Todos os dias, centenas de moçambicanos, e não só, saem do país sem terem sido vacinadas contra a febre-amarela, uma exigência das autoridades de migração, uma vez que nos centros de exames médicos não existe vacina para o efeito. Porém, mediante o pagamento de uma quantia no valor de 675 meticais, as autoridades sanitárias passam um certificado (falso) comprovando que ao indivíduo foi aplicada a injecção, submetendo, assim, os viajantes ao risco de contraírem a doença.
O descaso das autoridades sanitárias em relação à saúde dos moçambicanos que deixam Moçambique com destino aos países onde os casos de febre- -amarela são frequentes é preocupante. É, diga-se de passagem, um dos piores crimes que se pode cometer contra a população.
Desde o mês de Janeiro do presente ano, a região norte do país, sobretudo a província de Nampula, tem vindo a registar a falta da vacina contra a febre-amarela. Grande parte das pessoas que viaja a partir deste ponto para outras partes do mundo deixa Moçambique sem se prevenir da doença.
Devido a esta situação, os viajantes que procuram aquela vacina são aconselhados nos Centros de Exames Médicos das cidades de Nampula e Pemba a viajar para a capital do país, Maputo, para receber a vacina contra uma doença que se alastra de forma endémica nos países da América do Sul e de África, principalmente.
Dados da Direcção Provincial de Saúde em Nampula dão conta de que a ruptura de “stock” a nível da província começou a registar- -se no mês de Janeiro do presente ano. Até ao mês de Março, aquele ponto do país passou a não dispor de uma ampola sequer de vacina contra a enfermidade.
A mesma situação assiste-se mais a norte de Moçambique, concretamente em Cabo Delgado, onde, segundo uma fonte médica, o problema começou a sentir-se nos finais do ano passado e os utentes eram aconselhadas a deslocarem-se até à cidade de Nampula.
Para a obtenção do Certificado Internacional de Vacinação contra a varíola são cobrados 1.350 meticais, sendo 675 meticais para o pagamento do certificado e outra metade para a vacina.
Porém, o que tem vindo a acontecer no norte do país é preocupante. A título de exemplo, na Direcção de Saúde da Cidade de Nampula os funcionários dedicam- se à venda (i)legal de certificados com as devidas assinaturas e carimbo da instituição.
Para os indivíduos com fraco poder de compra, o certificado sai a 1.350 meticais e, nalgumas vezes, custa a metade do preço, e os que possuem alguma estabilidade financeira têm de desembolsar 2.500.
Os viajantes obtêm o Certificado Internacional de Vacinação sem lhes ter sido administrada a vacina contra a febre-amarela. Só para se ter uma ideia da gravidade da situação, de Janeiro a esta parte, mais de duas mil pessoas viajaram para o exterior a partir da região norte do país.
Nove pontos oficiais de entrada sem controlo sanitário
Apenas na província de Nampula existem pelo menos nove pontos oficiais de entrada de pessoas e mercadorias, nomeadamente Nacala, Ilha de Moçambique, Angoche, Moma, Murrupula, Malema, Eráti, Murrupula, e Aeroporto Internacional de Nampula.
Trata-se de locais totalmente desprovidos de qualquer tipo de segurança sanitária provincial, regional e nacional contra doenças como, por exemplo a febre-amarela, entre outras, situação que se regista numa clara violação do Regulamento Sanitário Internacional da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Os referidos pontos são passíveis de disseminação daquelas enfermidades e de outras sujeitas à vigilância da OMS, segundo reconhece o governo da província de Nampula e o departamento de Saúde Pública.
A entrada de pessoas sem a observância destas regras (administração da vacina) parece não inquietar as autoridades sanitárias locais, apesar do tráfego de pessoas e bens que se tem registado de uma forma intensa nos últimos anos na província nortenha de Nampula.
“O aumento de importação de produtos e de entrada de pessoas doentes ou portadoras, bem como de vectores ou hospedeiros intermediários das mesmas doenças pode constituir um perigo à saúde dos cidadãos, pelo que as instituições do Estado devem estar atentas”, disse Felizardo Azevedo, especialista em Saúde Comunitária, afecto a uma das clínicas privadas da cidade de Nampula, que ainda considera preocupante o facto de o governo provincial não se mostrar preocupado com a falta da vacina.
