A menos de 30 dias dos Jogos Africanos, e depois de apresentarmos o pouco potencial dos atletas moçambicanos para esta olimpíada do continente, vamos recordar algumas das poucas historias gloriosas do nosso desporto. Esta semana voltamos até 20 anos atrás a uma noite inesquecível… em que ganhamos o único ouro numa modalidade colectiva.
Estava-se a uns segundos do fim do Moçambique- Senegal, no Cairo, 1991. Moçambique vencia o Senegal por oito pontos, na partida de basquetebol feminino que daria o destino ao ouro feminino. As senegalesas fazem um último “pressing”, as nossas basquetistas trocam a bola, “queimam” os 30 segundos.
Falham o cesto, mas de seguida ficam com a posse de bola. Ernesto Júnior, então atleta e treinador, nas bancadas, solicita um abraço e confi dencia ao jornalista: “já podes mandar o teu trabalho para a terra. O ouro é nosso”.
E foi nosso, de facto, numa noite mágica em que conquistámos aquela que é, até hoje, a única medalha de ouro colectiva para o nosso país. As outras pertencem a Mutola (naturalmente) e a Sinóia uma de bronze. As senegalesas não foram ao Cairo para brincar. Mas Cezerilo também não. A nossa adversária sabia que era “papão” em África, mas respeitava a extraordinária selecção moçambicana.
Para trás já haviam acontecido noites de grande sacrifício, pois mesmo não nos tendo calhado Angola na série, tivemos que ultrapassar quatro selecções gigantes do continente, a saber: Quénia (78-74), Costa do Marfim (70-68); Zaire (76-64); Tunísia (74-70). Finalmente veio a final com o Senegal (75-67). Os senegaleses tinham três treinadores. No nosso banco, Luís Cezerilo e Vítor Morgado. O “mister” principal, refira-se, praticamente nunca se sentou.
Estávamos já animados pelo ouro de Lurdes Mutola, um triunfo esperado. Quase sem “esticar”, a prova não passou de um passeio para a Menina de Ouro. Por isso, a partir daí, as atenções da delegação e de todo o país viravam-se para as meninas do basquetebol.
As senegalesas não foram “pêra-doce” o que propiciou uma das mais loucas noites de festa do desporto moçambicano além-fronteiras, um triunfo valorizado pela réplica, um “tête-à-tête” que só permitiu respirar após o apito final.
A noite louca de Alexandria
Todos os moçambicanos que foram aos Jogos, incluindo alguns estudantes nacionais no Egipto, prepararam em Alexandria a claque para a “noite louca” e de todas as decisões. Com alguma perspicácia, conseguiu-se ganhar o público local, que lotava por completo o Pavilhão, à espera da final masculina em que jogava a turma anfi triã, logo a seguir.
Foi uma partida muito emocionante. Cezerilo, o treinador, coadjuvado por Vítor Morgado, alternou sistemas, jogou todos os trunfos. Esperança e Aurélia, cada uma ao seu estilo, eram as armas principais. Joaquina Balói, a reserva moral dos técnicos, entrava para dar descanso às mais influentes e ao mesmo tempo para colocar alguma ordem em momentos de descontrolo.
Ao intervalo, o resultado estava a nosso favor, por 8 pontos, margem que acabou por ser a diferença final. Na segunda parte, a prioridade foi gerir, com sacrifício e entrega, a vantagem face a uma equipa muito tarimbada e com uma média de altura e peso bem superior à nossa.
Enquanto há vida há Esperança… Sambo!
Escrevia um jornalista senegalês, especialista em basquetebol, que nunca os seus olhos haviam sido maravilhados por uma jogadora de estatura tão imprópria para o basquetebol, como a que na altura era a base da selecção nacional: o seu nome? Esperança Sambo.
As instruções dos senegaleses passavam por anular a influência da base moçambicana como uma das prioridades para vencer o jogo e, consequentemente, a competição. Mas quem tinha Esperança, tinha tudo.
Garra, voz de comando e técnica para desequilibrar a todo o momento. Jogou e fez jogar. No final, já com o ouro ao peito, veio uma homenagem: os cumprimentos da jogadora/ base adversária, que após ter sido completamente anulada com muita lealdade, reconheceu que aquela “txote” possuía um basquetebol gigante.
E quando soou o apito final, choveram abraços, beijos e… lágrimas. Marcelino dos Santos, então Presidente da AR, fez “sair da cartola” umas garrafas de champanhe para um brinde em terra de abstémios. Foi uma jornada louca, louca, louca.
O regresso de uma parte da delegação “residente” no Cairo deu-se em ambiente festivo, numa noite que só acabou com o raiar do dia. Foi a mais numerosa participação moçambicana em Jogos Africanos, com a presença de 35 atletas.
Flashes da final de ouro
+ Mal começou a final feminina, a claque moçambicana destacou um líder: Simão Mataveia. E as canções que ele lançou foram tão bonitas, que até fizeram o público egípcio aderir. Gritou-se até à rouquidão. E perguntava-se na delegação: porque não acontece isto nos jogos dentro do País?
+ À medida que o jogo se aproximava do fim, os nossos batimentos cardíacos aumentavam. Ernesto Júnior, da bancada, não se calava: “ó Aurélia, faz-te à falta. Joaquina olha os ressaltos. Telma, não vires as costas à bola”. A intenção era boa, vá lá saber-se se ajudou ou não…
+ Jorge Amade, conhecedor das leis do boxe e pouco das do basquetebol, interrogava: “mas afi nal quanto tempo dura uma partida de básquete? Vinte/vinte? Mas esta primeira parte já vai em 30 minutos”. E logo a seguir: “afinal vale dar cotoveladas? Joaquina dá-lhe um carolo”. E quando o Senegal empatou, veio a proposta: “vamos lançar no jogo o Sinóia, com uma peruca, e com indicações bem precisas”!
+ Amade Mogne, tarimbado nestas andanças, numa altura em que o marcador nos era desfavorável, foi dizendo: “é sempre assim. Estas miúdas gostam de nos fazer sofrer. Mas enquanto tivermos a Esperança Sambo, podemos dormir tranquilos. Ela vai resolver o jogo nos últimos minutos”. E não é que resolveu, de facto?