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Entrar e sair da “Colômbia”

Entrar e sair da “Colômbia”

A toxicodependência é uma das principais chagas sociais, atravessando todos os estratos. Entrar é fácil e está ali ao virar da esquina. Sair é que é bem mais difícil e, em muitos casos, revela-se deveras impossível. Mesmo as experiências bem sucedidas deixam marcas indeléveis. Segundo os especialistas, a consciência dos danos provocados pela droga é ainda a grande arma preventiva contra o seu uso.

John tem 27 anos, reside no bairro de Zona Verde e é consumidor de drogas, principalmente cocaína e heroína, há sensivelmente 13 anos. “Sobre a minha pessoa não vou falar mais mas posso descrever-vos o sítio onde geralmente compro a droga.”

 

“É na chamada zona militar, mais conhecida por Colômbia, onde há muitos toxicodependentes. Aquilo chega a formar um aglomerado, onde se partilha tudo: heroína, cocaína, seringas, etc. Há equipas formadas para roubar peças de carros, telemóveis, carteiras, etc. Isto garante-lhes, por um lado, a sobrevivência e por outro, o contínuo consumo de drogas. A maior parte chega a dormir no passeio das casas dessa zona.”

 

Um Pintcho 100 paus

Toshmeni Lihuca tem 35 anos e é pai de 4 filhos, alguns dos quais frequentando o ensino primário nas escolas circunvizinhas do Bairro de Benfica, onde moram com a mãe, o pai e avós. Natural de Marracuene, província de Gaza, Lihuca veio para Maputo para fugir à guerra civil que naquela época dilacerava o país. Lihuca é vendedor ambulante de CD´s e a esposa possui uma banca à porta de casa, onde vende tomate e óleo alimentar. Diariamente, com a receita da venda dos discos, consegue obter cerca de 700 meticais, o bastante para comprar um connection – consórcio entre dois consumidores de drogas – que lhes permite adquirir um pintcho – porção de droga. O que sobra garante a alimentação em casa. Lihuca entrou num mundo da droga pela mão do amigo Paíto, que já era consumidor. “Quando entrei nisto, um “pintcho” de cocaína ou heroína custava 50 meticais. Agora não se consegue nada por menos de 100 meticais.” Segundo Lihuca, a “paulada”, ou seja o tempo durante o qual se encontram alheados de tudo, dura 30 minutos. “Sinto uma grande animação. Não encontro palavras para descrever a sensação.” Quando termina um pintcho de 100 meticais vai dormir mas por volta das 10 horas do dia seguinte volta à Colômbia para comprar outro. “Se não o fizer vou passar mal. Sinto muitas dores no corpo todo. Às vezes, sai-me ranho do nariz, perco o apetite, entre outras consequências. Ontem, por exemplo, não fui à Colômbia, por isso mesmo não conseguí dormir. Tive de madrugar para comprar um outro pintcho.” Ao contrário de muitos outros consumidores, Lihuca gaba-se de nos oito anos de consumo nunca ter roubado nada para adquirir drogas. Segundo ele a maior parte dos vendedores não é consumidor. “Eles [os vendedores] limitam-se a transacionar o produto, enriquecendo com a desgraça do consumidor que chega a trocar tudo o que tem pela droga. Muitos deles ganham 3 mil meticais por dia.” Alice [nome fictício], reside na Colômbia, diz que já viu de tudo neste bairro. “Às vezes, quando sentem fome e não têm dinheiro, pedem restos de comida aos moradores que lhes parecem ser mais simpáticos. Vivem de refrescos, biscoitos, bolachas, sumos… essas coisas simples. Quando falo com eles e os aconselho a sair das drogas dizem- me que não podem porque quando não consomem sentem dores em todo o corpo, a ponto de não aguentar caminhar. Entrar é fácil. Sair é que é quase impossível. Alice já viu muitas mães adoecerem devido ao desgosto de ver os seus filhos a afundarem-se.” E acrescenta: “muitos procuram reabilitação mas, como são indivíduos de baixa escolaridade, nem sabem onde procurar aconselhamento.”