O nosso entrevistado disse que Moçambique subscreveu o Regulamento Internacional de Saúde da OMS em 2008, documento adoptado por pouco mais de 200 países e, em 2009, o Conselho de Ministros aprovou um diploma sobre vacinação contra a febre-amarela a passageiros vindos de países onde a doença é endémica.
Azevedo disse ainda que a insegurança sanitária que se regista na província de Nampula, em particular, e na região norte, em geral, deve-se à falta de infra-estruturas adequadas e de meios de trabalho, recursos humanos, materiais de enfermagem, além de questões financeiras do país. Importa referir que a nível do território moçambicano foram constituídos 40 pontos de entrada de pessoas e mercadorias.
Nem nas farmácias, nem nas clínicas privadas
@Verdade dirigiu-se a quase todas as farmácias e clínicas privadas existentes na cidade de Nampula, tendo constatado que, nesta região do país, não existe vacina contra a febre- -amarela. Contudo, numa das farmácias, por sinal pertencente a um dos médicos de renome naquela cidade, fomos aconselhados a pagar e a esperar entre cinco e 10 dias para ter acesso à vacina contra a febre amarela.
Nas 15 farmácias existentes na cidade de Nampula não nos foi possível encontrar a vacina contra a febre-amarela. Além disso, @Verdade perscrutou as seis clínicas privadas da mesma urbe. Fizemo-nos passar por cidadãos que estavam em vias de viajar para fora de país, solicitámos a vacina, mas a resposta foi negativa.
Instantes depois, fomos abordados por uma funcionária em serviço a qual pediu para que efectuássemos o pagamento e aguardássemos uma semana para podermos ter acesso à vacina. “Este é um problema que ultrapassa as capacidades da Direcção da Saúde da Cidade”, Leonel Namuquita, director da Saúde da Cidade de Nampula.
O director de Saúde da Cidade em Nampula, Leonel Namuquita, disse que desde o princípio do presente ano o seu sector começou a registar uma ruptura de “stock”, como resultado da falta de fornecimento por parte do Ministério de Saúde, o que preocupa as autoridades sanitárias nesta região do país.
“Recebemos a vacina contra febre- amarela através da Direcção Provincial da Saúde que, por sua vez, recebe do Ministério da Saúde. Este é um problema que ultrapassa as capacidades da Direcção da Saúde da Cidade, daí que tudo está a ser feito no sentido de melhorar a situação”, disse Namuquita.
Namuquita não precisou a data em que, efectivamente, começou a registar-se a ruptura de “stock”, mas presumiu que o problema se tenha feito sentir em Janeiro deste ano.
Num outro ponto, o nosso entrevistado afirmou que no que concerne ao nível de procura da vacina por parte dos pacientes não é do seu conhecimento porque a administração é feita a nível central, além de estar a receber o medicamento através de outras instâncias. “E, por essa razão, torna-se difícil calcular os gastos ou custos que são necessários para a sua aquisição”, afirmou.
A fonte apelou aos passageiros que desejam viajar para o estrangeiro a deslocarem-se primeiro à cidade de Maputo porque “por enquanto, não existem previsões para novas aquisições mas gostaríamos de assegurar que a situação é do conhecimento do Ministério da Saúde, entidade fornecedora da vacina e pensamos que depois da reposição do “stock”, teremos a vacina contra a febre- amarela na cidade nos próximos meses”, assegurou para depois acrescentar que até então não houve o registo de pessoas com prováveis sintomas e, muito menos, casos ligados à doença, visto que a evolução assemelha-se à malária.
Namuquita avançou que o paciente que padece desta doença pode sentir uma dor de cabeça, fraqueza corporal, e, numa fase já avançada, ter os olhos e a pele amarelecidos. O diagnóstico é feito através de amostras de sangue. Entretanto, a fonte fez saber ainda que a nível da província de Nampula não há meios para proceder a análises visando diagnosticar a febre- -amarela, designada PPR, e, em caso de suspeita, os elementos colhidos são enviados para a cidade de Maputo.
