Che Guevara
De há uns tempos para cá, muitas paredes da zona chique e dos subúrbios da cidade de Maputo ostentam imagens de Che Guevara. Os autores desta arte mural são jovens que, curiosamente, muitos deles não sabem quem foi o mítico guerrilheiro sul-americano. Desenham e pintam a sua figura porque, como dizem, “está na moda”, uma tendência importada da Europa em fardos de roupa nova ou usada.
André Vilanculos, de 22 anos de idade, barbeiro profissional, diz que, tal como outros jovens, também curte as camisetas de Che Guevara. “Está na moda”, justifica-se Sky Walker, nome artístico pelo qual é por todos conhecido.
Nos tempos livres, Sky Walker dedica-se à música, compondo e gravando as suas letras. Hip hop é o seu estilo de música preferido. Questionado sobre as razões que o levam a curtir as camisetas de Che Sky é peremptório: “Toda a gente curte e, se queres saber, até Nas curte num dos seus videoclipe”, explica
O tal Nas é um rapper norteamericano cuja música é bastante consumida por muitos jovens que ouvem a música hip hop. Então Che Guevara é um rapper?, perguntamos.
– Sim, responde, inseguro. Contudo, perante a nossa insistência e depois de não saber dizer quais as músicas interpretadas por esse tal rapper Che Guevara, Sky Walker acaba por confessar que não conhece muito bem tal figura. O caso de André Vilanculos, está longe de ser único. É um fenómeno estranho. A maior parte dos jovens que ostentam na roupa imagens de Guevara consideram-no alguém ligado à música, mas não conseguem trautear nenhuma música sua.
O jornalista argentino Jorge Aulicino escrevia, num artigo intitulado “A construção de um mito”, que a religiosidade que o Che ainda inspira, sobretudo no seio da camada juvenil, não tem nada a ver com a explosão de imagens cujo conteúdo ou significado não é possível determinar.
Milhares de jovens que ainda não eram nascidos quando o Che morreu ostentam a sua imagem nas “T-Shirts”, em tatuagens ou na janela traseira do automóvel. São jovens que nem sequer são socialistas, ideologia que Che abraçou.
Velho, um jovem de 28 anos habitante no bairro da Mafalala, sabe um pouco mais do que os outros. À nossa reportagem, junto a uma parede estampada com o rosto do herói, consegue dizer que Che foi um revolucionário cubano.
“Não sei lá muito bem o que ele revolucionou, mas sei que foi um revolucionário cubano”, refere com segurança. Velho, de seu nome artístico, não sabe dizer se Che foi militar ou não”. Corrigimos a nacionalidade: não foi cubano mas sim argentino, ajudou foi a implantar a revolução cubana. Velho agradece-nos o esclarecimento.
Definitivamente, para os jovens, o conhecimento histórico não é prioritário. A moda é que lhes dita os interesses. O passado histórico nada lhes diz, mesmo quando os símbolos da moda estão relacionados com individualidades cuja vida e obra remete para o passado, como é este caso.
Velho, Sky Walker e muitos outros desta geração, não fazem a menor ideia que o Che foi um guerrilheiro típico, tendo combatido na Sierra Maestra, na Bolívia ou no Congo.
Fabrício Sabat é responsável pela marca de vestuário Mbuzine Bandeiras. Trata-se de uma marca que faz diversos artigos de vestuário como calções, calças, camisas e camisetas, utilizando símbolos nacionais estampados.
Instado a pronunciar-se a propósito desta euforia guevariana que invadiu os corpos, as roupas e as paredes de Maputo, Fabrício Sabat esclarece que a foto de Che Guevara corresponde já a uma marca internacional e que Moçambique não pode fugir a essa onda. “Foi um dos símbolos que começámos a receber quando o país se abriu ao mundo depois da liberalização do mercado”, explica. Para Sabat, que, para além de promotor de símbolos nacionais é músico, escritor e fotógrafo, os símbolos da República são muito mais importantes mas não são conhecidos. “É aí que reside a importância do meu trabalho”, elucida Sabat, que iniciou a actividade com um projecto de substituição das bandeiras nas esquadras e outras instituições do Estado.
“É importante que cada jovem conheça o valor dos símbolos que curte. Quanto a Che Guevara, acho que além de curtilo, é importante conhecer a sua história, pois ele, como líder que foi, faz parte da memória colectiva” concluiu.
PEQUENA BIOGRAFIA
Ernesto Guevara de la Serna nasce a 14 de Junho de 1928, em Rosário, Argentina. Os primeiros anos são mergulhados em constantes crise de asma, doença que o acompanharia toda a vida e que levaria mesmo a família a mudar-se para a cidade de Altagracia, região mais propícia para a doença. Em Dezembro de 1947 ingressa na Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires, acabando por licenciar-se em 1953. Pelo meio, em companhia com o seu amigo Alberto Granados, empreende uma viagem pela Argentina, Chile, Peru, Colômbia e Venezuela contactando com uma miséria que até aí desconhecia. Em Julho de 1955, no México trava contacto com Fidel Castro e integra-se como médico a expedição do Granma, o navio que transportou os revolucionários cubanos até ao seu país natal. Até à entrada vitoriosa dos “barbudos” em Havana, no primeiro dia de Janeiro do ano de 1959, Che acompanhará todos os passos da guerrilha desde a Sierra Maestra até à conquista paulatina das cidades. A 7 de Fevereiro, já com os revolucionários no poder, é declarado cidadão cubano por nascimento. Depois, passa sucessivamente pela presidência do Banco Nacional de Cuba e pelo cargo de Ministro da Indústria, sendo ainda um dos principais comandantes militares a deter o desembarque daquilo que ficou conhecido como a Baía dos Porcos, onde forças leais ao deposto ditador Fulgêncio Baptista auxiliados por norte- americanos são derrotadas pelo exército revolucionário. A 3 de Outubro de 1965, cansado da rotina dos altos cargos, escreve uma carta a Fidel a despedir-se de Cuba, missiva essa lida no acto de constituição do Comité Central do Partido Comunista de Cuba. Na Bolívia, para difundir a revolução mundial, entra com o nome Adolfo Gonzalez, cidadão uruguaio e, passados poucos dias, incorpora-se na guerrilha. A 8 de Outubro de 1967, é ferido e capturado numa emboscada às mãos das tropas governamentais no pequeno povoado de Higuera. No dia seguinte acabaria morto à queima-roupa no posto da polícia local. As suas últimas palavras foram para o seu carrasco: “Dispara, cobarde, só vais matar um homem.” Com Che só morreu o homem mas começou um mito. |