Dia e noite, faça chuva, faça sol, Isabel Muianga procura dar um pouco de si para a felicidade das pessoas mais desfavorecidas. Fazer face às dificuldades que a vida impõe às camadas mais vulneráveis da sociedade foi o que a moveu a erguer um pequeno centro na sua residência onde as pudesse acolher.
Isabel Muianga, de 54 anos de idade, é mãe de 10 filhos e reside no bairro da Machava, município da Matola. Inspirada pelo amor que nutre pelas camadas mais desfavorecidas, acolhe cerca de 90 pessoas de todas as faixas etárias (crianças, jovens e idosos) que se encontram em condições difíceis e que foram parar à sua casa em diferentes circunstâncias: umas porque foram abandonadas pelos seus parentes e outras porque se sentiam descriminadas no seio das suas famílias.
Para fazer jus ao direito à educação que todo o ser humano tem, Isabel garante quase a todos o acesso ao ensino e aprendizagem através da alfabetização, cursos de culinária, corte e costura, plantio de hortícolas e formação ético-moral deste como forma de o preparar para a dura batalha da sobrevivência que a vida impõe.
O sonho de arranjar um espaço ou lugar para acolher pessoas mais necessitadas já remonta há décadas.
“Eu sempre gostei de transmitir o meu amor a pessoas desfavorecidas, independentemente das suas idades. Trata-se de pessoas que passam por situações difíceis, como falta de abrigo, de alimentação, de um tecto”.
Quando o bem vem por mal
Isabel Muianga sofreu um acidente de viação na cidade sul-africana de Joanesburgo, para onde tinha ido comprar mercadoria, uma vez que comercializava produtos alimentares, apesar de se ter formado e trabalhado como enfermeira. “Sofri mais nos membros inferiores, o que me impediu de andar durante seis meses”.
Após o sinistro, as autoridades sul-africanas indemnizaram- na com um montante do qual já não se lembra, e a família esperava que ela investisse num negócio, mas não foi o que aconteceu.
Com o valor, Isabel começou a dar passos rumo à materialização do seu sonho: fez diligências para entrar em contacto com os chefes de quarteirões e secretários de alguns bairros da cidade da Matola para que estes lhe ajudassem na identificação de pessoas carenciadas.
Até 2007, já tinha conseguido mobilizar e acolher cerca de 300 pessoas, entre homens, mulheres e crianças. Mais do que garantir a sua sobrevivência providenciando produtos alimentares, ela submeteu o grupo a cursos de alfabetização, culinária, corte e costura, plantação de hortícolas.
Em 2010, aos 52 anos de idade, Isabel criou a sua agremiação, designada Associação Girassol da Mulher. Desde então, nunca mais parou de acolher pessoas necessitadas, sendo que neste momento conta com um total de 90 pessoas, um número inferior ao que tinha em 2007 (700). Tal redução deveu-se a questões de vária ordem, dentre as quais a falta de dinheiro.
Actualmente, a associação conta com 10 membros, que prestam assistência aos acolhidos nos mais variados domínios, privilegiando o saber fazer como forma de os beneficiários se sentirem úteis e capazes de fazer algo para o seu próprio bem.
“Sinto-me realizada”
A nossa interlocutora diz que se sente realizada pelo facto de estar a contribuir para minimizar as precárias condições de vida por que passam algumas pessoas na nossa sociedade. “Regozijo- -me quando, por exemplo, consigo alimentos e garanto educação a este grupo. Elas estão sob a minha protecção e é meu dever fazer de tudo para que continuem a sonhar”, e acrescenta:
“Vi que poderia ser útil. Acredito ser esta uma missão incumbida por Deus. Mas, ficaria mais feliz se as outras mulheres, e não só, abraçassem esta causa social. Entretanto, devido ao facto de a alimentação ser a principal dificuldade com que a agremiação se debate, Isabel obteve um terreno em Matibjane, na Matola, mas não o explora porque está localizado numa zona seca.
Neste momento, aproveita apenas uma pequena parte da referida parcela de terra para o plantio de hortícolas, cuja produção não responde às necessidades das pessoas que o centro acolhe, das quais 10 são seropositivas e necessitam de uma dieta equilibrada, tal como recomendam os especialistas.
Dantes, quando o seu “bolso” ainda permitia, Isabel adquiria produtos na vizinha África do Sul em quantidades consideráveis com o objectivo de assegurar que os infectados, em particular, tivessem uma alimentação rica e saudável. Mas, com o decorrer do tempo, o mundo conheceu novas realidades, os preços subiram, o dinheiro perdeu valor, daí que muitas actividades da Associação Girassol da Mulher tenham sido paralisadas.
Para fazer face à crise, Isabel Muianga contactou diversas instituições governamentais e não governamentais à procura de financiamentos. Infelizmente, nenhum dos seus pedidos foi levado a peito.
“Tudo isto teve repercussões negativas. De há um tempo a esta parte temos tido dificuldades para garantir a alimentação, sobretudo dos seropositivos, os quais requerem cuidados especiais e uma dieta equilibrada. Porém, enquanto tiver forças, vou continuar a lutar para o seu bem-estar”, afirma.
Uma paixão pelas “flores que nunca murcham”
“Sinto-me triste quando vejo crianças nas ruas, sem abrigo, sem ter o que comer, e, o mais preocupante, sem o carinho e amor dos progenitores”, é assim que Isabel Muianga responde quando questionada sobre a situação das crianças no país.
“Nós não devemos abandoná-las, mas sim acolhê-las e acompanhar o seu desenvolvimento pois elas são as flores que nunca murcham, como as apelidou o Presidente Samora Machel”.
Em relação às raparigas, as quais muitas vezes têm sido expulsas de casa ou abandonadas quando engravidam, a nossa interlocutora afirma que isso (a gravidez) não pode constituir motivo para elas serem discriminadas ou abandonarem a escola.
E é exactamente para evitar que situações do género aconteçam que ela está a trabalhar em coordenação com o Centro de Saúde da Machava-Sede no sentido de persuadir as mulheres em idade fértil (adolescentes e jovens) a pautarem pelo planeamento familiar como forma de evitar gravidezes precoces.
Na residência de Isabel Muianga funcionam três departamentos, o de Alfabetização, Culinária e o de Corte e Costura devido a limitações financeiras. O seu desejo era construir um centro de raiz, mas não na sua casa.
Segundo aponta, as crianças sem idade escolar dão os primeiros passos na alfabetização, e depois são enquadradas no ensino geral, o que tem sido um verdadeiro problema porque é difícil adquirir material escolar para mais de 50 alunos. Para colmatar esta situação, o centro vende artigos de vestuário produzidos durante as aulas de corte e costura.
Das 90 pessoas que frequentam a escola, apenas 25 é que possuem uniforme escolar, oferecido por uma serigrafia do bairro. Embora a sua actividade seja do domínio das autoridades municipais e do Governo, estes não têm movido uma palha sequer para aliviar o sofrimento dos que por ela são acolhidos.