A expansão, crescimento e internacionalização da Companhia brasileira Vale tem sido feita de forma agressiva e destrutiva, com sérios impactos sobre os meios de vida, fontes de renda e trabalho das populações e comunidades em seu redor. O sucesso e a falsa imagem verde da empresa têm sido construídos a qualquer custo, com impactos e prejuízos gigantescos que a empresa conseguiu manter ocultos durante muitos anos.
O surgimento da Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale em 2010 trouxe à tona a verdadeira face desta multinacional, que desde então tem sido cada vez mais divulgada, caracterizada por práticas sujas, violação sistemática de direitos humanos, ganância pela apropriação e controlo de recursos naturais, territórios e patrimónios histórico-culturais de várias comunidades e povos.
Em quase todos os 38 países onde actua, a Vale é acusada de violar os direitos dos trabalhadores, das comunidades, de incumprimento e violação de leis ambientais e colocar em perigo a saúde pública, entre estes estão Moçambique, Brasil, Peru, Chile, Nova Caledônia e Canadá.
Entre os impactos directos citados pelos atingidos, figuram a perda de soberania sobre as terras, assassinato de lideranças comunitárias, prostituição, aumento do custo de vida nas comunidades próximas de onde um empreendimento é instalado, chegada de um grande número de população flutuante e até aumento da incidência de doenças psíquicas, neurológicas e físicas, entre as quais doenças respiratórias, de pele e cancros.
Em alguns países a empresa é tambem denunciada pela sua excessiva e perigosa influência nos governos nacionais. Em Moçambique, onde a Vale está presente desde 2004, o expresidente da Vale Roger Agnelli continua fazendo parte da equipa de conselheiros do Presidente Armando Guebuza.
Recentemente o Governo de Guebuza concessionou o sistema ferroportuário MoatizeNacala à Vale levantando acesas suspeitas e críticas na opinião pública nacional. Aliás, esta decisão do executivo moçambicano acontece sensivelmente um mês depois de Armando Guebuza ter participado num jantar na residência do actual presidente executivo da Vale Murilo Ferreia no Rio de Janeiro.
Estas e outras denúncias contra a Vale ganharam maior repercursão internacional durante a última Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Desenvolvimento Sustentável conhecida por Rio+20, realizada entre os dias 20 e 22 de Junho no Rio de Janeiro. Paralelamente à Rio+20 oficial decorreu o III Encontro Internacional dos Atingidos pela Vale entre os dias 15 e 18 de Junho que definiu como prioridade “desconstruir” a imagem da empresa e ampliar as estratégias globais de denúncias.
No dia 19 de Junho último, a Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale coordenou uma marcha de protesto contra as corporações no Centro do Rio Janeiro, em que participaram cerca de 2 mil pessoas, representantes dos movimentos sociais participantes da Cúpula dos Povos entre os quais a Justiça Ambiental.
A Vale foi escolhida como alvo simbólico para representar as grandes corporações internacionais, cujas práticas desrespeitam os trabalhadores, degradam o meio ambiente e roubam dos povos o controle sobre seus territórios, e por essa razão os participantes da marcha protestaram em frente à sede da empresa durante duas horas, no Rio de Janeiro.
Na ocasião, os participantes da marcha acusaram a mineradora brasileira e outras companhias de causarem impactos ambientais e violarem os direitos humanos das pessoas que vivem em comunidades próximas aos projetos implantados pelas empresas.
A Justiça Ambiental presente no evento e na Cúpula dos Povos denunciou mais uma vez o incumprimento de promessas e acordos que a Vale assinou com as mais de 1365 familias de quatro comunidades de Moatize na província de Tete além dos recentes acontecimentos de Cateme que culminaram com uma repressão brutal e violenta de cerca de 700 famílias que se insurgiram no passado dia 10 de Janeiro, protestando contra as péssimas e degradantes condições a que estão sujeitas as péssimas e degradantes condições a que estão sujeitas desde o seu reassentamento em finais de 2009 e bloqueando o comboio da Vale que já estava em andamento.
A Vale usa a mesma estratégia em todos os países do mundo. Durante o acto, foi projectado na parede do edifício da empresa um vídeo denunciando os problemas causados pelas transnacionais. Os indignados também atiraram tinta vermelha contra o edifício, para simbolizar o rastro de sangue deixado pela Vale, e por todas as grandes corporações, nos territórios que atingem.