Num outro desenvolvimento, o director da Saúde da Cidade de Nampula explicou que a febre- amarela é uma doença infecciosa e viral que pode ser transmitida através da picada do mosquito nas regiões onde a doença é endémica. Em termos epidemiológicos, ela regista-se com mais frequência e maior incidência nos países da África Central, América do Sul e em algumas zonas da Ásia.
“Em relação às medidas de prevenção, as autoridades de Saúde a nível da cidade de Nampula têm aplicado a vacina contra a febre-amarela às pessoas que, frequentemente, têm viajado para as regiões acima mencionadas”, concluiu.
Dados da migração
Os Serviços de Migração da Província de Nampula registaram 3.717 pedidos de emissão de documentos de viagem para o exterior, com destaque para diversos países de África Central. Trata-se de passaportes, DIRE’s, vistos, certificado de emergência para cidadãos nacionais e estrangeiros e declaração de saída.
Dos dados acima referidos, a nossa reportagem apurou que no ano de 2011 foi apurada a quantidade de 3.717 documentos de viagem contra 3.357 em 2010, além dos pedidos de prorrogação cujo número é 7042 contra 5.241 em 2010.
O porta-voz do Comando Provincial da Polícia da República de Moçambique em Nampula, Inácio Dina, que forneceu os dados em representação dos Serviços Provinciais de Migração nesta região, disse que foi registada uma entrada de 9.233 estrangeiros de diversas nacionalidades contra 9.190 do ano anterior (2010).
Referiu, igualmente, que destes números a maior parte é referente a indivíduos provenientes da Europa, de África, Ásia e América.
E no que se refere aos documentos de viagem requeridos por interessados nacionais e estrangeiros, a fonte disse que foram emitidos 1.374 documentos no período entre Janeiro e Abril deste ano contra 1.178 registados em igual período de 2011.
A situação torna-se preocupante quando o número de cidadãos estrangeiros que entram no país tende a crescer, particularmente, na província de Nampula, na medida em que as próprias autoridades governamentais não têm meios para conseguir criar condições de modo a acomodar todos os cidadãos provenientes de países europeus, africanos, asiáticos e americanos.
Importa referir que o movimento de entrada de pessoas no território moçambicano que se registou durante o ano passado e nos primeiros quatro meses do presente ano na província de Nampula pode ter criado condições para a propagação de doenças transmissíveis, como a febre amarela.
O que é febre-amarela?
A febre-amarela é uma doença de elevado grau de mortalidade. Os primeiros sintomas aparecem entre três e seis dias, depois de se ter sido picado por um mosquito infectado. A febre supera os 40 graus e a pele e os olhos ficam amarelos, daí o seu nome.
Além disso, o paciente sente dores intensas na cabeça e no corpo, febre, cansaço, mal-estar, queda do ritmo cardíaco e vomita bastante. Se em três dias não há melhoria, começam a ocorrer sangramentos no nariz, na gengiva, no estômago e no intestino. A próxima fase é a insuficiência renal e hepática, o que pode levar à morte.
Mais tarde e após a descida da febre, em 15% dos infectados, podem surgir sintomas mais graves, como novamente febre alta, diarreia de mau cheiro, convulsões e delírio, hemorragias internas e coagulação intravascular disseminada, com danos e enfartes em vários órgãos, que são potencialmente mortais.
As hemorragias manifestam-se por via de sangramento do nariz e gengivas e equimoses (manchas azuis ou verdes de sangue coagulado na pele). Ocorre frequentemente também a hepatite e por vezes choque mortal devido às hemorragias abundantes para cavidades internas do corpo.
Há ainda a hepatite grave com degeneração aguda do fígado, provocando o aumento da bilirrubina sanguínea e surgimento de icterícia (cor amarelada da pele, visível particularmente na conjuntiva, a parte branca dos olhos, e que é indicativa de problemas hepáticos).
A cor amarelada que produz em casos avançados deu-lhe obviamente o nome. Podem ocorrer ainda hemorragias gastrointestinais que se manifestam através da evacuação de fezes negras e vómito negro de sangue digerido. A insuficiência renal com anúria (défice da produção de urina) e a insuficiência hepática são complicações não raras.
A mortalidade relacionada com a febre-amarela em epidemias de novas estirpes de vírus pode subir até 50%, mas na maioria dos casos ocasionais é muito menor com cifras de apenas 5%.