Nos últimos dias, o batelão de Marracuene, que liga as duas margens do rio Incomáti naquele distrito, tem sofrido sucessivas avarias. Como consequência da sua paralisação, milhares de pessoas vêem-se impedidas de se deslocar para os bairros da Macaneta, Hobsana, Munguane, entre outros. O que já andava mal piorou.
Dezenas de pessoas, algumas carregando trouxas, e viaturas estacionadas dispersavam-se por entre a ponte-cais de Marracuene. Nessa aglomeração ouviam-se murmúrios devido ao inconveniente causado por mais uma avaria do batelão. As pessoas que desejavam atravessar para o outro lado da margem com recurso a este não o podiam fazer.
Elas viam-se impossibilitadas pelo facto de aquele meio de transporte que normalmente tem assegurado a travessia ter sido paralisado para efeitos de manutenção. Tal aconteceu depois de na semana anterior a embarcação não ter funcionado devido a uma avaria.
No distrito de Marracuene existe uma zona turística que atrai milhares de pessoas entre nacionais e estrangeiros. Chama-se Macaneta, onde geralmente se chega atravessando as águas do rio Incomáti através de algumas embarcações artesanais ou do batelão.
Mas também para Macaneta se pode usar a via Manhiça através da estrada, mas esta alternativa tem sido preterida devido ao tempo de viagem que se leva. O batelão é um meio de transporte preferido, diga-se, não só pela segurança que oferece aos passageiros, mas pelo baixo preço praticado. O bilhete custa quatro meticais (ida e volta) e nos barcos artesanais a remo cobram-se cinco meticais para cada viagem.
Pelo mesmo percurso são cobrados 10 meticais no barco a motor. No entanto, a realidade é que estas embarcações privadas têm circulado nos dias em que o batelão não funciona, ou seja, os seus proprietários vêem na paralisação daquele um pretexto para ganhar o dinheiro.
Há duas semanas, o batelão de Marracuene avariou, o que se registou numa segunda-feira (9), e só voltou a funcionar no sábado (14). No entanto, em menos de uma semana, ou seja, no dia 18, quarta-feira, o ferryboat foi paralisado supostamente porque tinha de passar pela manutenção. A nossa reportagem soube que a paralisação se deveu ao desprendimento da ventoinha que, em articulação com o motor, garante a movimentação do batelão.
“Isto aconteceu durante a tarde do dia 9 de Julho corrente, de repente a ventoinha caiu no meio do rio e o ferry parou imediatamente porque dificilmente se movimentava. Pouco tempo depois mandámos o nosso mergulhador procurar a peça e felizmente encontrou-a nas proximidades da ponte-cais de Macaneta. Mas dado o elevado custo da peça (acima de 50 mil meticais), a única alternativa era recuperá-la”, justificaram alguns mecânicos que zelam pela assistência dobatelão.
As nossas fontes afirmaram ainda que a ventoinha em alusão, que é feita de bronze, tem um peso de pouco mais de 25 quilogramas, razão pela qual, depois de recuperada, o mergulhador enrolou-a com uma corda para que os que estivessem do lado do continente pudessem puxá-la.
O batelão, que continuava nas águas, teve de ser retirado com recurso a um tractor. Durante este processo uma das peças do batelão partiu-se e, consequentemente, este começou a ter dificuldades para a sua movimentação.
Foi a reparação desta peça que ditou a paralisação do batelão durante o dia 18. O governo do distrito de Marracuene colocou dois anúncios nas ponte-cais de Marracuene e Macaneta dando conta da não circulação do ferryboat para efeitos de manutenção.
Constava desses avisos que o batelão voltaria a funcionar às 15h00, mas até 17h00 daquele dia o mesmo continuava encostado para lá das margens do rio. Só na manhã de quinta-feira (19) é que as pessoas já se podiam movimentar de uma margem à outra com recurso àquele meio de transporte.
No entanto, são muitas as pessoas que foram apanhadas de surpresa quando ouviram que o batelão estava paralisado, estas não tinham conhecimento de que durante aquele dia (quarta-feira) o batelão não iria circular.
“Gastámos o nosso combustível e tempo ao virmos à ponte-cais com a intenção de apanhar o ferryboat. Ficámos espantados quando vimos pessoas e viaturas concentradas porque o batelão não estava a circular. Eu trabalho em Macaneta e lá sempre uso o meu carro e não tenho nada a fazer. Ainda que eu apanhe este barco qual será a situação da minha viatura?”, questiona um cidadão estrangeiro proprietário de um estabelecimento comercial na zona turística da Macaneta.
O bem que vem por mal
Enquanto por um lado as populações lamentavam pelo facto de o batelão ter parado de circular, os operadores dos dois barcos privados, um a motor e outro a remo, encaixavam nos seus bolsos boas quantias de dinheiro.
Fazerem-se transportar nestas embarcações era, diga-se, na pior das hipóteses, a única alternativa que as pessoas tinham para poderem atravessar o rio. Pois a outra via da Manhiça torna a viagem mais demorada para chegar a Macaneta, entre outros bairros do distrito de Marracuene.
