O Tribunal Administrativo tem estado, nos últimos tempos, a devolver expedientes relativos à mudança de carreira para N2 submetidos por funcionários do Estado, em particular os do sector da Educação, que tenham adquirido o grau de Bacharelato. A posição do Tribunal Administrativo resulta da má interpretação dos artigos 22, 23 e 25 da Lei 27/2009 de 29 de Setembro, que revoga a Lei 5/2003 de 21 de Janeiro, que regula a actividade do Ensino Superior em Moçambique.
O Tribunal Administrativo, à luz da Lei 27/2009, entende que os graduados com o nível de Bacharelato, e que tenham ingressado na Função Pública antes da entrada em vigor deste dispositivo legal, não podem mudar de categoria para N2, apesar de este qualificador profissional estar previsto no Aparelho do Estado.
Só que a referida lei (27/2009) em nenhum momento anula a carreira de N2, estabelecida no Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado. Ela visa, sim, uniformizar e regular a actividade do Ensino Superior em Moçambique, dividindo-a em três ciclos, nomeadamente Licenciatura, Mestrado e Doutoramento.
Aliás, muitos foram os funcionários que começaram a frequentar aquele nível em 2008 e 2009, os quais hoje se vêem prejudicados.
O problema é que, sendo uma lei aprovada em Setembro de 2009, todas as instituições de ensino superior não poderiam, a partir de 2010, admitir cursos que atribuem certificados de Bacharelato.
Aqui coloca-se o princípio da “não retroactividade da lei”, ou seja, a lei só se aplicaria a cursos que fossem ministrados a partir de 2010, e não a casos anteriores à sua aprovação pois na altura já havia funcionários que estavam a estudar para obter o grau de Bacharelato nos anos subsequentes.
Ora, qualquer lei tem sempre um período transitório para não prejudicar os direitos adquiridos durante a vigência da anterior. Mais: a Lei 27/2009 determina no seu artigo 34a que “mantêm-se válidas para todos os efeitos legais, os direitos acadé- micos de bacharelato e licenciatura atribuídos à luz da Lei 5/2003 de 21 de Janeiro”.
Ou seja, a existirem bacharéis cujos processos deverão ser recusados pelo Tribunal Administrativo seriam os que teriam ingressado no ensino superior em 2010, quando ainda estava em vigor a Lei 27/2009, e não os que ingressaram na vigência da Lei 5/2003.
Ora, admitindo-se que até Outubro de 2009 havia cursos que habilitavam os indivíduos com o nível de Bacharelato, e que estes poderiam terminar em 2009, 2010, 2011 e 2012, como é que o Estado forma pessoas que depois não as vai integrar nas respectivas categorias?
Outra questão que contraria a posição do Tribunal Administrativo é o facto de nas contas do Estado referentes ao período compreendido entre os anos 2010 e 2012 estarem previstos fundos para cobrir tais mudanças de carreira, sendo que muitos abrangidos por tal dotação orçamental foram notificados da existência de condições para a sua progressão.
Professores são os mais prejudicados
Entretanto, de todos os sectores da Função Públi- ca cujos funcionários foram afectados por esta medida do Tribunal Administrativo, o da Educação é o mais visível.
Segundo uma nota enviada ao nosso Jornal, que incluía um abaixo-assinado, mais de uma centena de professores bacharéis, que também são estudantes da Universidade Pedagógica, reclamam a salvaguarda dos seus direitos, prevista na lei em causa (27/2009), e exigem a revisão dos artigos que estão a servir de argumento para legitimar esta medida, à qual chamam de “injustiça ilegal”.
Situação de Maputo
Na cidade de Matola, após sucessivas devoluções de expedientes referentes à mudança de carreira para Docente N2 ou Técnico Superior de N2 pelo Tribunal Administrativo, o governo daquela urbe, através dos Serviços de Educação, Juventude e Tecnologia, emitiu uma circular com o número 2/SEJT-CM/RRH/2012, datada de 20 de Agosto de 2012, através da qual faz saber que “os funcionários que concluíram o 3o ano de curso de licenciatura (Bacharéis) depois da publicação da referida lei não mudam de carreira por conclusão do nível, não obstantes terem sido programados para o efeito, visto não estarem integrados em nenhum dos ciclos de formação do ensino superior ou graus académicos, nomeadamente licenciatura, mestrado ou doutoramento”.
Mais adiante, o mesmo documento, assinado pela directora daquela repartição, Inês Maria Chirrime Simbine, refere que “neste contexto, todos os processos atinentes à mudança de carreira para Docente N2, assim como para Técnico Superior de N2, enviados até então serão devolvidos à proveniência e não serão aceites novos processos”.
O que diz a Lei 27/2009?
A Lei 27/2009 de 29 de Setembro, que revoga a Lei 5/2003 de 21 de Janeiro, no seu artigo 34o (o da salvaguarda dos direitos adquiridos), determina que “mantêm-se válidos, para todos os efeitos legais os Diplomas dos graus académicos de Bacharelato e Licenciatura, atribuídos à luz da Lei 5/2003 de 21 de Janeiro”, o que significa que todos os funcionários do Estado que até à data da aprovação da referida lei (27/2009) detinham o grau de Bacharelato ou se encontravam a estudar para a sua aquisição mantêm os direitos previstos na Lei 5/2003, ora revogada.
