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Petrolíferas aproveitam a desgraça alheia

As principais empresas aproveitam-se do pânico actual para aumentar o preço do petróleo refinado e ampliar os seus ganhos, afirma a economista indiana Jayati Ghosh. Urge, portanto, fazê-las pagar um imposto extraordinário sobre esses lucros.

O preço do petróleo atingiu o ponto máximo dos últimos dois anos e meio. E as previsões indicam que continuará a subir. A crise no Médio Oriente – e, em especial, na Líbia – é, de um modo geral, apontada como responsável pela mais recente explosão dos preços.

A verdade é que a Líbia produz menos de 3% do petróleo mundial e a Arábia Saudita (cujas reservas são já superiores à produção anual da Líbia e da Argélia) prometeu equilibrar um eventual défice. Seja como for, o nível das reservas mundiais de petróleo está hoje mais próximo de um máximo histórico do que de um mínimo histórico.

Por conseguinte, este pico dos preços é induzido pela incerteza, pelos boatos e pela actividade dos especuladores nos mercados de futuros. A Líbia é apenas parte do problema. Aquilo que os mercados financeiros receiam, de facto, é o que poderá acontecer se os tumultos se estenderem à Arábia Saudita.

Ainda assim, os preços dispararam muito antes de tal cenário se ter concretizado e de o abastecimento mundial se encontrar seriamente ameaçado. Todos sabemos quem são as vítimas da subida do preço do petróleo: a maioria de nós.

Esse aumento repercute-se, directa ou indirectamente, em todos os outros preços, através do encarecimento dos custos de produção e de transporte. A agricultura é directamente afectada e, portanto, os preços dos alimentos vão aumentar ainda mais, o que agravará a actual crise alimentar.

Essa pressão sobre os custos de produção tem outra consequência: leva os governos a tomar medidas de controlo da inflação, como o aumento das taxas de juro, o que acarreta mais custos para as empresas, em especial para as pequenas empresas. E isso compromete a frágil recuperação da economia mundial.

Os países em desenvolvimento importadores de petróleo são muito mais prejudicados do que os importadores desenvolvidos. Em primeiro lugar, a sua intensidade energética é muito mais elevada: em média, consomem o dobro da energia consumida pelos países da OCDE para produzir uma unidade do PIB.

Em segundo lugar, os países em desenvolvimento têm quase sempre limitações em termos de divisas estrangeiras e, por isso, o aumento da factura da importação de petróleo (denominada em dólares) acentua o desequilíbrio das suas balanças de pagamentos. Em geral, os países mais pobres são mais afectados e, nos países em desenvolvimento, os cidadãos com menores recursos são os que suportam o maior impacto do aumento do custo de vida.

Quem beneficia, então, com o aumento do preço do petróleo? A resposta habitual é: os países que são grandes exportadores. Mas não é verdade. Os verdadeiros beneficiários – aqueles que recebem a maior fatia do bolo – são as grandes empresas petrolíferas. Enfraquecidos no auge da recessão, os gigantes do petróleo aproveitaram com mestria a recuperação dos preços do petróleo de 2010 e fizeram um regresso triunfal.

Tirar partido do pânico

As grandes petrolíferas que anunciaram os seus resultados em Janeiro duplicaram os lucros em 2010, em comparação com o ano anterior. Os três gigantes americanos ExxonMobil, Chevron e ConocoPhillips totalizaram benefícios líquidos de cerca de 60 mil milhões de dólares. Os lucros da anglo-holandesa Royal Dutch Shell também duplicaram, apesar de a produção ter sido inferior à prevista (os lucros da francesa Total aumentaram 32%, atingindo os 10 300 milhões de euros).

Porque aumentam tanto os lucros dos gigantes do petróleo, quando os preços estão altos ou disparam? No essencial, o custo do barril das empresas reflecte os custos anteriores de perfuração e/ou da compra do crude, que quase sempre têm pouco ou nada a ver com o preço actual do crude.

A verdade é que essas empresas se apressam a repercutir nos consumidores os aumentos do preço do crude, cobrando mais caro pelos seus produtos. Em contrapartida, tendem a ser muito menos rápidas quando se trata de fazer com que o preço do petróleo refinado reflicta uma descida do preço do crude.

É por isso que os aumentos do preço do crude geram um forte crescimento dos seus ganhos. Na actual escalada de preços, os verdadeiros – e talvez únicos – ganhadores são os especuladores financeiros, nos mercados de futuros, e as grandes empresas petrolíferas, que tiram partido do pânico generalizado para impor um aumento de preços muito superior ao dos seus custos. A defesa do lançamento imediato de um pesado imposto sobre estes lucros excepcionais justifica- se plenamente.

Durante a campanha para as presidenciais, Barack Obama prometeu fazê-lo, mas a sua Administração ainda não passou à prática. Habitualmente, os argumentos contra este tipo de impostos são que as empresas que aumentam os seus lucros pagam, automaticamente, mais impostos; que uma carga fiscal acrescida será transferida para os consumidores, sob a forma de preços ainda mais altos; e que isso beneficiará os fornecedores estrangeiros e não as empresas nacionais.

Tais argumentos podem, contudo, ser rebatidos. Esses lucros excepcionais resultam, no essencial, de práticas empresariais anticoncorrenciais. Portanto, é perfeitamente justo taxá-los, uma vez que não reflectem despesas de investimento, nem custos de produção actuais das empresas e, sim, a sua capacidade de tirar partido de escaladas de preços criadas por factores externos.

Canalizar verbas para as energias limpas

O dinheiro assim obtido poderia ser utilizado em subsídios ou investimentos públicos, que permitiriam incentivar a utilização mais eficiente da energia pelos produtores e pelos consumidores e o desenvolvimento de energias limpas.

Poderia ainda ser investido em sistemas de transportes públicos, que gastam menos combustível do que as viaturas privadas e que ajudariam a descongestionar o trânsito.

Por último, os governos dos países industrializados poderiam dar bom uso a pelo menos uma parte dessas receitas fiscais, concedendo ajudas sem condições aos países pobres, duramente afectados pela mais recente escalada de preços do petróleo.

* Professora de economia da prestigiada Universidade Jawaharlal Nehru, de Nova Deli, Jayati Ghosh, de 56 anos, publica periodicamente crónicas nas colunas do diário The Guardian. É também secretária executiva da International Development Economics Associates (IDEA´s), uma rede que se dedica a divulgar trabalhos de economistas do sul que se opõem à ortodoxia neoliberal.

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