Abandonado pelo próprio pai há seis anos, num hospital na cidade de Maputo, Lucas Marcos padece de uma doença pouco comum que o obriga a ter de passar as noites estendido num colchão, sem se movimentar até ao raiar do sol.
No interior do orfanato Ministério Arco-Íris, quarenta minutos a norte do centro da cidade de Maputo, uma centena de crianças órfãs, abandonadas e vulneráveis está reunida num salão à espera de mais uma visita.
É sábado. Ao contrário da monotonia dos dias úteis, os fins-de-semana são diferentes, sobretudo porque aparece gente da cidade para se divertir, dar presentes e proporcionar momentos de alegria a cerca de 318 crianças em situação difícil.
Entre elas está Lucas Marcos, um menino de oito anos de idade, mas aparentando ter três. Já tão reduzido o seu espaço de manobra, o miúdo vive crucifi cado por uma doença rara, de progressão acelerada e que o obriga a andar preso a uma carrinha de rodas para não perder o equilíbrio.
“Não sabemos exactamente o que ele tem. Mas algumas pessoas dizem que tem o cérebro atrofi ado e outras acham que é paralisia cerebral”, resume uma mulher em palavras que foram repetidas pelo administrador do centro, Francisco Mandlate.
O pequeno Lucas foi parar ao orfanato depois de ter sido abandonado pelo próprio pai no Hospital José Macamo, onde estava internado, seis anos atrás. Neste momento pouco se sabe do progenitor. Sumiu sem deixar rasto. Foram as mulheres dos serviços de Acção Social que o trouxeram ao Arco-Íris quando tinha dois anos. Sobre a mãe acredita-se que terá perdido a vida.
“Não é nossa especialidade cuidar de crianças com problemas como o Lucas, mas também não podíamos abandoná-lo”, disse o administrador do centro. Não se sabe porquê, consta que antes de ser acolhido naquele local foi rejeitado em alguns centros de apoio a crianças em situação difícil.
Laura Anderson, uma das missionárias que lida com ele, acha que um neurologista é a pessoa indicada para decifrar o problema. Diz que já tentou pesquisar a doença na Internet e presume tratar-se de paralisia cerebral. “O problema dele está centrado no sistema nervoso. É isso que o impede de se movimentar, sentar e falar.
O muito que consegue é sorrir quando os amigos fazem gracinhas ou quando está num ambiente de diversão”, conta. De facto, apesar das difi culdades, nota-se que o menino quer reagir. Dentro do salão tenta libertar- se da carrinha de rodas que o prende e o impede de, como os outros, se levantar, dançar, aplaudir e gritar perante cada gesto que um palhaço faz.
Na sua mais completa fragilidade humana, do seu rosto inocente, Lucas só consegue esboçar um sorriso com a cabeça virada para um lado. Uma das funcionárias que cuida de si disse que com a progressão do seu estado, a cadeira de que dispõe logo terá de ser substituída porque Lucas, cada dia mais fi sicamente deformado, já não tira proveito dela. Primeiro sofria de epilepsia.
Até aos três anos andava, fazia alguns movimentos e soletrava palavras. “Agora apenas fala a língua que só o coração humano pode escutar e entender. Escuta a todos, através das carícias, dos afectos e dos beijos que lhe dão nas mãos retorcidas e no seu rosto de anjo humano”, disse uma mulher que estava a seu lado.
Aprender a preparar o futuro
Naquele pequeno mundo onde Lucas aguenta o seu derradeiro calvário, vivem outras 317 crianças, das quais dez com HIV e outras órfãs e abandonadas.
O orfanato existe há 12 anos. Com sede no bairro do Zimpeto em Maputo, encontra-se espalhada por todo o país e acolhe crianças dos zero aos 18 anos em situação difícil.
No interior da instituição existe um internato, uma escola que lecciona do primeiro ao décimo segundo ano, um centro de saúde especializado em triagens, curativos e com um médico que se faz presente todos os dias no período da tarde. Cerca de 70 porcento das crianças são rapazes e 30 raparigas.
No centro de saúde existe um programa de administração de leite para crianças até um ano de idade, no qual estão inscritos 66 petizes tratados por uma médica que trabalha uma vez por semana.
O programa de administração de leite é gratuito para as crianças, incluindo as mães seropositivas. A escola e o centro de saúde estão abertos à comunidade. Com cerca de 150 trabalhadores, dos quais cozinheiros, enfermeiros, motoristas, educadores de infância, professores, entre outros, o centro dispõe de uma clínica, um berçário para crianças de zero aos quatro anos, biblioteca, e campos para a prática do desporto.
Quando uma criança atinge os 18 anos tem de deixar a casa. Então, procura-se pelos familiares e, quando não se encontra, compra-se um terreno e o jovem parte para uma nova vida. Para permitir que isso aconteça sem sobressaltos, os alunos recebem um curso profi ssionalizante como mecânica, carpintaria, serralharia alguns dos quais administrados pela União Geral das Cooperativas e outros pelo próprio centro.
Simão Macamo é um dos jovens que já atingiu os 18 anos e está de saída, nove anos depois de ter sido recolhido das ruas do grande Maputo, onde vivia para fugir da madrasta algoz. “Já tenho o meu terreno e daqui a dias é o adeus”, diz o garoto que nunca conheceu a mãe e sempre viveu com o pai até o dia em que fugiu de casa. Nove anos depois, do orfanato guardará lembranças de uma formação para lidar com o futuro.
“Aprendi muito aqui e estou preparado para seguir o meu destino”, diz. O centro tem um programa especializado na recolha das crianças da rua, mas também colabora com o Ministério da Mulher e Acção Social que identifica as crianças órfãs e vulneráveis e encaminha-as ao orfanato.
Trabalham também em parceria com o orfanato 1 de Maio o Ministério do Interior, através do gabinete de atendimento da mulher e da criança, a primeira esquadra e os chefes dos bairros. “Logo que as crianças chegam no centro procuramos os familiares e quando não os encontramos elas ficam aqui”, disse Francisco Mundlate.
O apoio que veio de fora
A cada fim-de-semana o orfanato acolhe novas e mais visitas. Há pessoas ou entidades que apadrinham as crianças, garantindo uma assistência no presente ou no futuro.
Nessas circunstâncias houve casos de miúdos que obtiveram bolsas de estudo para estudarem no estrangeiro. O último caso foi de um rapaz que foi estudar no Texas, Estados Unidos da América.
A história de generosidade da semana passada começou com uma parceria entre a Associação Cultura Educação e Turismo (ACETUR) e a Galilleo Moçambique que serve para minimizar o sofrimento das crianças e incentivá-las a participar em acções de interesse social e comunitário, o que irá contribuir para a melhoria da qualidade de vida e do seu bem-estar.
As duas instituições ficaram a saber da realidade das crianças do orfanato Ministério ArcoÍris, um lugar onde apesar de se viver com condições básicas mínimas sempre se precisará de apoio moral.
A ACETUR e a Gallileo não resistiram ao apelo. No sábado, 6 de Fevereiro, os funcionários juntaram-se e foram doar material escolar, alimentos, e produtos de higiene. “O nosso objectivo era doar no ano passado, mas preferimos hoje, um mês em que poucos dão e que geralmente as instituições estão a ganhar fôlego”, disse o vicepresidente da ACETUR, Dércio Chiamo.