De repente deixamos de o ler no jornal Domingo. Na esquina a seguir – quando ainda estávamos a dobrar as calças para atravessar o rio, em 2003 – “esfregam-nos” a cara com “Xingondo” (livro resultado das crónicas que Daniel da Costa publicava naquele hebdomadário. É uma obra que terá – sem chama do mal – levantado alguma celeuma, pelo título que içava. E o cronista, instalado na sombra – virtualmente – da maçaniqueira, algures em Ximadzi, na província de Tete, despreocupava-se.
Passado pouco tempo, quando ainda ruminávamos o “Xingondo”, da Costa “obriga- nos” a ler as suas crónicas no jornal “Savana”, com o mesmo – quase o mesmo – logótipo que usava no “Domingo: Fovolonada. Isto é, no jornal Domingo era Favolonada e no Savana, para gingar um pouco, tirou o “a” depois do “f” e colocou o “o” e fi cou Fovolonada, mas “a diferença é igual”. Aliás, o cronista havia entrado em discussão com um tio seu, querendo mudar o logótipo, quando deixou de publicar no “Domingo” e, o tio, contrariado, mandou-lhe “caçar crocodilos”.Porque para o seu parente, Favolonada ou Fovolonada é que têm consonância espiritual com este “xingondo”, novamente (ainda e sempre) virado para o Oriente.
Veio depois aquela obra sarcástica de Daniel da Costa: A Ciência de Deus e o Sexo das Borboletas (2007), onde o cronista, de entre muitos textos burilados com muito labor e rigor literário, fala-nos do “bumbu” da primeira-ministra e de um ladrão bom (esta última crónica bastante arrepiante e cruel, mas que termina em bem, para nos limpar as lâminas que nos vão percorrendo ao longo da leitura).
A Flatuta do Oriente é o livro que da Costa lançou nos princípios deste mês em Tete, sob chancela da Ndjira; uma obra que nos vem revelar – uma vez mais – a grande qualidade do cronista, que já havia deixado patente nos seus dois primeiros livros.
“O Oriente pode parecer, à partida, uma ideia muito distante, mas, na verdade nã é. Por vezes até acho que todos nós transportamos dentro de nós uma costela do Oriente”. Daniel da Costa vai-nos recordar nesta obra o seu grande sentido de humor, a sua capacidade de satirizar assuntos bastante sérios, num país onde ainda se procura um ponto de orientação.
“O navegador Vasco da Gama não escolheu Inhambane por morrer de amores por nós. Ele ia a caminho da Índia à busca de especiarias e precisava de reaprovisionar os seus navios, com água e mantimentos frescos”.
A leitura que se pode fazer às crónicas de Daniel da Costa é a de que o autor está muito atento aos desenvolvimentos quotidianos que lhe cercam. Ele “pega” nesses assuntos e “coze-os” com uma doze de fi cção que nos fascina, sempre rigoroso, como rigorosa é a forma como ele leva a sua própria vida real. Em A Flauta do Oriente encontraremos a imagem daquilo que se passa connosco, mas escrito de forma sedutora, por vezes hilariante, que nos vão obrigar a ir com o autor e o seu livro, até onde ele quiser.
Mas também a obra de Daniel da Costa é uma chamada de atenção para o facto de que sempre estivemos ligados ao Oriente. Moçambique é um nome de raiz árabe e também a cidadania moçambicana tem infl uências árabes. Segundo o próprio, “as armas com as quais os nacionalistas inciaram a luta armada em 1964 eram de fabrico chinês. Pela janela do Oriente já tinham entrado antes muitas coisas úteis à vida, à nossa segurança e conforto: o vidro, a pólvora, a porcelana. A seda”.
O cronista, no seu texto de apresentação da obra prossegue: “do Oriente vieram a bússola, a acupucultura, as missangas e a milenar ciência dos xaropes. De lá foram trazidas as grandes religiões – o budismo, o cristianismo e islamismo”. Também – citando ainda Daniel da Costa – de lá chegaram até nós muitas famílias à busca de prosperidade, que souberam ganhar a vida com modéstia. “Há nomes aos quais os naturais de Tete não podem fi car indiferentes.
Quem não conhece a família Grande, Bega, Tulcidás, Karamachande ou Catogo? Tanto quanto sei, são ícones de referência no desenvolvimento comercial da região”. A Flauta do Oriente é um livro apaixonante que nos fará presos a um cronista que se parece bastante com a fi gura onde mora esse mesmo cronista. Por isso, a leitura do livro será um prazer sem medida.
Quem é Daniel Da Costa?
É um homem multifacetado. É professor, jornalista e diplomata de profissão. Foi durante vários anos crítico de Teatro e de Literatura. Na década de ´90 produziu, na Rádio Moçambique, o programa “O Sentido das Palavras” e coordenou a “Gazeta de Artes e Letras” na revista Tempo…
Em 2003, Daniel da Costa estreou-se em livro com uma colectânea de crónicas intitulada Xingondo. Em 2007 volta a publicar, pela editora Ndjira e patrocínio da mcel, um livro de contos que tem como título A Ciência de Deus e o Sexo das Borboletas.
A Flauta do Oriente é o terceiro título de Daniel da Costa.