O desenvolvimento industrial, tecnológico e da medicina colocaram o Homem do século XX/XXI no mais alto estágio da sua evolução. Por outro lado, as guerras, as crises sociais – económica, financeira, política, e alimentar – e os desastres naturais e artificiais teimam em provar-lhe que não é bem assim.
Tal progresso tecnológico acarretou consigo um clima de caos total que coloca a espécie humana em (permanente) estado de insegurança: o desemprego, a precariedade do emprego, da saúde. O sentimento de egoísmo, mas acima de tudo, a morte que constantemente determina o (nosso) fim e dos nossos próximos, recrudesce a insegurança humana.
Durante há alguns tempos a esta parte, Pétur Guðjónsson, um escritor de origem espanhola, fez da questão “O que importa realmente?” uma inquietação não somente da humanidade, mas particularmente sua, até que finalmente, em 2010, publicou uma obra, que na verdade se enquadra bem no campo da sociologia e psicologia humana, em que se trata a morte ao pormenor.
Depois da sua publicação na Espanha – a sua terra de origem – eis que muito recentemente Guðjónsson escalou Maputo para o relançamento da obra ao nível internacional.
Contrapor a morte
No local onde se procedeu à publicação do livro – Centro Cultural Brasil- Moçambique – uma multidão desejosa de entender as idiossincrasias da (sua) vida, os temores em relação a muitos aspectos desta, como por exemplo o maior inimigo do Homem de todos os tempos – a morte –, a questão do afecto, do desafecto, do medo e receio de perder os entes queridos, ia-se apresentando para obter, para além das explicações à luz do entendimento do autor, a resolução destes problemas.
Não restaram dúvidas de que os limites da língua quase que se inviabilizavam. Questões elaboradas em português eram respondidas em espanhol, curiosamente, gerando-se alguma compreensão mútua. De qualquer modo, em relação à questão referente ao futuro/ morte, preferimos que se julgue Guðjónsson – se for o caso – ao abrigo do que escreveu:
“Quer queiramos, quer não, aparentemente o nosso futuro termina em algo chamado morte”, diz para imediatamente duvidar da própria morte. “Se a morte fosse o final de tudo aquilo, o nosso futuro não pareceria muito interessante, e seria razoável que não se esteja muito contente ao pensar-se nele”.
Esta posição chega, na verdade, a ser uma contraposição à morte. Senão leiamos:
“Mas se queremos realmente manter o nosso futuro totalmente aberto, temos que ver mais além daquela aparente fronteira. E não apenas ´ver` mais além, mas também, ter a certeza de que continuamos quando o momento ´final` chegar. Do mesmo modo como é útil acreditar que existe um amanhã quando nos vamos deitar à noite, ainda que o ´amanhã` não esteja de nenhum modo assegurado”.
Um projecto ambicioso: não morrer
Um aspecto inédito – se calhar mesmo inovador – patente em “O que realmente importa?” é que enquanto a humanidade acredita que adoptar estilos de vida saudáveis, como a prática de exercícios de manutenção física, e alimentação equilibrada, como forma de retardar ou mesmo parar o envelhecimento, entendido como o primeiro sintoma para a morte, Guðjónsson coloca-se metas cada vez mais ambiciosas. Ou seja, um futuro ilimitado.
“Eu penso que podemos concordar que ter um futuro completamente aberto é algo útil. Alguns chamam a este estado mental não ter medo, outros falam da certeza da imortalidade”.
A sua resposta aos receosos é simples clara e objectiva: “Poderás argumentar que é pouco razoável colocar uma meta tão elevada. Concordo, é aparentemente uma meta ambiciosa, mas necessária”, argumentando que “fomos feitos para funcionar bem, e funcionar bem significa ter um futuro ilimitado. Portanto, se estás apreensivo em relação a este grande projecto, não me culpes a mim, podes apresentar as tuas queixas mais tarde aos designers, ou ao Grande Arquitecto”.
Levando o seu posicionamento ao extremo, Pétur Guðjónsson sugere que “existem duas coisas que todos nós devemos fazer: ser imortais e gerar acções imortais”.
Mas a recomendação do autor espanhol mostra-se com limitações sobretudo quando se recorda que “cada homem é uma raça”, como diz Mia Couto. Ou seja, que somos todos diferentes uns dos outros.
Pétur reconhece isto como um facto, mas para si isso também revela que, como seres humanos, “também temos algo em comum, que é de funcionar bem, e para isso precisamos de ter o futuro aberto. Também precisamos de contribuir para a vida, para o processo do qual fazemos parte”.
O que, dito por outras palavras, significa deixar “para trás o ´material construtivo` para as futuras gerações, o tipo de acções que verdadeiramente nos tornam humanos”.
Uma marioneta macabra
No seu livro, Pétur considera que a morte convive permanentemente connosco, fazendo do homem uma mera marioneta. Aliás, para o autor a morte é “o mestre de marionetes”. Como tal, “a maior parte de nós pensa que não tem medo de morrer. Defi nitivamente, não pensamos que as nossas vidas estão completamente controladas por este medo”.
“Se fizesse um inquérito a um bom número de pessoas ao acaso, perguntando-lhes se têm medo da morte, mais de 90% diriam ´não, não tenho`, diz o autor que, no entanto acrescenta: “se uma segunda pergunta fosse, ´tem medo de perder alguma coisa, o trabalho, por exemplo`, muitas dariam uma resposta afi rmativa. Outras diriam que têm medo de perder a saúde, a casa, a esposa ou a amante”.
É por isso que se parte do princípio de que todas as acções diárias do homem são no sentido de superar o medo da morte, contrariá-la ou até mesmo retardá-la. No entanto, não raras vezes tais façanhas redundam em fracasso. Para o autor só há um segredo: “tens feito isto de forma muito ineficiente, pois independentemente de quantas posses acumules, ou quantos belos pôr-do-sol possas contemplar, ou quantas emoções vibrantes ou ideias brilhantes tenhas, esse medo permanece.”
O livro
O livro aborda assuntos que – na actualidade – se apresentam como primordiais para o homem. Afinal, “quantas vezes a pessoas se preocupam com a questão da sua felicidade e não conseguem?”, questiona o autor. Mauriciano Ombe, do Movimento Humanista, a instituição que dinamizou a cerimónia da sua publicação, considera que se trata de uma viagem cujo ponto de partida foi este lançamento.
A sua elaboração termina com o sonho, a experiência de ter “um futuro permanentemente aberto em relação à (nossa) própria vida. Basta reparar que – na sociedade contemporânea – o ser humano vive oprimido, limitado, inseguro com o seu próprio futuro, para compreender a pertinência da publicação”.
É por essa razão que para si “o livro é um convite para que cada pessoa reflicta sobre a (sua) vida pessoal, de forma a perceber até que ponto está ou não a trilhar pelo caminho certo”.
E mais, para Ombe, “nós, os homens, temos tido sempre a ilusão de que amanhã a vida será melhor, e nada acontece”. Pelo contrário, “as contradições, as limitações, as dificuldades aumentam constantemente”. Por isso, “o livro representa uma viagem de auto-análise para se descobrir uma outra dimensão da vida e da mente humana”.
Uma dimensão diferente “da sociedade que criámos. Uma sociedade cheia de falsidade, de contendas, de ódio, de maldade, de falsos sentidos da/para a vida.
Uma sociedade em que o ser humano vive centrado em si próprio – o que faz com que derive daí a violência, os conflitos e incoerências”. Aliás, todos estes cenários resultam “da falta de um contacto profundo do Homem consigo próprio”.