Se há quem se queixa de auferir um salário mínimo, para alguns empregados domésticos em Moçambique isso seria uma fortuna, pois grande parte ganha por mês quase a metade da remuneração básica nacional em vigor. Desamparados pelo sindicato, vivem à mercê de um ordenado mísero, da boa vontade do patrão e, na maioria dos casos, são tratados como familiares, e não como trabalhadores.
Pelo menos uma vez por mês, o empregado doméstico Joaquim Manuel, de 26 anos de idade, apanha um camião de carga para visitar a sua família – esposa e dois filhos – em Namapa, vila-sede do distrito de Erati, província de Nampula.
Para aquele ponto, as viagens são feitas por transportes semi- colectivos de passageiros ao preço de 200 meticais. A opção pelo camião deve-se a um único (e óbvio) motivo: é mais barato. Custa apenas 80 meticais e dependendo do camionista, o valor pode baixar até aos 60.
Empregado doméstico desde os 17 anos de idade, Manuel serve a uma família de classe média no centro da cidade de Nampula. Entra às 5h00 da manhã e sai por volta das 17h00. A sua tarefa diária é cozinhar, lavar, engomar, limpar e vigiar a casa durante o dia. Aufere 800 meticais por mês. Mas nem sempre ganhou esse valor.
Recebia 450 meticais mensais e, mais tarde, passou para 600. Há um ano e quatro meses que o seu salário aumentou. “Agora, é possível pelo menos uma vez por mês visitar a minha família em Namapa”, diz. Manuel abandonou a sua terra natal à procura de um emprego. O primeiro trabalho que encontrou como empregado doméstico foi na vila de Namialo, distrito de Meconta.
Insatisfeito com salário, decidiu tentar a sorte na cidade de Nampula. Presentemente, residente no bairro de Napipine, arredores da capital do norte, onde arrenda a 150 meticais um cómodo, de cerca de 2,5 por 3 metros, no qual vive com a sua segunda mulher. “Não tinha dinheiro para visitar todos os meses a minha mulher, por isso acabei por arranjar uma amiga, agora ela vive comigo”, justifica.
Com dois agregados familiares por sustentar, Joaquim Manuel tem de fazer malabarismos todos os meses para que nenhum dos membros da sua família morra a fome. Divide o salário de 800 meticais (depois de retirar o dinheiro da renda de casa) por dois, ou seja, compra os bens de primeira necessidade para as duas casas.
A despesa inclui: duas latas de milho, dois litros de óleo, duas barras de sabão, dois quilos de açúcar e quatro de feijão. No total, despende 500 meticais.
“Nem sempre o dinheiro chega para todas as necessidades da família. Muitas vezes, conto com a ajuda do meu patrão que me oferece alguns quilos de arroz ou farinha de milho e peixe”, afirma.
Como tantos outros, Manuel é tratado como um membro da família – frequentemente, tem de dormir na casa do patrão – carecendo de férias. O Convénio, aprovado por maioria esmagadora na Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, declarou que os empregado(a)s não são nem criados nem familiares, mas sim trabalhadores. Mas trata-se de uma realidade ainda desconhecida por homens e mulheres que se dedicam à arte de servir.
Luís Sozinho Mulherila, de 25 anos de idade, é outro exemplo de quem recebe e tem de sobreviver com menos de um salário mínimo. Trabalha como empregado doméstico desde Fevereiro do ano passado (2010).
É natural do distrito de Alto Molócue, província da Zambézia. Trabalhou na sua terra natal até Outubro de 2010 e auferia 300 meticais por mês. “O dinheiro era muito pouco para as necessidades de casa”, conta. Um convite para trabalhar na cidade de Nampula e ganhar mais dinheiro deixou-o animado.
Luís não se fez de rogado tendo aceitado de imediato o desafio. Actualmente, recebe 800 meticais, valor com o qual garante o sustento da sua família composta por três pessoas e paga a renda de casa (200 meticais por mês). Vive no bairro de Karrupeia, e trabalha a 500 metros da sua habitação, por isso não tem preocupação com o transporte.
O seu dia também começa cedo. Às 5h00 da manhã, já esta no seu posto de trabalho, mas não tem hora para sair. “Às vezes, saio às 18h30 ou 20h00, depende dos dias”, diz. Cozinhar, lavar, limpar e vigiar a casa quando os proprietários não estão são algumas das suas actividades diárias.
Estes são apenas exemplos de indivíduos – num universo de milhares – que compõem uma classe de trabalhadores constituídos por mulheres e homens, de idades diferentes, que durante a vida inteira se dedicam a uma actividade importante e pouco compreendida nos dias de hoje. Na cidade de Nampula, auferem entre 500 e 1000 meticais mensalmente. Poucos são os que estão acima desse valor.
