Meio século depois, o povo de Chibane não imaginava que vidas humanas, impedidas de brotar (devido à covardia de um progenitor), poderiam confundir a vida sociopolítica e económica do país. No entanto, é nesse contexto que, além da melancolia, se engendrou a furiosa Visita da Velha Senhora…
Quarenta e cinco anos depois de a jovem Claire Zachanassian (ou simplesmente, Clara) ser impelida a abandonar a sua terra de origem, para o mundo, onde se tornou uma milionária, o seu regresso a Chibane (como se convencionou chamar a nação- -metáfora de Moçambique) era a única solução para resgatar o país da falência.
Como um país pode ser açoitado, ao mesmo tempo, por inúmeras crises? As diversas actividades do sector económico como, por exemplo, a metalurgia, as fábricas de produção de alimento, se não se encontravam num acelerado processo de falência, então encontravam alguma estabilidade na ruína em que se haviam transformado. Viver num país deste era um verdadeiro sofrimento.
O dia-a-dia das populações locais transformava-se paulatinamente num verdadeiro pandemónio. E, em consequência disso, a vila de Chibane que em tempos foi uma das economicamente bem-sucedidas no país desfazia-se continuamente aos pedaços rumo a uma crise sem fim previsível.
Afi nal, até politicamente, ela encontrava-se arruinada com os cofres do Conselho Municipal (completamente) sem dinheiro devido à recusa das populações ao pagamento dos impostos.
Nem o facto de célebres escritores moçambicanos como, por exemplo, José Craveirinha, Carlos Cardoso, entre outros, como se faz referência na peça teatral, supostamente terem realizado as suas obras em Chibane poderia impedir que o funcionário das finanças con-fiscasse os bens do Conselho Municipal devido às dívidas em que se encontrava imerso.
Esta era a real e triste situação em que se encontrava o povo de Chibane. No entanto, havia uma solução: A Visita da Velha Senhora. Tratava-se de Claire Zachanassian que nascera em Chibane e que, devido à decepção que tivera com o namorado, Alfred, o qual recusou a assunção da paternidade dos seus lhos, em prejuízo de Zachanassian.
Portanto, porque era uma mulher rica, se por um lado o povo de Chibane encontrava no regresso de Claire a Meca para a qual iriam peregrinar todos os problemas da vila (ou seja, a mulher que iria resgatar a vila da bancarrota), por outro, o mesmo já não se podia afi rmar em relação à visão de Zachanassian para com o primeiro, muito em particular no que diz respeito a Alfred.
Por tudo o que aconteceu, pela humilhação, pela privação da felicidade, pela injustiça cometida, Claire queria que se lhe fosse feita justiça. Mesmo que para o efeito despendesse toda a sua fortuna.
Grande expectativa
De uma ou de outra forma, o povo de Chibane que em nenhuma outra pessoa encontrava a iluminação para a solução da perturbação sociopolítica e económica em que se encontrava – a não ser a figura da personagem Clara – cuidou de preparar uma recepção lendária à figura de Zachanassian.
Ou seja, uma hospitalidade orquestrada “cautelosa e delicadamente e com inteligência como forma de conquistar a simpatia de Clarinha de modo que ela nos possa ajudar a resgatar a cidade da falência”, como dizia o presidente do Conselho Municipal acrescentando que isso devia ser feito “como mandam as regras da psicologia”, afi nal, “qualquer erro durante a recepção podia complicar tudo”.
Suposta dona de Hollywood, “a Clarinha é a nossa única esperança”, considerava o padre para quem, o melhor era “dar- -lhe a conhecer tudo sobre a nossa real situação”.
Provavelmente, a expectativa do povo em relação à decisão de Claire tornou-se grande quando esta assumiu perante o mesmo que, para si, “voltar sempre foi a minha intenção desde que saí daqui” há 45 anos.
Um carácter estranho
Visivelmente interesseiras, as figuras notáveis de Chibane começaram a apresentar-se à magnata recém-regressada Claire Zachanassian sem, no entanto, conhecerem a sua (real) personalidade.
Num outro desenvolvimento, o encontro com o padre o qual Claire acusou de ser responsável pela consolação de todas as pessoas moribundas e condenadas à pena de morte já dava alguma indicação sobre quem era Zachanassian. É que esta mulher, mais adiante, reiterou que apesar de ter sido abolida há muitos anos, como o padre dizia, a pena de morte poderia ser resgatada sempre que necessário.
