Nos últimos anos, a escritora moçambicana, Márcia dos Santos viveu grandes “emoções e abstracções” e, finalmente, muito recentemente, em mil exemplares de cerca de 60 páginas de texto resolveu desabafá- -las. Desta vez, a grande expectativa é “provocar orgasmos literários” entre os apreciadores de sua escrita. Vejamos se consegue…
Conhecemo-la em 2006, em “Revelações”, depois de “parir” (em 1998) a primogénita “Almas Gémeas” – que também é uma obra poética. No entanto, esta semana, depois de demorados cinco anos de saudades, eis que surge-nos com “Emoções e Abstracções”. Reencanta-nos com a sua escrita levesinha, ainda que, bastas vezes, muito séria, transportando problemas graves.
Em Márcia dos Santos que também é Rinkel, a poesia perde (quase) todos os estereótipos feministas, continuando a ser “habitada, necessariamente, por uma alma feminina”, como afi rma o professor de literatura Nataniel Ngomane.
Mas, mais dos que isso, um outro olhar crítico, o do homem que muito recentemente quis nos explicar, como se fica um louco ao fim da tarde (Marcelo Panguane) sugere que Rinkel produz “um texto poético que consolida uma escritora que privilegia, sobretudo a simplicidade da escrita como o seu instrumento preferencial, uma escrita que se vai fazendo com uma evidente humildade, longe dessa outra maneira de escrever, provavelmente mais folclórica, (…) mais sensacionalista, mas inequivocamente banal, pueril e efémera”.
Lemos a Rinkel, não somente pelas dicas que nos foram dadas por Ngomane. Nem Panguane. Tão pouco pelos comentários da Sara Jonas, na apresentação do livro. Mas porque conhecemo-la e, particularmente, porque queríamos experimentar os “orgasmos literários” que propõe em sua lírica.
Emocionada, Rinkel fala da vida, do sentido da vida. Do amor, do desamor, desse “Duro teste!/ Se não correspondido!”, que é o “amar”. E, de repente, abstraindo-se revela-nos as limitações intelectuais do Homem, em determinadas situações ou temas, mesmo que tenha os mais altos níveis de educação.
Inconforma-se ela em “Um desastre aconteceu…” e solta mais um desabafo, revelando suas insufi ciências intelectuais em determinados assuntos: “Justo agora…/ Mas justo agora mesmo/ É que tinha que acontecer. / Mas porquê?/ Já houve prenúncios/ Muitas premunições/ Até na bola de cristal foi previsto/ Mas justo agora quando as coisas pareciam andar bem/ É que tinha que acontecer”.
Ora, é nossa opinião que de facto se pudéssemos evitar os acidentes seria bom. No entanto, a dúvida prevalece se nós, os homens, o faríamos. Sobretudo porque mesmo em situações que pela sua natureza, não metafísica, e, por conseguinte, de nossa compreensão muito pouco fazemos para torneá-las.
Assim, aproveitamos a vaga da celebração do 124º aniversário da cidade de Maputo, para particularizando um problema universal que, fatalmente se assiste nas cidades mundanas. “Prédios frondosos/ Duma cidade em crescimento/ Nova ordenação urbanística/ Jardins em destruição/ Betão em ebulição”.
É na mesma senda que Rinkel leva o seu pensamento ao extremo, para denunciar um imbróglio sempre presente, contíguo a todos nós. Até porque nesta idade contemporânea revela-se a aspiração de todos. “Espaço terrestre usado e abusado/ por novas construções/ Espaço aéreo partilhado/ Com aves em extinção/ Fervor citadino”.
Uma sociedade de sistemas
Em “Emoções e abstracções” da Rinkel a promoção da pobreza nacional no exterior, a corrupção vigente, sempre presente são apontados como eternos percursores da miséria. “Quanta miséria/ quantos miseráveis./ Coisa mais séria/ Os mesmos incansáveis”. No entanto, falemos do assuntos à luz do sistema de “corrupção”. “Se tudo fosse wireless/ Não precisaríamos de ficar ligados/ aos sistemas”.
E justifica o seu parecer argumentando que os “Sistemas de corrupção/ De convenções ilegais/ De normas inventadas a bel prazer/ Ligações interrompidas”, evoluíram, sofi sticando- se de tal sorte que se podem equiparar a wireless. Por isso, “se algumas funções estivessem/ a funcionar em modalidade wireless, / Não teríamos o problema/ de não haver sistema.”
Enquanto, o sistema funciona deste modos, tornámos-nos eternos pedintes. Provavelmente seja por isso que (esta escritora a caminho da idade 40) coloca-nos uma situação complicada, como forma de pensar como se comportar depois de sermos grandes receptáculos. “se tiveres que dar/ Não dá pela metade/ Dá tudo quanto tenhas/ partilha… tudo…” E faz sentido que assim, Rinkel sugira. É que, presentemente, nos encontramos num estágio tipo, “Abre as mãos/ E recebe/ Recebe tudo/ até aquilo que não precisas”.
O essencial é, então, não nos esquecermo-nos da orientação. “… e depois partilha”. Afinal, “Se tiver que dar/ Dá tudo/ Mas… tudo mesmo”.
Na cerimónia em que testemunhamos a promoção destas “Emoções e Abstracções”, Rinkel aproveitou a ocasião para denunciar a Almiro Lobo, Lourenço do Rosário e Nataniel Ngomane, como sendo os culpados pela sua ligação à literatura. “Uma das coisas mais importantes que aprendi, através do Nataniel, é que um bom livro deve provocar orgasmo literários. Tomara que este livro vos emocione até este ponto!”, disse.
As “Emoções e Abstracções” podem não terem nos provocado orgasmos literários, na medida como Nataniel, esta autoridade literária, entende. Mas em princípio, não restam dúvidas que se trata de “um livro simples e belo”, como escreve Panguane que recomenda que “a maturidade é um estágio que se busca eternamente, em cada poema, livro após livro, ao longo dos tempos. E Rinkel, felizmente, tem plena consciência disso”conclui dizendo que a escritora está num processo contínuo de busca pela maturidade.