Belmiro Bila, de 29 anos de idade, é piloto de um barco artesanal a remo. Que se diga em abono da verdade, ele se sente feliz quando o batelão avaria ou pára de circular seja por que motivo for. “Só assim eu posso ganhar dinheiro, aliás, as pessoas só fazem bem quando apanham este meu transporte. Consegui cerca de mil meticais entre às cinco e 12 horas de hoje”.
Na embarcação dirigida por este jovem, a viagem (ida e volta) custa 10 meticais e também se paga a carga, cujo valor depende do peso e do espaço que ela ocupa. Num barco que, segundo afirma, tem uma lotação de 12 passageiros, naquela manhã (18) devido a demanda, chegou quase a triplicar a lotação.
“Quanto mais peso houver, melhor ainda, pois o barco ganha mais estabilidade e equilíbrio. Mas também não posso levar mais que trinta pessoas”, ajunta.
Se este operador conseguiu arrecadar uma boa receita naquela quarta-feira com a paralisação do batelão, o mesmo não se pode dizer em relação ao operador do barco a motor cuja circulação começou pouco depois das 11 horas. Devido ao preço relativamente alto de 10 meticais cada viagem, muitas pessoas enveredaram por onde se paga um valor relativamente acessível.
“Eu reservei uma quantia para fazer a travessia durante uma semana tendo como base o preço do batelão, quatro meticais”, conta Josefina Mate, acrescentando que, mesmo assim, teve de se arranjar para poder pagar 10 meticais de viagem no lugar dos quatro que lhe são cobrados habitualmente.
Feitas as contas, esta jovem que trabalha numa das estâncias turísticas em Macaneta, à semelhança de tantos outros, dificilmente poderia pagar 20 meticais para fazer a viagem de sempre, se bem que isso não lhe representaria um rombo significativo. Entretanto, o operador do barco privado movido a motor carregava dois a três passageiros em cada travessia, ainda que o seu meio tenha capacidade para cerca de 50 pessoas.
Impacto no comércio
O distrito de Marracuene é territorialmente extenso e tem muitos bairros, alguns dos quais estão para lá do rio Incomáti. Dentre eles destacam-se Munguana, Mantimane, Machubo, Hobsana e Matsinane, onde habitualmente se pode chegar atravessando o rio Incomáti.
Muitos produtos alimentares, material de construção e não só, são normalmente adquiridos na cidade de Maputo e têm de ser transportados a bordo do batelão para aqueles bairros. Como seria de esperar, devido ao custo de transporte, estes produtos são revendidos a preços ligeiramente altos.
O oportunismo de sempre
Para além das ligeiras subidas de preços, há comerciantes oportunistas, os quais nos dias em que o batelão não circula e os produtos não podem ser transportados, optam pela especulação.
“De repente os preços subiram nalguns estabelecimentos, e isto acontece sempre que o batelão pára de circular. Mas basta este retomar, tudo volta ao normal”, assevera Suzete Nate, moradora de Hobsana.
Segundo afirma, um quilograma de açúcar castanho custa, normalmente, 47 meticais. Mas, quando o batelão não funciona, o preço sobe um pouco, chegando até aos 50 meticais. São preços estipulados arbitrariamente pelos comerciantes, um pretexto para extorquir o pacato cidadão.
Quando uns choram, outros festejam!
Se por um lado alguns choram devido às consequências nefastas que a não circulação do batelão traz às suas vidas, o mesmo não se pode dizer em relação a alguns operadores turísticos da Macaneta.
Há muitos turistas que conseguiram atravessar o rio Incomáti para Macaneta mas que não puderam regressar naquela quarta-feira devido à paralisação do batelão. Perante este cenário, alguns tiveram de permanecer mais um tempo, até que o ferryboat voltasse a funcionar. Porque a estadia é sinónimo de dinheiro, viram-se na obrigação de pagar mais algum valor de permanência nas estâncias turísticas.
“Graças à paralisação do batelão, a minha receita duplicou. Os que deviam sair da minha estância nesta quarta-feira não o fizeram porque queriam apanhar o ferryboat”, conta um operador turístico de Macaneta que preferiu falar na condição de anonimato.
Uma viagem de temer
É preciso despir-se de alguns preconceitos para viajar a bordo dos barcos artesanais que mais não são do que uma alternativa para fazer a travessia sobre o rio Incomáti. Muitas pessoas que normalmente fazem a travessia pelo batelão desistiram de se deslocar devido, em parte, ao medo de apanhar o barco artesanal, supostamente porque oferece menos segurança.
“Eu nunca antes tinha viajado nestes barcos artesanais, mas hoje embora com alguns receios acabei apanhando. Durante a viagem estava de olhos fechados porque não queria ver aquelas águas cujas ondas quase que nos engoliam”, comentava uma companheira de viajem.
Tanto na ponte-cais da Macaneta como na de Marracuene, há um perigo iminente: o movimento de pessoas, dentre crianças e adultos, é intenso e frequente. Há falta de barreiras nas laterais ou nas proximidades do rio.
Informações a que tivemos acesso no local dão conta de que já houve casos de pessoas que se viram projectadas para as águas e perderam a vida, salvo raras situações em que algumas sobreviveram.