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Uma sociedade inquietante!

Uma sociedade inquietante!

“Aborrecidos” pelas negativas transformações sociais que – de há uns tempos a esta parte – ocorrem no país, os artistas plásticos moçambicanos Domingos Mabombo e Ricardo Joaquim colocam em mostra semicolectiva 30 telas. Sem desprovê-las do belo – o que lhes enriquece – os criadores aglutinaram nas obras uma série de ocorrências e situações grotescas e reais, ao abrigo das quais excitam os apreciadores visando desencadear positivas mutações sociais.

Com as obras em exibição na Mediateca do Espaço Joaquim Chissano, em Maputo, fazendo jus à criatividade moderna de artistas pós- -modernistas, a colecção reúne telas que cabalmente respondem às “metamorfoses de uma inquietação”. Aliás, é sob este mote que a exposição decorre.

A resumir o pensamento de duas mentes – Domingos e Kadinho – a exposição sugere uma interpretação social dicotómica. Uma dicotomia interpretativa ofuscada pelo carácter crítico e incisivo de ambos. É por essa razão que se fica, no final, com inúmeras similaridades expressas por uma declarada e premente necessidade de “alertar, questionar e denunciar certas anomalias que nos enfermam”.

À guisa de exemplo, no “Santuário da nova geração”, uma das suas proezas artísticas, Kadinho coloca em haste o tema que se prende ao consumo de drogas (tabaco e álcool) – algumas das quais fomentadas e propaladas pela imprensa audiovisual no país. Demonstrando o quão tais caminhos são ínvios, o artista encerra o seu discurso em seco.

A finalidade é a clara intenção de gerar, a partir da exposição, um debate público acerca das inúmeras inquietações que (em pleno século XXI) teimam em assolar os moçambicanos. Outras carências sociais derivam ainda do despudor, da prostituição, da criminalidade, da falta de solidariedade, do despeito, do custo de vida, bem como dos acidentes rodoviários que semeiam luto no dia-a-dia das estradas nacionais.

Não é obra do acaso que, paralelamente a isto, Mabombo (com que quem conversámos longamente) em “Sinistro – derramamento de sangue nas estradas”, uma obra em que o título é o único elemento de objectivo, sendo a situação dramática surreal e onírica, e por conseguinte, com uma mensagem passível de vislumbramento à luz do intelecto, enriquece o debate.

De qualquer modo, Mabombo conta que “quando era adolescente, dificilmente podia-se encontrar jovens a consumir álcool – o que de forma surpreendente, nos dias actuais, está na moda. Gente de tenra idade consome álcool, drogas, naturalmente”. O artista dá, assim, a impressão de que é de situações similares às que expõe que cenas sinistras derivam e proliferam.

Para o interlocutor, na actualidade, o consumo de álcool e tabaco tornou-se o modo de ser e estar na juventude. Tanto é que as pessoas que se opõem a este forma de estar são imediatamente marginalizadas e excluídas do grupo com maior expressão social.

Não restam dúvidas, como asseguram os expositores, de que esta realidade resulta das mutações sociais que se operam – para o negativo – perante o olhar impávido de todos nós, a sociedade.

É que enquanto o fenómeno sucede, no lugar de se refrear e dissuadir a procederes desta natureza, a tendência das pessoas é fantasiar, com um tom suave de crítica à mistura, sem engendrar medidas claras e objectivas para erradicar o problema. Como quem afirma:

“Na minha época de adolescente, o não consumo de drogas, de álcool, preservar a virgindade (…) eram dogmas, verdadeiras doutrinas por zelar. Ora, actualmente acontece o contrário”.

Como tal, é exactamente nestes actos – nada abonatórios – que a juventude hodierna, encontrando fontes de inspiração e referências, diariamente molda a teia da degradação da instituição família, e da sociedade, por extensão.

Grotesco mas estético

Há uma preocupação manifesta, de todas as formas, de expor na tela alguns aspectos funestos, como o alcoolismo, as drogas, o sangue, por exemplo, sem, no entanto, empobrecer as obras em termos de beleza. Ou seja, no grotesco encontra- -se o estético. “Pois, então, o que significa esta metáfora?”.