 

Fenónemo transversal a todas as classes

Mas, não se pense que o fenómeno do consumo de estupefacientes é apanágio das classes baixas. Ele é transversal a todas as classes sociais. À Colômbia vem igualmente gente endinheirada mas esta não sai do carro. Prefere estacionar um pouco afastada, depois telefona para o vendedor e este vai ao seu encontro. É gente com uma posição social a defender por isso não quer ser vista neste submundo. “O consumo de suruma deixa- me relaxado e com mais visão para estudar ou fazer qualquer coisa. Mas, consumo com muita cautela, não como algumas pessoas que exageram”, refere um estudante da UEM que prefere manter o anonimato, acrescentando que “às vezes, fico um mês ou mais sem consumir. Acho que vou parar de utilizar drogas, sinto que não é bom.”

 

Um caso de sucesso

Mas nem tudo são insucessos na história do consumo de drogas. Alberto Arão Balate é um caso de alguém que se libertou totalmente desta dependência e, onze anos depois, vai passar a sua experiência para o papel numa obra intitulada “Mãos livres da droga”, a sair ainda este ano. “É o meu contributo para a sociedade tentando divulgar e educar sobre o perigo que as drogas representam.” Balate, hoje com 33 anos, não tem pejo em falar da sua experiência na toxicodependência. Este residente no bairro Central, em Maputo, entrou no mundo da droga como muito outros: pela mão das más companhias. Na altura, quem não fumasse ou não bebesse chamavam-lhe matreco, nome pejorativo entre a camada jovem. Para não ficar para trás e por temer ser socialmente excluído, Balate começou a consumir suruma. Pouco tempo depois, passou para o haxixe e, num ápice, mergulhou na cocaína e na heroína. Esta última foi-o corroendo física e mentalmente. “Foi a pior fase. A dosagem variava entre duas a três vezes por dia. Não podia viver sem aquilo e o pior é que com a história das seringas estava muito exposto a doenças como a sida e a hepatite.” Segundo Balate, depois de consumir a droga sentia-se bem, mais esperto, mas o pior era o momento da ressaca. “A dor da ressaca é tão grande que é preciso consumir novamente para aliviá-la. São dores que se assemelham à malária.” Balate conta ainda que esteve quatro anos viciado e explica que “quando se entra na droga, tudo é lindo, tudo é ilusão, mas chega um momento em que as coisas amargam, chegando a recorrer-se a assaltos como forma de garantir a dose. Para a quantidade que consumia era impossível arranjar dinheiro honestamente por isso assaltava com frequência transeuntes na rua, roubando-lhes brincos, pulseiras, celulares, bolsas… tudo que fosse vendável”, explica. Atormentado e totalmente rejeitado pela sociedade, Balate chegou a pensar no suicídio. “Muitos toxicodependentes tentam o suicídio porque sabem que a droga os levará à morte. É a saída possível”, esclarece. Desesperados com a degradação do filho, os pais resolveram levá-lo a um curandeiro. Este, depois de analisá-lo, detectou-lhe demónios no corpo e fez várias magias para exorcizá-los. Debalde, porém. Balate voltou pior do que quando entrou. O problema parecia que tinha aumentado.

 

