foi “Eu canto chorando”. Trata-se de uma música que fiz depois de perder o meu pai. Quando fosse para um estúdio, sempre encontrava-o cheio de pessoas e, por causa da minha idade, não gostava da forma como me tratavam. Como já tinha algum dinheiro, comprei um computador, com o qual, ainda que não soubesse manipular, aprendi a trabalhar. Mais tarde, comprei uma mesa, microfones e montei um mini-estúdio. Comecei a produzir as minhas músicas. Produzi quase todas as músicas sozinho. O segundo tema foi dedicado à minha esposa com quem estou casado há sensivelmente 15 anos.

@V: Qual foi o principal objectivo ao abrir um estúdio em casa?

EV: Não o fiz somente para mim, mas também para apoiar outros cantores. Tenho convidado músicos para gravarem as suas músicas, a custo zero, no meu estúdio. O que me limita é o facto de que o estúdio ainda não está legalizado. Prefiro fazer o meu trabalho e apoiar os outros até que eu o legalize. Por causa da minha posição, não acho correcto neste momento usar o estúdio para fins lucrativos. Mas quem estiver interessado em produzir a sua música compra energia e faz a sua captação ou produção. No meu estúdio, já tive a oportunidade de estar com músicos conceituados em Nampula como, por exemplo, Manesca Pabo e Tony.

@V: Já teve a oportunidade de se apresentar publicamente?

EV: Já tive a oportunidade de estar em diversos locais. O Comando Provincial da PRM em Nampula já me convidou para cantar no Dia de Natal Para a Criança Órfã. Foi aí que o Comando me descobriu. Mais tarde, fui convidado para o Natal do Polícia na piscina de Ferroviário. Mostrei a minha música e, em resultado disso, fui convidado para cantar para o público no dia da cidade de Nampula. Também fui convidado no dia da vila de Monapo. Primeiramente, o público tentou repudiar-me porque não conhecia as minhas músicas. Instantes depois de me apresentar, as pessoas apreciaram imenso o meu trabalho, sendo que alguns me pediram autógrafos. Recebi muitas felicitações. O evento foi bonito e marcante.

@V: Que apreciação faz do mercado da música no país?

EV: É uma situação complicada que impacta na fraca publicação de novos trabalhos discográficos. O país não consegue descobrir cantores porque há limitações. Por exemplo, hoje não posso lançar o meu vídeo e sair na televisão porque há muitas barreiras nesse sentido. O mercado da música em Nampula ainda é pobre, o povo gosta, mas não dá valor. Enquanto em Nampula, os músicos cantam só por cantar. Em Maputo há pessoa que se tornam célebres. Lizha James, Mc Roger, entre outros, são exemplo disso. Por exemplo, estou na música há 10 anos. Quando eu fiz as primeiras duas músicas, as pessoas escutavam mas não conheciam quem era o artista. As pessoas passaram a conhecer-me quando realizei o primeiro espectáculo, a par de uma entrevista na televisão. Portanto, nós os artistas precisamos de que o nosso trabalho seja publicado em todo o país e fora.

@V: Quais são os seus desafios?

EV: Primeiro, gostaria de afirmar-me no mercado nacional da música. Pelos espectáculos que já dei, eu sei que um número considerável de pessoas já conhece as minhas músicas, o que falta é expandi-la. O meu objectivo é continuar a trabalhar, ensinar os mais novos e deixar um herdeiro para perpetuar a minha obra.

@V: Quantos temas já produziu até hoje e qual é o seu estilo musical?

EV: Já produzi 11 temas. Faço mensagens e ritmos diversificados, mas o meu estilo preferido é a música tropical ou zouk. O meu objectivo é compor um álbum, mas tenho tido dificuldades por causa das editoras. Não há possibilidades de editar as minhas músicas em Nampula. É aqui onde está a minha limitação. Mas eu não vou parar, apesar de ser difícil conciliar o meu trabalho, a música e o papel de pai e esposo. Já pensei na produção independente, mas isso é muito oneroso. Do mesmo jeito que lutei para abrir o estúdio, também vou lutar para lançar o meu álbum.

@V: Tem tido tempo para se dedicar à música, tendo em conta que é funcionário da PRM?

EV: Tenho muito tempo para me dedicar à música. Durante nove anos, fui polícia patrulheiro, e trabalhava em turnos. Por exemplo, se eu entrasse às 7.00H saía às 19h00. Nesse espaço de tempo, ao invés de estar na bebedeira e com menininhas, eu optava por me sentar no estúdio a fazer o meu trabalho. Hoje estou no Comando Provincial a substituir o chefe da secretária da Direcção da Ordem. Trabalho das 7.00H às 15.30H. Das 15h30 até o dia seguinte às 6h00, tenho tempo para fazer a captação de voz e arranjos das músicas. Quando chega o fim-de-semana, trabalho e também tenho momentos de lazer.

@V: Onde encontra a inspiração?

EV: Admiro o Camilo Domingos. Sou seu fã. Penso que a minha fonte de inspiração são os artistas que fazem boa música. Em Moçambique, só fã de Djei. Gosto do que ele canta, porque não é uma pessoa limitada. Se um dia tiver a oportunidade de me avistar com ele, vou abraçá-lo e felicitá-lo pelo trabalho que faz. Já tive a oportunidade de conversar com Constâncio, que já esteve no meu estúdio. Quero encontrar-me com Carlos de Lina, Djei, Lizha James – esse pessoal todo – afinal de contas ser cantor não é apenas ser famoso, mas fazer algo que as pessoas escutem e gostem.

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