O domínio psicológico sobre o público enriquece os seus concertos. E revela o segredo: “Sempre gostei de ler. A literatura abre-nos a mente. Quando vou ao palco, procuro adequar o espectáculo ao estado de espírito do espectador”. Explorando temas sociais “canto o que o público precisa de ouvir, sem ofendê-lo”. Afinal, a meta é nobre: “não atropelar a sociedade”, diz Bob Lee.
De seu nome verdadeiro Décio Gabriel Mondlane, Bob Lee é um “show man”, ou simplesmente, um músico romântico assumido. No campo artístico, milita oficialmente há mais de uma década. Ou seja, desde 1998 quando publicou o disco “Marracubenta” sob a chancela da Vidisco – Moçambique.
Em parte, o sucesso do álbum foi parcial porquanto não tenha conduzido o artista ao patamar que almejava. Mas, recorda-se, realçando que foi à margem do “Marracubenta”, que “tive convites para realizar concertos em Cabo Verde, Guiné-Bissau e Portugal”. E mais: “fui convidado a gravar alguns trabalhos com os Tabanka Jazz e os Tropical Band”.
Segundo o artista, a finalidade do “Marracubenta” era instaurar no país um estilo de música que, em termos de popularidade, se assemelha ao “Pandza e ao Dzukuta”. Afinal, no último decénio do século XX, o mundo PALOP (Angola e Cabo Verde em particular) era dominado pelo Kuduro, Tropical Music, Zouk, de maneiras que a juventude moçambicana clamava por um estilo de música com que se identificasse.
Por isso, “juntei-me a Doutor Mingos, Mista Jerry, Chief Betto, Edu e Pipas, que são alguns artistas da Matola, para produzir o álbum. Penso que a juventude actual – criadora do Pandza – teve mais sorte. Porque encontrou o terreno fértil, onde havia gente com disposição para consumir livremente a produção nacional”.
Encontrar o mercado certo
Apesar de se afirmar que os povos africanos têm uma cultura comum, Bob Lee salienta que o campo artístico não é homogéneo, sobretudo entre os artistas de Moçambique e África do Sul. Por essa razão, a “terra do rand” não tem mercado para a arte moçambicana.
“Os moçambicanos tendem a produzir estilos musicais mais aproximados aos dos artistas da África do Norte (como, por exemplo, Richard Bonna, Manu Di Bango, Youso N´dor, Salif Keyta, Habib Koite) que, embora seja diferente do estilo sul-africano, se assemelha ao estilo ocidental”, disse.
Então, para o artista, os artistas moçambicanos, por estarem na África Meridional, encontram grandes dificuldades para colocarem a sua arte na Europa. Ora, este cenário é paradoxal porque o mercado internacional para a produção artística nacional encontra-se na Europa, e não na África do Sul.
Acomodação
Se, numa perspectiva holística da história africana, a constante “invasão” da África Austral, e de Moçambique em particular, pode ser associada ao movimento expansionista dos Bantu (iniciado há milhares de anos) que devido à alta competitividade no norte, acaba por ampliar a sua esfera de influência mais para o sul, onde esta é menor, uma questão parece-nos pertinente colocar: “Até que ponto Moçambique está preparado para competir num mundo cada vez mais globalizado e globalizante?”
“O que acontece é que em Moçambique se consome muito a arte ocidental, bem como a africana produzida na Europa”, afirma Bob Lee acrescentando que “os norte-africanos encontram um mercado cómodo em Moçambique, para onde destinam a sua produção”.
Logo, “devido à nossa comodidade, somos um bom campo para que os artistas africanos conceituados comercializem livremente as suas obras que (com o auxílio da Europa) produzem com alta qualidade”. Acima de tudo quando encontram, em Moçambique, um mercado “em que nós, os seus operadores artísticos, somente agora é que começamos a preocupar-nos em melhorar a nossa qualidade técnica para competir”.
Artista afro-latino
Com uma forte influência de Cuba – onde viveu seis anos – Bob Lee prepara um trabalho discográfico que, a ser publicado este ano, poderá secundar o “Marracubenta” 13 anos depois.
Mesmo assim, o artista afirma que a gestão da sua carreira não tem dito muitos alaridos. Afinal, “sou um show-man. Não sou de publicar trabalhos discográficos constantemente – como acontece com outros artistas – mas sou mais de fazer concertos todos os dias”.
Reconheça-se que a vivência na terra que Ernesto Che Guevarra adoptou como sua foi-lhe de capital importância. É por essa razão que “sou um artista que faz concertos ao vivo porque domino quase todos os instrumentos. Aprendi a música tocando instrumentos. Além disso, tive a sorte de crescer em Cuba, onde não cheguei a assistir a concertos realizados em playback”.
Na verdade, se consideramos que no seio repertório musical, Bob Lee explora Raggae, Dance Hall, Marrabenta, Zouk, Afro, entre outros estilos, podemos assumir que nele a música, na sua diversidade, se celebra, fazendo de si um músico completo.
Todavia, o artista não perde a sua identidade – aquela que criou para si. Por isso, “penso que na música sou um 4X4 porque não tenho um estilo único. Apesar de tudo, identifico-me mais com o estilo latino. Associo tudo a estilos latinos”.
Que música!
Muito recentemente “curtimos” um concerto de Bob Lee. Do repertório – que se diga, bom – impressionou-nos com a “vergonhita”. Nesta música, o artista capta e capitaliza situações do dia-a-dia do moçambicano, colocando a mulher, na sua diversidade, em epígrafe. Mais interessante ainda, é a capacidade psicológica que o artista tem em envolver o público na mensagem das suas composições.