O facto é que “antes de veicular determinada informação, ou crítica social, uma obra de arte deve conter em si o belo, a estética. São estes os elementos – que à luz do uso sapiente da técnica – concorrem para chamar a atenção dos apreciadores de arte, prendendo a sua vista”, explica Mabombo que acrescenta: “disto decorre que até os homens mais leigos em relação às artes se sintam sensibilizados a dialogar com elas”.

Artista moçambicano

Durante o tempo colonial – conforme reza a crónica oficial – os artistas negros moçambicanos eram perseguidos pelo sistema colonial devido à tendência da arte de despertar a consciência (nacionalista) das pessoas. Na actualidade, a realidade, os desafios, as oportunidades são outros e, até certo ponto, totalmente diferentes.

Sucede, porém, que ser artista em nenhum momento foi fácil. Assim, “martírio” deixa de ser apenas um amorfo substantivo passível de pesquisa em enciclopédias linguísticas. Torna-se então, e realmente, o suplício de quem pela arte dá a sua alma. Mas é essa a palavra pela qual Domingos Mabombo requalifica o artista moçambicano.

Não obstante, porque no mesmo contexto, Mabombo consente que “há um circuito artístico, no país, em que certos artistas (uma minoria) estão bem sucedidos, com uma base económica estável, e que conseguem viver da arte”.

Inversamente a isto, sobretudo quando se recorda de que “há uma outra camada esmagadora de artistas, que não consegue viver da arte”, acredita, por conseguinte, que seja impossível viver da arte. Incompreensível e imediatamente, Mabombo arrepende-se e reconhece que estaria a fazer um comentário tendencial, tendo como base a sua experiência.

Versáteis e multifacetados

De uma ou de outra forma, os fazedores de artes precisam de ser versáteis, multifacetados. Afinal, “durante muito tempo, posso não conseguir vender as obras de arte, mas tenho que ter outra actividade paralela às artes que me possa sustentar”.

Afinal, “em Moçambique as pessoas compram obras de arte. Mas porque algumas (se não a maioria) não compreendem a mensagem que nelas se embrenham preferem adquirir obras puramente figurativas e decorativas – em que enxerguem a representação de algo que lhes é familiar”.

Neste prisma, viver à custa da venda de arte será possível. Viver vendendo arte puramente comercial e não genuína – como o faz Mabombo – sobretudo porque não se deve “morrer de fome” porque as pessoas conhecem o último género de arte.

Vasculhar talentos

Presentemente, em interregno devido à falta de fundos, Domingos Mabombo desenvolve no seu ateliê, em Maputo, um projecto de encaminhamento de crianças para as artes visuais, descobrindo talentos. Na verdade, o projecto não tinha metas objectivas claramente definidas.

A finalidade era desviar os petizes dos caminhos ínvios da criminalidade, das drogas e do alcoolismo – ocupando-os com uma actividade artística, sempre no período de férias lectivas. O material para o projecto era, por si, totalmente financiado.

Como tal, não havia nenhuma regra para a selecção das crianças para o “curso”. O impressionante é que “durante a formação os miúdos descobriram a veia para as artes plásticas”. Tanto que alguns militam na área tendo participado em encontros artísticos desenvolvidos em algumas casas de cultura, em Maputo, como a do Alto Maé, por exemplo.

De maneira informal e autodidáctica, algumas, continuam a desenvolver a pintura, outras ainda – que agora são jovens maiores – inscreveram-se na Escola Nacional de Artes Visuais (ENAV), onde cursam Artes Visuais.

Com os resultados alcançados, Mabombo congratula-se. Mas, o mais importante, para si, é “inculcar nas crianças a sensibilidade e o conhecimento artístico”. Por isso, fá-lo com grande desvelo. Com o complexo de informações que recebem sobre as artes, no futuro, estas crianças “podem não ser artistas mas terão um comportamento pró-activo em relação às artes”, crê.

Uma inquietação

No meio de enormes dificuldades que se vivem no mundo das artes plásticas em solo pátrio – que aliás dificulta que artistas jovens e talentosos realizem mostras no exterior – o artista deixa um recado para o Ministério da Cultura e finaliza:

“Em Moçambique, o espaço artístico é diminuto. Por isso, há uma necessidade crescente de o Governo, através do Ministério da Cultura, alargá-lo. Muito em particular porque em relação às artes plásticas “há cerca de dois anos a esta parte o Museu Nacional de Artes Plásticas – MUSART – não tem promovido as costumeiras exposições anuais – Musarts”.

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