Nos dias que correm, insistir na afirmação de que Maputo é a “cidade das acácias” corre o risco de passar a frase feita, a um (mero) discurso saudosista. É que a cidade está – cada vez mais – órfã da espécie. Pior ainda, caso algo não seja feito – pelo menos no campo ambiental – não tardará muito que os maputenses sejam açoitados pela hostilidade do aquecimento global.
Partimos pelo exemplo do Jardim Tunduro – que continua num estado de eterno abandono – para, por indução, recordarmos que se a Amazónia, na América latina, exerce para o mundo uma função pulmonar, então, o Tunduro fá-lo em relação à cidade de Maputo.
E mais: se é que, de facto, desprovida da Amazónia a terra (seres vivos, em particular os humanos) pode estar à beira de um colapso, então o mesmo faz sentido em relação à “cidade das acácias” sem o Jardim Tunduro.
Mas sobre o primeiro caso, os especialistas apontam a industrialização do mundo moderno – sobretudo a exploração vegetal – como o principal factor desfavorável à sua manutenção. Em contra-censo, no caso do nosso país, o desenvolvimento da indústria não justifi ca a degradação do Tunduro. Aliás, Maputo não é uma cidade industrializada.
Aqui podem ser apontados agentes como a falta – por parte de quem de direito e da sociedade no geral – da prática de (boa) gestão da infra-estrutura. O corroer de uma postura urbana salutar para a conservação dos bens públicos – por parte dos utentes – é um autêntico entrave para o florescimento da espécie. A transformação das acácias, a principal referência da urbe, em urinóis nauseabundos é disso um exemplo. A consequência imediata é a degradação contínua a que de lá para cá se vem assistindo.
Mais grave ainda é que a estética e a beleza, contidas no caso do Jardim Tunduro se corromperam, ao mesmo tempo que o aspecto arquitectónico da referida infra-estrutura perdeu apreciadores.
Recorde-se que em tempos (não muito longínquos) Tunduro cruzou gerações, ao acolher célebres eventos sociais, como casamentos, baptizados, assim como eventos meramente recreativos e culturais. Ora, na actualidade – o mesmo espaço – apresenta-se-nos pouco hospitaleiro, ou até mesmo, repulsivo.
Neste contexto e a pouco mais de 20 dias para a comemoração de mais um aniversário da cidade de Maputo – a capital económica e política do país – aproveitamos a ocasião festiva, não somente para celebrar mas para reflectir sobre das nossas infra-estruturas, não somente como objectos físicos, mas, acima de tudo, como património (cultural) nacional, e como organismos detentores de alguma informação histórica passível de gerar (novos) conhecimentos.
Com esta perspectiva – explorar conhecimentos – visitámos, muito recentemente, o maior jardim botânico da cidade de Maputo, o Tunduro. Aliás, recorde- se que durante o século XX, desde quando em 1924 foi edifi cado, o Tunduro manteve- -se como referência na África Austral no que à botânica diz respeito.
No local revestimo-nos da personalidade de estudantes para – segundo a nossa suposição – identifi car e copiar elementos identitários das árvores mais frondosas existentes: quer através dos nomes vulgar e científico, quer da família a que pertencem, ou quer ainda, por meio da sua origem.
Na verdade, o trabalho era simples demais. Afinal, só implicava olhar para as placas identitárias – geralmente presas às árvores – e copiar a informação. Mas, infelizmente, a conclusão a que chegámos – com base nas fontes disponíveis no local – é desastrosa.
O saber está a ‘morrer’ no Tunduro
É que, até antes de começarmos o trabalho, acreditávamos que da mesma forma que os museus – na sua diversidade – e galerias de arte são fontes de conhecimentos, ou de pesquisa científi ca, os jardins – também na sua diversidade – já foram o mesmo.