Outra realidade
Auferir um salário, gozar férias anuais remuneradas, incluindo feriados obrigatórios, assistência médica e medicamentosa apenas em caso de acidente do trabalho, inscrever-se voluntariamente no sistema de Segurança Social Obrigatória são alguns dos direitos dos empregados domésticos em Moçambique, que só em 2008 viram a sua profissão reconhecida com a aprovação do Regulamento do Trabalho Doméstico (Decreto nº 40/2008 de 26 de Novembro).
O drama dos trabalhadores domésticos é o facto de o contrato de trabalho não estar sujeito a forma escrita, e não só. Também não está fixada o salário mínimo para esta classe, razão pela qual se assiste a disparidade nos vencimentos entre vários grupos que exercem as mesmas funções.
Uma realidade distinta…
mas aquém do desejado Na cidade de Maputo, a realidade é outra. A maioria dos empregados domésticos ganha acima de 1000 meticais por mês.
A título de exemplo, Amélia Magaia, 28 anos de idade, aufere dois mil meticais. Trabalha como empregada doméstica há oito anos. Começou por vender refeições, mas a necessidade de ter um emprego que a garantisse o sustento diário fê-la mudar de actividade. Conseguiu um trabalho numa residência no bairro Central.
Casada e mãe de dois filhos, Amélia garante o sustento da sua família com o salário de dois mil meticais, sendo que retira dessa quantia 600 meticais para o pagamento da renda da casa.
O marido não tem emprego e depende de biscates, quando há. “O dinheiro que ganho é pouco. Não chega para as despesas de casa, e para transportar para as crianças ir à escola”, lamenta. Residente no bairro de Magoanine “C”, todos os dias ela tem de apanhar pelo menos dois “chapas” para chegar cedo ao posto de trabalho.
A jovem empregada doméstica trabalha, todos os dias, durante 10 horas – uma hora a mais em relação ao período normal estipulado pelo regulamento do trabalho doméstico.
“Tenho hora para entrar, mas, às vezes, não tenho hora para sair. Às 6h00, tenho de estar no serviço e saio às 17h30, de segunda-feira a sábado.
Nos domingos ou feriados trabalho até ao médio dia”, conta. Além de cozinhar e fazer limpeza da casa, Margarida também é responsável pelo cuidado de animais domésticos, neste caso dois cachorros.
Queixa-se do custo de vida, do salário e não só. “Há seis anos não tenho férias que ultrapassem 15 dias. Mas a minha preocupação é o contrato. Não tenho um contrato escrito. Qualquer dia os meus patrões podem despedir-me e não terei como reclamar”, afirma.
Ao contrário da Margarida, Domingas Zefanias, de 33 anos de idade, 10 dos quais como trabalhadora doméstica, diz usufruir anualmente do seu descanso merecido durante 30 dias.
Mas a sua grande preocupação é serem os próprios empregados a inscreverem-se voluntariamente no sistema de Segurança Social Obrigatório, além de não haver obrigação de os contratos de trabalho serem por escrito.
“Os patrões é que deveriam canalizar a segurança social para o INSS e não os trabalhadores”, comenta. Solteira e mãe de dois filhos, Domingas aufere um salário mensal de 2300 meticais com o qual contribui para aumentar o rendimento familiar.
“A vida está cara e ganhamos muito pouco. Desse valor, temos de retirar para comida, água, energia, chapa para as crianças ir à escola”, diz. Empregada doméstica há nove anos, Anastância Ana Maculacha, de 27 anos de idade, vive maritalmente e tem três filhos.
Por mês, ganha dois mil meticais e afirma que, desde que começou no seu novo emprego há três anos, nunca teve férias, apesar de exercer o ofício em jornada de aproximadamente 13 horas de segunda a sexta-feira. Nos sábados, trabalha até ao meio dia e tem folga nos domingos.
Mora no bairro de Maxaquene “B” e tem de chegar a tempo e hora no local de trabalho. “Às 6h00, tenho de esta no serviço, porque tenho de acompanhar a menina para escolinha.
Se chegar atrasado, a patroa pode descontar-me o salário”, diz e acrescenta: “Se fosse obrigatório fazer-se um contrato por trabalho, talvez os nossos direitos poderiam ser respeitados”.
Por outro lado, a falta de emprego, no país, não só reduz o horizonte para os empregados domésticos como impede- -lhes de discutir uma remuneração justa.