E justifica-se: “Sempre gostei de ler. A literatura abre-nos a mente. Então, sempre que vou ao palco, tenho a capacidade de estudar o meu público e adequar o meu concerto em função do seu estado de espírito. E por estar a tocar ao vivo – tenho a possibilidade de improvisar – dou aquilo que o público quer (precisa), sem ofendê-lo”.
Fica-nos, assim, claro que o que completa um artista nem sempre é a forma vistosa com que alguns se apresentam. Mas a disciplina que empreendem na arte que produzem. “Não tenho cantado, sem antes, analisar o conteúdo das minhas composições. Tenho solicitado críticas ao meu trabalho antes de publicá-lo.
Não tenho nada contra os que cantam e não agradam aos outros. Cada artista tem a sua maneira de se expressar. Mas pauto pelos assuntos sociais. E acredito que, quando falamos de assuntos sociais, dificilmente atropelamos o povo”, assinala.
Um problema crónico
A exiguidade de editoras é apontada por Bob como sendo o “calcanhar de Aquiles” dos artistas nacionais. Afinal, não são todos os músicos que têm a possibilidade de fazer edições individuais.
“As editoras não têm acolhido todos os artistas”, queixa-se reconhecendo que “em parte têm razão, afinal o trabalho delas é comercial”. Ora, a música é uma inspiração. E, como tal não se guia pelas leis do comércio.
“Na imaginação, o artista coloca a sua composição num som que, virtualmente lhe ocorre. Se lhe ocorre na mente um lindo poema, que não se encaixa perfeitamente no estilo Reggae e recai na Bossa Nova, porque não cantá-lo nesse estilo?”, questiona. Ora, isso contrasta com os objectivos – comerciais – das editoras que impõem o estilo musical.
Consequentemente, “vou escrever uma baderna que não interessa”. Afinal, “quero ganhar algum dinheiro para me sustentar”. Pior ainda, “eu, como artista, vou-me transformar numa pessoa sem ambição. Porque vou deitar fora um bom produto em troca de uma camiseta, que vai ‘bater’ durante algum tempo, sabendo que será brevemente substituída por outra”.
Uma das consequências do combate entre a arte e os objectivos comerciais das editoras é evidente: “Há músicos conceituados que, na sua maioria, não têm nenhum trabalho discográfico publicado. Porque eles respeitam a arte. E gostariam que, uma vez publicados, os seus trabalhos perdurassem no tempo como relíquias”.
Viver o improviso
Nas entranhas de Bob Lee, que presentemente se prepara para fazer um curso superior do ramo das artes, encontram-se os mais ambiciosos sonhos.
O artista sonha, mas desinteressadamente. Afinal, o futuro é uma hipótese. E como tal, “vivemos o improviso. A cada dia, fazemos programas para o futuro que no dia seguinte são rechaçados por terramotos”. Mas mesmo assim, “eu gostaria de ter um estúdio para acolher outros artistas sem possibilidades, de ser um músico que tem uma fundação, um empresário. Enfim, gostaria de ser um músico bem sucedido”.
Pirataria – outro problema sério
Décio considera que a pirataria de fonogramas “é um problema muito sério. Mas quem o deve resolver são, em primeiro lugar, os artistas, antes de invocar o Governo. Temos que evitar ofertar músicas copiadas de um disco original – a partir do computador – às pessoas, pura e simplesmente, porque são próximas a nós”. Afinal, tal prática é suficiente para “fomentar nas pessoas a preguiça de comprar produtos originais. O combate deve começar no seio dos artistas”.
Quem é Bob Lee?
Décio Gabriel Mondlane (Bob Lee) nasceu a 4 de Abril de 1974, na antiga cidade de Lourenço Marques, actual Maputo. Para justificar o pseudónimo “Bob Lee”, o artista explica que foi um dos primeiros moçambicanos a usar dreadlocks.
Viveu em Cuba entre 1988 e 1994. Em si, os colegas cubanos e amigos reencontram a figura do músico jamaicano Bob Marley. Mas como Décio praticava Karate, foi apelidado de “Bruce Lee”; os amigos associaram Lee ao Bob.
Para o artista, é difícil retratar a história da sua carreira, afinal nasceu no berço da música. Segundo Bob, “quando nasci, já havia instrumentos musicais em casa. O meu pai tocava. Então, o vírus da música infectou- -me muito cedo. Recordo-me de que ainda com tenra idade já montava pequenas estruturas em casa para fazer bateria”.
Viveu em Niassa, onde tocou com os artistas locais, antes de partir para a América Latina em 1988. Recorda-se que “em Cuba toquei entre os “Amisstá”, que foi uma banda formada por artistas provenientes de países diferentes”.
Anos depois de regressar a Moçambique, em 1994, participa num programa televisivo apresentado por Victor Zé – já falecido –, onde se sagrou um dos vencedores.
Admirado pela conceituada cantora moçambicana, Elvira Viegas, Bob Lee é convidado a integrar o grupo de artistas da “Continuadores de Moçambique”, uma organização infanto- -juvenil em que se aglutinavam várias expressões artísticas. Na “Continuadores”, o artista fez parte do grupo musical “Pétalas Amarelas”, donde surgiram as actuais bandas Kapa Dêch e MOZPIPA.
Actualmente, além de trabalhar singularmente, integra a banda de Raggae Maputoland, como instrumentista. Lee encontra em Rastony, o líder do agrupamento, um amigo, pai e educador.