Entre os bens que trazia na sua bagagem, não fazia sentido nenhum ter alguns, como se pode perceber num dos seus comentários: “Levem as minhas malas para o hotel e o caixão também, eu trouxe um, pode ser que seja necessário. Nunca se sabe”.
Raça para vingança
“Excelentíssima senhora, há 45 anos abandonou a vila de Chibane. Muitos eventos aconteceram. Dentre eles tristes e amargos. Mas nós nunca nos esquecemos de si: os seus (bons) resultados na escola já indicavam a sua inclinação para a disciplina de ciências naturais; por tudo isso, seja bem-vinda”, assim se expressava o presidente do município de Chibane como forma de conquistar a simpatia de Claire.
Impressionada com a situação, a milionária decidiu apoiar a luta pelo resgate da cidade de Chibane do caos em que estava mergulhada: “Muito obrigada senhor presidente do Município pelo seu discurso. Ele foi fantástico mas, contrariamente ao que diz em relação às minhas aptidões na matemática e nas ciências naturais, penso que se enganou. Na verdade, do que eu gostava era ir para o mato com o Alfred”.
“Eu quero contribuir para melhorar a situação de Chibane com um valor de um bilião de dólares. Esse dinheiro deverá ser distribuído da seguinte maneira: quinhentos milhões para o Município e a parte remanescente para a população”.
Nessa altura o povo, incluindo Alfred, começou a gritar de alegria antes de ouvir a condição: a reposição da justiça, o que passava pelo assassinato de Alfredo.
Até porque, apesar da concepção tradicional segundo a qual a justiça não tem preço, para Claire tudo se podia comprar. “Por isso o que eu quero é que me seja feita a justiça pelo mal que me foi feito há 45 anos: eu gostava de andar no mato com o Alfred.
Nós amávamo-nos. Não tínhamos (mais) nada a não ser um em relação ao outro. Ele adorava o meu corpo. Eu também o dele. Entretanto, eu quei grávida e foi-me recusada a possibilidade de ter o lho”.
De qualquer forma, nalgumas vezes, torna-se necessário questionar a origem da motivação de Claire para cometer aqueles actos de vingança.
“Tu escolheste casar-te com a Matilde e com o seu dinheiro porque ela era milionária. Pior ainda, mesmo sabendo que eu queria ter os meus lhos para construir uma família contigo, traíste o meu sonho. Arrancaste o meu coração”, afi rma Claire em jeito de acusação a Alfred, o seu primeiro namorado de há 45 anos, altura em que era uma jovem de 25 anos, ao mesmo tempo que acrescenta que “o problema é que tu tiveste escolha, mas eu não.
E para que o meu coração me seja posto de volta preciso que o do Alfredo seja arrancado. Dou um bilião de dólares pela morte de Alfred”.
Foi com esta frieza no coração e no discurso, um sentimento de revolta e ódio, que Claire fez a proposta aos citadinos de Chibane para resolver os seus problemas sociais vingando-se de quem algum dia provocou-lhe dor amargura no coração.
Ainda que esta proposta seja visivelmente imoral, a dúvida que se edi cava entre as pessoas – incluindo o público – era sobre até que ponto a imoralidade deve/pode ser repudiada diante de um bilião de dólares em troca de uma mísera vida de Alfred.
O facto é que muitas transformações no comportamento da população da referida urbe começaram a ser operadas. A proposta era extremamente tentadora, afi nal, o dinheiro era muito e podia resolver muitos problemas com que o povo se debatia.
Deste modo, A Visita da Velha Senhora não é somente mais uma peça teatral, mas uma verdadeira manifestação de artes dramáticas com uma história empolgante a qual os maputenses têm a oportunidade de assistir em cada m-de-semana no Teatro Avenida, em Maputo.
Trata-se de uma obra adaptada de uma tragicomédia de 1956, da autoria do escritor suíço Friedrich Durrenmantt e que teve a encenação de Jeans Neumann e participação de actores moçambicanos como Adelino Branquinho, Jorge Vaz, Nelson Faquir, Lucrécia Paco e Graça Silva, bem como os músicos moçambicanos Sérgio Muiambo, Timóteo Cuche e Alcídio Pires.