Pela primeira vez, desde que o seu caso se tornou público, Majid Movahedi, o jovem estudante de engenharia electrónica que em 2004 lançou ácido no rosto de Ameneh Bahraminava quando esta se recusou a casar com ele, cegando-a, falou à comunicação social para justificar o injustificável. @ VERDADE, a partir de uma reportagem exclusiva do jornal “El Mundo” em Teerão, traça-lhe os contornos desta história arrepiante.
Porque decidiu lançar ácido no rosto de Ameneh?
Majid Movahedi (MM) – Queria casar-me com ela. Tentei tudo para levar as coisas a bem. Falei demoradamente com ela, chorei muito, mas ela não me prestou atenção… Não me restou, por conseguinte, outra opção. Pensava que ao lançar-lhe o ácido nenhum outro homem se iria casar com ela, e assim poderia mais facilmente casar comigo.
Quando é que decidiu fazê-lo?
MM – Numa noite em que estava completamente desesperado. Passei 15 horas a pensar como é que ela podia apaixonar-se por mim. Na manhã seguinte, comprei o ácido numa oficina onde reparavam baterias. Misturei-o com muita água porque pensava que deste modo, apesar de lhe queimar a cara, depressa a dor passaria. Não queria, de modo algum, cegá-la, mas também a culpa foi dos médicos que a socorreram porque não lhe lavaram bem a cara quando ela chegou ao hospital. Deste modo, não sou totalmente responsável pela cegueira de Ameneh.
Porque é que recorreu ao ácido?
MM – Li nos jornais que no Irão ocorrem muitos casos de homens e mulheres que atacam com ácido. (O fenómeno é tão comum que os homens e mulheres que o fazem já têm um nome: “atiradores de ácido”).
As respostas nervosas de Majid Movahedi, o jovem estudante de engenharia electrónica que lançou ácido no rosto de Ameneh Bahraminava quando esta se recusou a casar com ele, em 2004, chegam por telefone. Esta é a primeira vez que Majid, o verdugo de Ameneh, presta declarações a um órgão de comunicação social, apesar da insistência da BBC, CNN, do ‘The Washington Post’ e de alguns periódicos iranianos. Fá-lo desde as cabinas públicas da prisão de Karaj, a 25 quilómetros do centro de Teerão, onde se encontra há cinco anos, com os cartões de telefone pré-pagos que os seus pais, Aziz e Mahdotj, lhe levam nas visitas das terças-feiras.
Na prisão, a solidão de Majid é grande. A maioria dos reclusos recrimina-o pelo seu acto brutal. Até os outros “atiradores de ácido” consideram que Majid cometeu uma “grande estupidez” e gozam com a sentença que lhe espera. Como castigo, pelas lesões provocadas a Amaneh, Majid será igualmente cegado com ácido. Olhos nos olhos, num caso inédito.
“Telefona-me cinco ou seis vezes por dia e a primeira coisa que pergunta é se sabemos algo de Ameneh”, conta Mahdotj, a mãe. Está sentada nas almofadas que cobrem o chão da sala da sua casa no sul de Teerão, onde me recebe juntamente com o marido e uma das suas filhas, Mahbude, a irmã mais velha de Majid e o único elemento da família que fala inglês.
Cuidarei dela
“É Majid”, disse Mahbube, a irmã, depois de atender o telefone situado num canto da sala. “Quer falar consigo.” Não esperávamos. “É a primeira vez, desde que está preso, que deixamos ele falar com alguém que não é da família. Não queremos expô-lo. Se você fosse inglesa ou francesa, não deixaríamos”, explica o pai.
Eu havia acordado um encontro prévio para falar com o casal Movahedi sobre a situação do seu filho, mas a família quer agora dar voz a Majid. Pretendem que as palavras de arrependimento do filho cheguem directamente aos ouvidos de Ameneh, que se encontra em Barcelona, onde, por estes dias, irá submeter-se a uma nova intervenção cirúrgica estética que lhe permita recuperar a estrutura do olho esquerdo.
– Afirmou no julgamento que ainda está apaixonado por Ameneh. É verdade?
– Viveria com ela inclusivamente se ela me cegasse. Continuo a amá-la e assim será mesmo que fique cego. Toda a gente pensa que o que quero com estas palavras é escapar à sentença, mas eu amo-a de verdade.
– O que se vai passar consigo quando for aplicada a sentença?
– Se ficar cego tenho de sair da prisão porque aqui não há ninguém que cuide de mim nessas condições. Não vejo com bons olhos o meu futuro. Fico triste especialmente pela minha mãe.
Irá procurar Ameneh quando sair da prisão?
– Sim, irei procurá-la uma vez. Se ela disser que não quer voltar a ver-me não a procurarei mais. Sei que está muito magoada, mas tratarei de compensá-la por tudo o que lhe fiz. Cuidarei dela.
Como irá cuidar dela se estiver também cego?
– Nesse caso não poderei. Se cegar não irei procurá-la.
O que sente agora?
– Estou muito assustado. Ameneh disse que ela mesma é que iria aplicar-me as gotas de ácido nos olhos. Mas como é que vai fazê-lo se está cega? Está a mentir.
Ao casal Movahedi não resta muito tempo para salvar os olhos do filho.
O juiz anunciou que a sentença, que ordena que sejam aplicadas a Majid 20 gotas de ácido em cada olho para compensar a cegueira de Ameneh, seja efectivada a qualquer momento, depois das celebrações do Nourouz – o novo ano persa, cujos festejos terminam a 3 de Abril.
“Faço-o também para que em Espanha e no estrangeiro vejam que não somos más pessoas”, refere Aziz, o pai, justificando o facto de ter concedido a entrevista. Aziz explica que a sua família vive, para além de todo o drama do filho, uma tragédia social. “Julgam-nos também como se fossemos todos culpados.”
Aziz tem, diante de si, os recortes dos jornais onde Majid foi notícia, os seis diplomas obtidos na prisão (desde francês até mecânica automóvel) e os recursos que já apresentou.
“Eu também sou vítima”
Porque decidiu falar agora depois de tanto tempo?
– Porque quero que revejam o meu caso, uma vez que ele complicou-se bastante. Outras pessoas cometeram crimes semelhantes ao meu e não tiveram condenações tão duras. Comigo foi diferente porque Ameneh foi muito lesta nas acusações que fez.
A que se refere quando diz que o seu caso se complicou?
– Fui vítima de um julgamento de durou bem mais do que devia. Todos os que fizeram o mesmo foram condenados a dois ou, no máximo, a três anos de prisão, mas o meu caso arrastou-se muito. Isto prejudicou-me sobremaneira porque quando Ameneh regressou a Espanha pediu pimenta para os meus olhos. Como eu ainda estava preso deixaram-me aqui, caso contrário já estaria livre. Ameneh joga muito bem com as palavras e conseguiu que me retivessem aqui na prisão.
Pensa que merece a pimenta?
– Sim, mereço. Penso constantemente nisso. Sei que agi erradamente.
O que vai pedir à Justiça? A sua família pede que lhe perdoem.
– Ouvi dizer que ela ainda possui 40% de visão no olho direito, mas a mim querem cegar-me completamente. Mereço que me ceguem um olho, mas não os dois, porque ela ainda pode ver um pouco.