Duas horas depois do percurso no horto trabalho, cuja meta era destacar apenas dez espécies e identifi cá-los, sob o ponto de vista de nomenclatura, correctamente, constatámos que a pesquisa fora fastidiosa e pouco produtiva. Só conseguimos descortinar – apenas – quatro árvores devidamente identifi cadas.
A justificação: a maior parte das árvores já não possuem as placas identitárias. Noutras ainda, as referências aos nomes estão completamente fracturadas.
De qualquer modo – em jeito de apresentação – diga-se que entre as quatro árvores correctamente identificadas duas – Pongamia e Gabage Palm – são originárias da Índia, sendo que as restantes duas – Braquiquito e Jambire – são, respectivamente, oriundas da Austrália e Moçambique.
Os nomes são vulgares, e os botânicos ou científicos designam-se Pangamia Pinnata W, Orcadoxa Oleraceae M, Brachychiton Discolor. M e Millettia Stuhlmani M. Exceptuando a braquiquito, que pertence à família das Sterculiaceau, quase todas as árvores são leguminosas. As placas identitárias datam de 1996.
O que não queríamos ver!
Na visita ao Tunduro, constatou-se que, actualmente, as árvores estão desprovidas de placas identitárias. Que a vegetação está a ser devorada pela aridez, havendo inclusive espécies arbóreas completamente secas, outras ainda em acelerado estado de secura, bastando uma tempestade para as derrubar.
Há espaços no interior do Tunduro que são pura e simplesmente intransitáveis, apesar de terem sido originalmente concebidos para proporcionar passeios contemplativos. Em tais locais, desenvolveram-se charcos, áreas com águas imundas e estagnadas, assim como autênticos viveiros de mosquitos e de algumas espécies aquáticas com destaque para peixes, girinos e anfíbios – animais que habitam o meio aquático como em terra firme, mas húmida, como rãs e sapos.
Mais no interior encontrámos uma construção altamente degradada. Nela, viam-se estudantes isolados uns dos outros, com pessoas de conduta duvidosa à mistura. Com um tecto que se estilhaça continuamente, constitui um perigo iminente – sempre presente.
De uma ou de outra forma, o referido local recorda-nos a ideia de uma estufa de plantas. Ou seja, um laboratório botânico. A única (grande) diferença é que o espaço em alusão há muitos anos que deixou de ser laboratório, tão-pouco reservatório de plantas.
‘Ficámos desanimados’
Na qualidade de alunos – que éramos – perdemos alento, sobretudo porque o professor – fazendo jus à celebração de mais um aniversário da cidade das acácias que se avizinha (recorde- se que este ano são 124 anos) – incluíra no exercício a realização de alguma abordagem sobre as acácias, espécies arbóreas que pelas bandas de Maputo são carregadas de simbolismo. Que pena! As acácias (também) estão a extinguir-se ao mesmo tempo que não há nenhuma informação disponível sobre elas no local.
Não obstante, não vergámos. Acedemos à Internet até que descobrimos que a “acácia é um antigo nome para um grupo de leguminosas (mesmo da família do feijão, soja, ervilha, amendoim, etc.) que foi recentemente dividido em cinco novos géneros”.
O referido site – quase conhecido por todos os alunos – não precisa a origem, mas dá indicações de que as acácias sejam oriundas da América latina, onde curiosamente se encontra a Floresta Amazónica, a maior do planeta. As acácias encontram-se espalhadas em várias partes do mundo. Maputo, na África Austral, é uma das referências.
Assim, em relação à visita efectuada ao maior jardim botânico de Maputo ficámos com a impressão de que se há uma década o mesmo podia ser considerado “um lugar agradável para passear sobretudo no Verão, e explorar o oásis da sombra, a tranquilidade que as gigantescas copas das árvores frondosas criavam no local”, hoje o cenário é completamente adverso.
Nem os X Jogos Africanos, recém-terminados, que beneficiaram o campo de ténis, contíguo ao jardim, atenuam a situação. Tunduro carece de uma reabilitação de raiz.