Além dos problemas sociais, os participantes destacaram os impactos ambientais da empresa. “Estamos aqui, também, com um relatório de insustentabilidade, fruto de um ano de pesquisa, para refutar as declarações que a própria empresa faz no relatório de sustentabilidade dela”, afirmou o padre Dário Bossi, da Justiça nos Trilhos.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Vale no Canadá, United Steelworkers (USW), Scott Clements, denunciou as péssimas condições enfrentadas pelos trabalhadores da Vale em seu país.
A empresa provocou a maior greve da história do Canadá, que durou 11 meses entre 2009 e 2010, porque usou a recente crise mundial como justificativa para proceder a demissões em massa, redução de salários e aumento das jornadas de trabalho, entre outros retrocessos nos direitos dos trabalhadores. “Isso é uma vergonha”, afirmou.
Naquele país, só neste ano foram contabilizadas 16 mortes de trabalhadores em operações da Vale. “Infelizmente tenho que trabalhar lá para sustentar a minha família. A Vale está a impor uma cultura de exploração aos trabalhadores canadenses e queremos mudar isso. Sei que as condições de trabalho no meu país nem se comparam com os problemas do Brasil e dos 38 países em que a empresa está presente, mas estamos numa luta só” disse Scott para a multidão.
Adelaíde, do Movimento Xingu Vivo para Sempre, relatou o processo de privatização da Amazónia impulsionada pela construção da polémica hidroélectrica de Belo Monte, cujo consórcio construtor conta com a presença da Vale.
Larissa, da Marcha Mundial das Mulheres, denunciou como as obras de empresas como a Vale afectam em especial as mulheres, com o aumento da prostituição e da violência contra a mulher. Em Janeiro deste ano, a Vale foi eleita por votos a pior do empresa mundo, numa iniciativa da Public Eye Awards, “premiação” existente desde 2000.
De um total de 88 mil votos, a Vale recebeu 25 mil. Depois da Rio+20 a Justiça AmbientalJA visitou o Estado brasileiro de Minas Gerais onde a Vale surgiu. Durante uma semana a equipa da JA trabalhou na região metropolitana de Belo Horizonte tendo visitado o Complexo mineiro de Paraópeba no munícipio de Brumadinho e a Serra de Gandarela onde a Vale enfrenta fortes resistências populares. O complexo mineiro de Paraópeba comporta quatro minas de ferro construidas por cima de muitas nascentes de água que é usada para o consumo humano no Bairro Casa Branca.
As populações locais têm forçado negociações com a Vale e uma monitoria constante diante do perigo de contaminação de fontes naturais de abastecimento de água. Na Serra de Gandarela a Vale enfrenta resistência de movimentos sociais e residentes que lutam para a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela.
No dia 30 de Junho a Justiça Ambiental testemunhou um protesto popular diante daquilo que consideraram atitude da Vale de invadir as suas propriedades. Os populares acusaram a Vale de em duas noites anteriores ter destacado funcionários seus ou elementos associados para destruir as vedações de propriedades dos moradores como forma de eliminar provas de que as mesmas pertenciam aos residentes.
Segundo os moradores a ofensiva da Vale às suas propriedades foi levada a cabo na véspera de uma consulta pública para a instalação do seu projecto de mineração de ferro.
De facto a Justiça Ambiental constatou evidências de destruição de vedações. Ao longo da visita e participação nas várias actividades no âmbito da Rio+20, a Justiça Ambiental testemunhou e vivenciou muitas e ricas experiências de mobilização popular e de povos de quase todo o mundo presentes nos espaços alternativos organizados pela Cúpula dos Povos.
Foi impressionante testemunhar a convergência e determinação de diversas vozes, forças sociais e populares que resistem, lutam e denunciam a invasão de seus territórios, destruição de seus meios de vida, violação de seus direitos e graves e enormes danos no seu património natural e cultural pelas corporações transnacionais.
Cada vez mais comunidades, povos, movimentos sociais, activistas e organizações da sociedade civl estão conscientes da necessidade urgente de mudança, de transformação social a partir de convergências de causas comuns através de acções conjuntas, articulação, concertação de agendas alternativas locais e internacionais através de solidariedade e cooperação.