REMAR a bom porto

Balate chegou a viajar para a Beira, quando achou que o problema eram as más companhias. “Quando lá cheguei, passado pouco tempo, voltei à droga.” Regressou a Maputo, e deste vez os pais levaram-no para o Hospital Central numa tentativa desesperada para reabilitá-lo. “Não consegui sair da dependência psicológica por isso voltei a consumir.” Algum tempo depois, descobriu, que o problema só podia ser resolvido por si próprio. “Não adiantava fugir. A dependência tinha que ser resolvida por mim. Procurei o Centro de Reabilitação de Toxicodependentes denominado REMAR, um centro que cura através da palavra de Deus. Permaneci lá enclausurado até achar que estava apto para enfrentar a sociedade.” Mas aqui conheceu também muitos dependentes que se escapuliram do centro para voltar à droga. “É verdade que a REMAR nos ajuda a sair das drogas, mas é preciso estarmos decididos. Eu sou um exemplo da ajuda proporcionada por esta instituição e de decisão própria. A REMAR aconselha, não fornece medicamentos como as clínicas. O sucesso resulta da união entre o aconselhamento – para auxiliar a mente – e os medicamentos – para ajudar o corpo. À saída do centro, como continuação da terapia de reabilitação, Balate foi aconselhado a procurar uma igreja e um emprego. “Após a reabilitação é necessário procurar fazer coisas úteis para não se ter a mente vazia porque mente vazia é oficina do diabo,” esclarece. Livre de drogas há 11 anos, Balate conta como vitórias alcançadas, o emprego que hoje tem de gestor de stock numa empresa não governamental e o facto de ser obreiro na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Aqui, o seu trabalho inclui aconselhamento a toxicodependentes e a pais que têm filhos com esse problema. Recentemente fundou ainda um núcleo denominado “Mãos Livres da Droga”, cujo objectivo é alertar os jovens para os perigos da droga e para a possibilidade de contraírem doenças com ela relacionadas como é o caso da Sida. Há pouco tempo, Balate aconselhou uma jovem a voluntariar- se para o serviço militar como forma de se ver livre da toxicodependência que a consumia. A moça cumpriu o serviço militar e actualmente estuda de noite e de dia trabalha como caixa de um banco. Tudo bem longe das drogas. À despedida Balate revela um sonho: ter um espaço na televisão para falar de droga, o que seria, segundo ele, um programa bem mais útil e educativo do que os vários de entretenimento que proliferam nas nossas televisões.

 

Gabinete de Prevenção e Combate à Droga

Por seu turno, António dos Santos Vaz, chefe do Departamento de Educação Pública e Divulgação do Gabinete de Prevenção e Combate à Droga, da cidade de Maputo esclarece: “A nossa instituição é mais direccionada para a prevenção, mas existem outras que trabalham connosco no sentido de abranger as áreas de recuperação e reintegração social dos toxicodependentes. Segundo este representante da pasta da Educação Pública e Divulgação pode-se definar a droga como toda e qualquer substância sintéctica ou natural que quando administrada no organismo altera o funcionamento do sistema nervoso. Pela legislação moçambicana existem dois tipos de drogas: as leves e as pesadas. As leves, cuja venda, consumo, armazenamento e ou manutenção são socialmente aceites como o cigarro e as bebidas alcoólicas. E as pesadas, as não socialmente aceites, incluindose nelas a suruma, a cocaína, a heroína, o ecstasy, o LSD, etc. Vaz lamenta o facto de no país não existir um centro de recuperação da responsabilidade do Estado. As organizações de cariz religioso são as grandes batalhadoras, contando-se entre elas o Centro de Recuperação de Toxicodependentes da Catembe – “Vida Nova” e “Projecto Café Convívio”, ambos pertencentes à Igreja Evangélica Assembleia de Deus. Vaz classifica as drogas em: depressoras, alucinógenas e estimulantes. As depressoras alteram o processamento de captação das informações pelo cérebro, dificultando e atrasando esse mecanismo, dando como exemplos o álcool, o ópio, a morfina. As alucinógenas, como a psilobicina, a LSD, a heroína, etc, tendem a despersonalizar os usuários. As estimulantes provocam o aumento do processamento cerebral, resultando daí situações de êxtase e grande agitação quando se consome cocaína, crack, ecstasy, anfetaminas, cafeína,etc. Este dirigente adianta também que as zonas de produção de suruma – a droga mais procurada no país – são a província e cidade de Maputo, Manica, Tete (Angónia), Niassa e Cabo Delgado (Mueda). No que concerne à prevenção e ao consumo de drogas, no ano passado, segundo Vaz, 46.575 pessoas beneficiaram de palestras e campanhas de formação anti-droga em todo o país, recuperando-se cerca de 3.234 pessoas.

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