Condução automóvel tenebrosa, ruas de terra, calor sufocante, prestígio do silêncio: em Acra (Gana), não mais do que na maior parte das cidades africanas, a bicicleta não encontrou ainda o seu lugar. Mesmo os chineses, que inundam o continente com a sua quinquilharia, ainda não conseguiram implantar nestas latitudes a pequena rainha tão popular no seu país. Contudo, a imposição das silenciosas de duas rodas poderá estar para breve.
Paradoxalmente, o meio de transporte mais acessível e mais ecológico do mundo nunca se impôs maciçamente em África e hoje as suas vendas regridem. Os boda-boda (bicicletas táxis) nunca enxamearam pela África Ocidental, isto apesar de Acra, a capital do Gana, ser caracterizada pela ausência de relevo o que faria da bicicleta o meio de transporte ideal. As ruas da cidade, como as ruas de todo o continente, oferecem o espectáculo de um formigueiro permanente de peões – mulheres sobretudo – carregadas como burros: bacias à cabeça, bebés pendurados nas costas. Na escala social africana, o ciclista é considerado um pé-descalço, muito abaixo do motociclista e a anos-luz do que se pavoneia ao volante de um carro, mesmo que este esteja a cair de podre.
Dois engenheiros americanos e “amigos de África”, Craig Calfee, fabricante de bicicletas de competição na Califórnia, e David Ho, estudante universitário nova-iorquino, ambicionam deitar por terra este cliché com o seu novo projecto. Este vai bem mais além das generosas colectas e dos envios de bicicletas usadas, praticado muito pelas ONG do Ocidente. Os dois sonham inundar o mercado ganês de bicicletas de bambu fabricadas no próprio país.
Já existe um protótipo prolongado na parte traseira por um longo porta-bagagem, concebido para transportar mercadorias pesadas. À espera de promotores, a “bamboo bike” revela-se flexível e sólida, constituindo o meio de transporte ideal não só para a cidade como para as áreas rurais. Também o seu fabrico permitiria empregar uma matéria-prima e uma mão-de-obra locais.
A região de Ashanti, possuidora de bambu em abundância e a sua capital, Kumasi, a segunda cidade do Gana, foram escolhidas para iniciar a produção. “As bicicletas de bambu podem ser equivalentes e por vezes mesmo superiores às bicicletas comuns, sobretudo em termos de qualidade e de adaptação às necessidades locais”, assegura um credível estudo de mercado publicado em 2008 sob a égide do instituto da terra da universidade de Columbia em Nova Iorque e dirigido pelo célebre economista Jeffrey Sach. Criando empregos, permitindo massificar e melhorar as condições de transporte e claro, a produtividade, o projecto foi qualificado de “financeiramente viável” e “socialmente responsável.”
Prioridade à criação de empregos
De acordo com o business plan do negócio estima-se em 670 mil o número de lares ganeses interessados na bicicleta de bambu. O custo de fabrico está avaliado em 47 dólares (dos quais cinco correspondem à mão-de-obra, quatro ao bambu, sendo o restante para rodas, resina poliepoxidas utilizada na montagem e peças mecânicas importadas da África do Sul e da China), sendo 55 dólares o preço de venda final. “É ainda muito caro para a clientela das bicicletas aqui”, refere Ibrahim Kaju, um jovem ganês recrutado na internet pelos promotores, e que já deu início à divulgação do projecto.
Por agora, com efeito, nada diz que o projecto não seja outro fantasma do Ocidente carregado de boas intenções relativamente a África onde existirão muitos homens de negócios desejosos para fabricar a bom preço chiques bicicletas de competição em bambu, sobretudo após os iniciadores do “Bamboo Bikes Project” se terem separado recentemente devido a um diferendo bem sintomático das controvérsias sobre o auxílio a África. Enquanto os universitários esperam criar uma grande unidade de produção capaz de inundar rapidamente o mercado, Craig Calfee possui uma aproximação mais pragmática e artesanal, alimentada pela experiência dos seus dissabores africanos ligados ao carácter imprevisível do abastecimento e da mão-de-obra.
Em Agosto último, o fabricante californiano de bicicletas começou a formar uma dezena de jovens ganeses na montagem das armações de bambu. Calfee é da opinião que o estudo de mercado subavaliou os custos de fabrico, mas mesmo assim continua convencido que as bicicletas de bambu serão um elemento extraordinariamente útil ao desenvolvimento rural. “Os camponeses não dispõem de qualquer meio de transporte: eles transportam água à cabeça e vão a pé para o mercado; as crianças não podem ser alfabetizadas quando a escola fica muito longe.” Ele que, na Califórnia, vende armações personalizadas de bicicletas, em bambu, fabricadas à mão por 2600 dólares!
Enquanto isso, em Kumasi, um homem de negócios ganês, Kwame Sarpong, promete investir na futura fábrica de bicicletas em bambu. Entre artesanato e indústria, a corrida já começou. Esta actividade promete criar várias centenas de empregos, entre os que apanharão o bambu, os que estarão encarregues do seu tratamento e os especialistas na montagem. Uma intuição americana transformar-se-ia então, em plena África Ocidental, num negócio próspero.